Conclusão consta de relatório que apontou falhas na fiscalização da venda de armas pelo Exército
Carla Araújo e Natália Portinari
O TCU (Tribunal de Contas da União) apontou fragilidades e potencial conflito de interesses no sistema de controle de venda de munições no Brasil, administrado por uma companhia privada que atua no setor, a CBC (Companhia Brasileira de Cartuchos).
A conclusão consta em um relatório que apontou falhas na fiscalização da venda de armas pelo Exército.
A área técnica da Corte descobriu que por volta de 5.200 condenados pela Justiça conseguiram registro de CAC (caçador, atirador e colecionador) junto ao Exército entre 2019 e 2022, entre outros problemas.
No caso das munições, o controle é feito pelo Sicovem (Sistema de Controle de Venda e Estoque de Munições), administrado pela CBC. A empresa é privada e detém, na prática, o monopólio da fabricação do produto no Brasil.
O TCU aponta que não há um “documento de natureza contratual ou regulamentar que estabeleça os direitos e obrigações da empresa ou do Comando do Exército/União” na gestão do Sicovem, o que representa um risco.
Uma portaria do Ministério da Defesa, de 2006, deu 180 dias para o Exército implementar o Sicovem, mas quem acabou fazendo isso foi a CBC. Contrariando essa portaria, a CBC também nunca permitiu que a PF (Polícia Federal) tivesse acesso ao sistema, segundo o TCU.
Além de produzir munições, a CBC também é controladora da Taurus, maior empresa fabricante de armas no Brasil.
O relatório aponta que “a empresa age de acordo com seus interesses comerciais e pode vir a cometer irregularidades”, dando como exemplo um caso em que a CBC infringiu uma regra do governo federal, produzindo lotes com mais de 10 mil munições, o que não é permitido.
Devido a esse episódio, em 2018, o Ministério Público Federal (MPF) recomendou a adoção de um sistema próprio do Exército para registro de fabricação e venda de munições, o que não foi atendido.
Outra descoberta é que os dados do Sicovem têm fragilidades e lacunas. Durante mais de uma década, não foram armazenados no Sicovem dados a respeito do CPF ou números de registro dos adquirentes de munição. Esse controle passou a existir apenas a partir de novembro de 2018.
“Registros efetuados a partir dessa data, todavia, tampouco são completos e confiáveis, e abrangem vendas incompatíveis com as normas vigentes à época”, ressalta a área técnica da Corte de Contas.
Devido à ausência de cruzamento dessa base de dados do Sicovem com outras da administração pública federal, há registros de venda de munição a pessoas já falecidas, assim como vendas associadas a armas que já constavam como roubadas, furtadas, destruídas ou perdidas.
“Ambas as situações evidenciam alto risco de fraude e outras condutas ilícitas na transação, seja do comprador – o qual pode ter apresentado documento falso ou comprado munição para arma sabidamente extraviada, por exemplo – seja do vendedor – o qual pode ter se omitido no dever de cobrar a apresentação da documentação ou, até mesmo, ter lançado uma venda no nome de outrem, por exemplo”, diz o texto.
A recomendação da área técnica — que ainda dependerá da análise do ministro relator do caso, Antonio Anastasia — é que o Exército implemente um sistema autônomo, independente do controle da CBC.
Exército fala em ‘aperfeiçoamento’
Procurado, o Exército afirmou que a auditoria do TCU tramita em sigilo e que, “após o órgão remeter relatório preliminar, a Força apresentou suas considerações àquele tribunal”.
Em nota enviada ao UOL, o Centro de Comunicação Social do Exército afirmou que, após as recomendações do TCU, a Força “vem adotando todas as medidas cabíveis para aperfeiçoar os processos de autorização e fiscalização dos CACs”.
“Cabe ressaltar que, ao tomar conhecimento de qualquer irregularidade, como perda de idoneidade ou falecimento, do CAC são adotadas, imediatamente, as providências necessárias, inclusive com a possível suspensão de Certificado de Registro (CR)”, diz a nota.
O Exército afirmou ainda que os dados necessários para a concessão do Certificado de Registro são de responsabilidade do solicitante, “o que pode gerar inconsistências com relação aos bancos de dados disponíveis relativos ao logradouro onde reside o interessado e o local onde se dá entrada no processo”.
“Essa restrição dificulta a acuracidade do trabalho realizado pelo serviço de fiscalização de produtos controlados na concessão de CRs”, alega a Força.
O Exército não respondeu, porém, se pretende adotar alguma providência para modificar a gestão do controle de venda de munição nem qual a vigência do contrato com a CBC.
A CBC foi procurada e não comentou até a última atualização desta reportagem. Caso a empresa se manifeste, seu posicionamento será incluído.
UOL
Uma resposta
Olha, para se ter um armamento municiado, com munição adquirida anualmente tá ficando difícil, um blíster com dez unidade ultrapassa os R$ 150,00 (ogival .380 por ex.), imagina comprar uma caixa com 100 só multiplicar (R$ 1.500,00). Tá um absurdo esse valor de munição. Isso é que dá colocar apenas uma fornecedora (regime privilegiado “monopólio”) para venda.