Há quatro décadas, Carl Sagan apontou para o risco de ‘extinção humana’ em uma guerra nuclear; alerta segue atual

Explosão nuclear

 

Sagan e um grupo de cientistas se juntaram para analisar os impactos de um conflito total sobre o planeta, e o resultado foi assustador
Filipe Barini
Há 41 anos, quando a corrida nuclear se aproximava do auge, e EUA e a então União Soviética acumulavam quase 60 mil ogivas, o cientista Carl Sagan, famoso por seu trabalho no campo espacial, publicou, ao lado de quatro colegas, um dos mais importantes estudos do final do século XX. Intitulado “Consequências atmosféricas globais da guerra nuclear”, ele compilou informações de uma ampla rede de conhecimento — incluindo profissionais soviéticos — em diversos campos para determinar o que aconteceria se as potências nucleares decidissem apertar seus botões vermelhos.

Líder da Coreia do Norte, Kim Jong-un, em visita a base de mísseis estratégicos — Foto: KCNA VIA KNS / AFP

O resultado foi, no mínimo, aterrorizante, e é ainda mais assustador quando se considera que, hoje, o mundo vive o momento mais perigoso em termos de segurança nuclear desde o fim da Guerra Fria, com potências atômicas fazendo ameaças entre si, reforçando e expandindo seus arsenais, e amenizando os cenários em que poderiam usar esses armamentos.

“Exceto por tolos e loucos, todos sabem que a guerra nuclear seria uma catástrofe humana sem precedentes”, escreveu Sagan, em artigo na revista Parade, que apresentou o trabalho publicado pouco depois. “Uma ogiva estratégica mais ou menos típica tem potência de 2 megatons, o equivalente explosivo de 2 milhões de toneladas de TNT. Mas 2 milhões de toneladas de TNT é quase o mesmo que todas as bombas que explodiram na Segunda Guerra Mundial.”

No trabalho, os cientistas usaram um estudo, realizado pela Organização Mundial da Saúde, de 1982, estimando que uma guerra total — o cenário conhecido como MAD, sigla de “Destruição Mútua Assegurada”, em inglês — mataria 1,1 bilhão de pessoas imediatamente, especialmente nos EUA, União Soviética, Europa e Ásia. O colapso nos sistemas de resgate e saúde deixaria outros 1,1 bilhão de seres humanos diante da morte certa, causada por ferimentos graves e intoxicação por radiação.

“Portanto, parece possível que mais de 2 bilhões de pessoas — quase metade de todos os humanos na Terra — seriam destruídas imediatamente após uma guerra termonuclear global”, escreveu Sagan, notando que, naquele momento, 4,6 bilhões de humanos caminhavam sobre o planeta.

Para os que sobrevivessem, o futuro seria igualmente catastrófico.

Dois irmãos que sobreviveram ao ataque nuclear contra Hiroshima, em agosto de 1945 — Foto: AFP

Dados coletados na época com a ajuda de satélites e analisados por computadores mostraram que a poeira levantada pelas explosões bloquearia a maior parte da luz solar, provocando um “inverno nuclear” em todo o planeta por semanas ou meses. Plantas morreriam por causa da radiação e da incapacidade de realizar fotossíntese, e em algumas regiões do interior as temperaturas poderiam cair até 25ºC, não importando a estação do ano. Mesmo áreas distantes dos alvos das bombas, como o Hemisfério Sul, sofreriam mudanças bruscas em seus padrões climáticos.

“Os oceanos, um reservatório de calor significativo, não congelariam, e uma grande Era Glacial provavelmente não seria desencadeada”, escreveu Sagan. “Mas como as temperaturas cairiam tão catastroficamente, praticamente todas as plantações e animais de fazenda, pelo menos no Hemisfério Norte, seriam destruídos, assim como a maioria das variedades de suprimentos alimentares não cultivados ou domesticados. A maioria dos sobreviventes humanos morreria de fome.”

Reações químicas provocadas pelas detonações destruiriam parte da camada de ozônio, que protege nosso planeta dos raios ultravioleta do sol, impactando ainda mais a vida que restava sobre a superfície. E a radiação deixada pelas milhares de ogivas que devastaram, em alguns minutos, milênios de evolução humana, permaneceria no ar, carregada pelos ventos, por meses.

A fumaça dos incêndios impregnaria a atmosfera com gases tóxicos, tornando o ar irrespirável, e os bilhões de corpos de seres outrora vivos facilitariam a propagação de epidemias, em um cenário onde serviços médicos são praticamente inexistentes. Como aponta Sagan, nem os mais avançados abrigos nucleares, como os que controlariam o que restou de Estados nacionais, seriam úteis.

“As delicadas relações ecológicas que unem os organismos na Terra em um tecido de dependência mútua seriam rasgadas, talvez irreparavelmente. Há pouca dúvida de que nossa civilização global seria destruída”, alerta Sagan. “A população humana seria reduzida a níveis pré-históricos, ou menos. A vida para qualquer sobrevivente seria extremamente difícil. E parece haver uma possibilidade real de extinção da espécie humana.”

O estudo alerta que mesmo o uso reduzido de armas nucleares — como, por exemplo, em um ambiente de combate, com bombas menos potentes — causaria impactos duradouros.

“Consideramos uma guerra na qual meros 100 megatons foram explodidos, menos de um por cento dos arsenais mundiais (em 1983), e apenas em explosões aéreas de baixo impacto sobre cidades. Este cenário, descobrimos, provocaria milhares de incêndios, e a fumaça desses incêndios sozinha seria suficiente para gerar um período de frio e escuridão quase tão severo quanto no caso de 5 mil megatons”, escreveu.

Algumas das chamadas armas nucleares táticas, por vezes tratadas teoricamente como “aceitáveis” por comandantes militares e estrategistas, têm poder destrutivo de cerca de 50 kilotons, ou 50 mil toneladas de TNT. A bomba Fat Man, que atingiu Nagasaki em 1945, tinha 20 kilotons.

Sagan afirma que o estudo foi um sinal de alerta para a Humanidade: para ele, “nos concentramos sempre no futuro próximo, ignoramos as consequências de longo prazo de nossas ações” e “colocamos nossa civilização e nossa espécie em perigo”. Um conselho que, quatro décadas depois, segue relevante.

“Felizmente, ainda não é tarde demais. Podemos salvaguardar a civilização do planeta e a família humana se assim escolhermos”, afirmou. “Não há questão mais importante ou mais urgente.”
O GLOBO

2 respostas

  1. Estudem Carl Sagan, principalmente o livro “O Mundo Assombrado pelos Demônios”.
    As pessoas nas forças armadas precisam aprender racionalismo humanista.

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