Governo vai controlar campanha das Forças Armadas após crise envolvendo vídeo da Marinha

Atualmente, as Forças têm autonomia para elaborar e divulgar suas campanhas, bastando apenas a aprovação do comandante
Geralda Doca e Jeniffer Gularte
Brasília – O desconforto criado pela divulgação de um vídeo em que a Marinha questiona “privilégios” aos militares, em uma crítica indireta ao pacote de ajuste fiscal, gerou uma nova orientação no governo. A partir de agora, campanhas publicitárias produzidas pelas Forças Armadas deverão passar pelo aval do Ministério da Defesa antes de serem divulgadas. A medida é mais um movimento da gestão de Luiz Inácio Lula da Silva para tentar evitar politização das tropas em meio a desconfianças após suspeitas de participação de integrantes das Forças em uma tentativa de golpe para manter Jair Bolsonaro no poder.

Atualmente, as Forças têm autonomia para elaborar e divulgar suas campanhas, bastando apenas a aprovação do comandante. O vídeo da Marinha passou pelo crivo do chefe da Força, almirante Marcos Sampaio Olsen.

A repercussão do vídeo também foi vista como uma quebra do acordo que Lula havia firmado com os comandantes do Exército, da Aeronáutica e da Marinha para aliviar a fase de transição na mudança de regras para transferência para a reserva.

O petista havia sinalizado aos comandantes das Forças Armadas que atenderia ao pedido de uma transição lenta para atingir idade mínima de 55 anos para aposentadoria. Hoje, não há restrição de idade para deixar a ativa, somente tempo de serviço, de 35 anos.

A proposta dos militares, levada ao presidente em um encontro da cúpula militar no Palácio da Alvorada, previa que a regra dos 55 anos só seria adotada completamente após 2043. A conversa ocorreu no dia 30 de novembro, um sábado.

O texto da proposta chegou a ser assinado pelo ministro da Defesa, José Múcio Monteiro, durante o encontro com Lula. Segundo relatos, o clima foi ameno e descontraído. Lula tomou conhecimento da proposta, pegou o texto e prometeu: “Será essa”, contou um interlocutor.

Entretanto, no mesmo dia à noite, o vídeo elaborado pela Marinha, em comemoração ao Dia do Marinheiro, passou a circular pelas redes sociais. No filme, são intercaladas imagens de integrantes das Forças Armadas em treinamentos e civis em momento de lazer. No final, a gravação é encerrada com uma militar questionando: “Privilégios? Vem para a Marinha”. O vídeo foi removido dos perfis oficiais da Marinha do Brasil. A publicação na rede X aparece como não existente, e não é mais visto também no Youtube.

A gravação gerou uma irritação generalizada no governo. Auxiliares de Lula afirmam que foi unânime a avaliação de que a divulgação do vídeo, com esse tom, foi um erro. Contrariado, Lula ligou para Múcio e perguntou se ele tinha conhecimento do vídeo, o que ele negou. A gravação foi divulgada sem passar por ele. A interlocutores, Mucio afirma que não teria avalizado a divulgação da peça.

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, também telefonou para Múcio, muito irritado. Conclusão, não houve mais conversa e acabou prevalecendo o projeto da Fazenda, que prevê uma fase de transição menor.

A proposta enviada ao Congresso, nessa terça-feira, prevê uma transição mais curta, até o fim de 2031, afetando todos os militares que já ingressaram a carreira. A partir de 2032, vale a regra definitiva: 55 anos de idade.

O impacto das mudanças para os militares, no total, é de R$ 2 bilhões por ano, somando a redução de despesas com aumento da receita, segundo o Ministério da Fazenda. O projeto, contudo, só deverá ser votado em 2025.

O GLOBO – Edição: Montedo.com