Os sete motivos da condenação da mulher que enganou o Exército por 33 anos e terá de devolver R$ 3,7 milhões de pensão

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Ana Lucia Umbelina Galache de Souza aceitou participar de plano proposto pela avó, responsável por fraudar os documentos que garantiram pensão especial à mulher por mais de três décadas.
Loraine França, g1 MS

O Superior Tribunal Militar (STM) elencou em documento ao qual o g1 teve acesso os 7 motivos que levaram a justiça a condenar Ana Lucia Umbelina Galache de Souza por estelionato.

A mulher é acusada de ter recebido R$3,7 milhões em pensão do Exército por 33 anos e terá de devolver o montante, além de cumprir pena de 3 anos e 3 meses em regime aberto.

O g1 entrou em contato com Ana Lucia Umbelina Galache de Souza mas não recebeu retorno até a última autalização desta reportagem.

Conforme o STM, o golpe teve início em 1988 quando Ana Lucia Umbelina Galache de Souza fraudou documentação e apresentou um segundo nome: Ana Lucia Zarate, para assim, obter o benefício em nome de Vicente Zarate, seu tio-avô, ex-combatente da Força Expedicionária Brasileira (FEB). Ele morreu em outubro de 1988, e a fraude na pensão teria ocorrido a partir de novembro de 1988 até 2022.

Ainda segundo a justiça militar, a avó paterna de Ana Lucia foi a responsável por fraudar a documentação quando a neta tinha 17 anos. O fato, inclusive, levou a Defensoria Pública da União (DPU), responsável pela defesa da mulher, a pedir absolvição alegando que a ré não tinha intenção de cometer o crime porque era menor de idade à época.

O STM negou, por unanimidade, recurso de apelação apresentado pela defesa e manteve a condenação. Como justificativa para a setença, o STM elencou sete motivos que levaram à essa condenação. Confira abaixo:

  1. Ana Lucia Galache só apresentou os documentos falsos ao Exército quando já era maior de idade, embora ela “soubesse que desde 1986 tinha sido incluída como dependente do ex-militar”.
  2. Ana Lucia não está respondendo ao processo por ter fraudado documentos ou por ter sido cadastrada como filha legítima de Vicente Zarate. Para o STM, a avó é a principal responsável pelas irregularidades e responderia pelos atos se não tivesse falecido em 2022.
  3. O motivo que levou à condenação é o fato de Ana Lucia ter aceito participar do “plano criminoso proposto pela avó para fraudar” o setor de pensão do Exército brasileiro.
  4. Ana Lucia, já com 19 anos quando começou a receber a pensão, teve “todas as condições de recusar a proposta criminosa da avó” e não comparecer no Exército para apresentar a documentação falsa e dar entrada na pensão.
  5. A mulher “gostou do arranjo fraudulento proposto pela sua avó”, aceitando a ideia criminosa e comparecendo no setor de pensão do Exército com os documentos falsos, se apresentando como filha do ex-combatente.
  6. Se Ana Lucia não tivesse comparecido ao setor de pensão do Exército e nem apresentado documentos falsos, “não teria sido atribuído a ela qualquer prática criminosa”.
  7. Ao concordar com a ideia criminosa da avó, se apresentar ao Exército com documentos falsos, assinar o requerimento da pensão usando nome falso [Ana Lucia Zarate], a mulher “preencheu todos os elementos” que levam ao estelionato.

Cronologia do caso
Abaixo, confira a cronologia dos principais momentos que marcaram o golpe, que durou mais de 33 anos, conforme a ação penal militar:

➡️ Setembro de 1986: Conforme a ação penal, a fraude começou quando Ana Lucia tinha 17 anos de idade e foi registrada em um cartório de Campo Grande, no dia 25 de setembro de 1986, como filha de Vicente Zarate e Natila Ruiz, tendo supostamente nascido em 6 de junho de 1970.

Vicente era ex-combatente da Segunda Guerra Mundial. Com a nova documentação, ela obteve também outra Carteira de Identidade, e outro Cadastro de Pessoa Física (CPF), nestes constando o sobrenome Zarate. A nova certidão teve como testemunha Conceição Galache de Oliveira, que é avó paterna da jovem e irmã de Vicente.

Contudo, de acordo com a documentação a que o g1 teve acesso, Ana Lucia Umbelina Galache de Souza nasceu em Três Lagoas (MS), em 7 de junho de 1969 e foi registrada como filha de Silvestre Galache e Neuza Umbelina Galache.

➡️Outubro de 1988: Vicente Zarate morreu no dia 17 de outubro de 1988 e a avó de Ana Lucia, na condição de procuradora e irmão de Vicente, compareceu à Seção do Serviço de Inativos e Pensionistas (SSIP 9) para declarar Ana Lucia Zarate como beneficiária da pensão especial do militar.

➡️ Janeiro de 1989: Segundo a Justiça, no dia 5 de janeiro de 1989, Ana Lucia compareceu pessoalmente para pleitear, com o nome Ana Lucia Zarate, sua habilitação à pensão especial, na condição de filha de Vicente. O pedido foi deferido e a mulher passou a receber pensão integral como filha de Segundo Sargento, em 27 de janeiro de 1989

➡️ Dezembro de 2021: De acordo com a ação penal, a avó de Ana Lucia, Conceição Galache, procurou a Polícia Civil e a Administração Militar para informar que a mulher não era filha de Vicente Zarate.

Conceição denunciou que a neta utilizava o nome de Ana Lucia Zarate apenas nas tratativas com a Administração Militar, mantendo o nome Ana Lucia Umbelina Galache para todos os demais atos da vida civil, inclusive para seu casamento, celebrado em 2 de março de 1990.

➡️ 2022: Após meses de investigação, por meio de uma sindicância, foi comprovado que Ana Lucia não era filha de Vicente, sendo na verdade sobrinha-neta do militar. Ainda conforme a ação judicial, no mesmo ano o pagamento foi suspenso e a mulher foi intimada para prestar esclarecimentos.

Durante interrogatório, a ré confirmou a história e disse que dividia a pensão oriunda da fraude com sua avó, que teria ajudado na obtenção dos documentos fraudulentos. Ela admitiu ainda que o caso só veio à tona após Conceição exigir que lhe fossem repassados R$ 8 mil, sob pena de denunciá-la.

Ana Lucia contou também que não vivia com seu tio-avô, Vicente Zarate, e não o tratava como pai. Ela relatou que se apresentava com o sobrenome Zarate apenas para fins de recebimento da pensão do Exército – ou seja, passando a utilizar dois nomes: o verdadeiro (Ana Lúcia Umbelina Galache de Souza), e o falso, (Ana Lucia Zarate), para manter a fraude, ao longo de 33 anos (de 1988 a 2022).

A avó, que é apontada como cúmplice do caso, faleceu em maio de 2022 e não chegou a ser ouvida nas investigações.

➡️ Fevereiro de 2023: Ana Lucia foi condenada pela Justiça Militar em Mato Grosso do Sul a devolver o valor de R$ 3.723.344,07, pelo prejuízo causado ao Exército. A pena também prevê três meses de prisão. A mulher recorreu da decisão em liberdade.

➡️ Novembro de 2024: O Superior Tribunal Militar (STM) negou o recurso apresentado por Ana Lucia. A Defensoria Pública da União (DPU), responsável pela defesa da mulher, justifica o crime pela “ausência de intenção”, visto que o registro como filha do militar foi feito quando ela era menor de idade. Na época, a ré tinha 17 anos.

g1 – Edição: Montedo.com

6 respostas

  1. Enquanto os militares trabalham honestamente após estudarem muito, passarem em concurso, ter uma rotina diária estressante, vem essa aí e recebe todos os meses sem esforço!!!
    Isso é uma vergonha.

  2. Ok, digamos que ela, condenada a devolver a grana em última instância e tal, não tenha como ressarcir os tais valores recebidos indevidamente, que convenhamos, é um montante relativamente alto para um cidadão comum ter em poupança. Como fica o prejuízo causado ao Estado ? transforma em pena de privação de liberdade ? estou questionando os juristas de plantão daqui do blog

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