“Defesas começam a ceder” em Vuhledar e uma unidade de elite ucraniana arrisca ficar cercada
João Guerreiro Rodrigues
A par de Bakhmut e Avdiivka, Vuhledar é uma das principais fortalezas ucranianas na região de Donbass, palco de alguns dos maiores “desastres” militares do exército russo. Ocupa o ponto mais alto da região, o que confere uma vantagem militar a quem está em sua posse. A manutenção desta cidade é importante para a Ucrânia porque fica a escassos quilómetros da autoestrada T509, que está na posse da Rússia
As forças russas lançaram um novo e reforçado ataque contra a cidade de Vuhledar, na região de Donetsk, que resiste há mais de dois anos aos ataques russos. Mas este assalto parece diferente. Nos últimos dias, a Rússia conseguiu romper os flancos da pequena localidade que foi palco de algumas das maiores derrotas do exército russo durante toda esta guerra. Exaustos e sem capacidades de defesa aérea, os homens que defendem Vuhledar arriscam ficar cercados.
“Nos últimos dias, as defesas ucranianas a norte de Vuhledar começaram a ceder, o que deu à Rússia um novo eixo de ataque. Ainda não é claro que esteja cercada, mas as pinças estão a apertar. A Ucrânia vai ter de pensar muito seriamente se vale a pena lutar por este território”, explica à CNN Portugal o major-general Arnaut Moreira.
Na internet, as imagens que chegam de Vuhledar são parecidas a tantas outras que têm sido partilhadas desde o dia 24 de fevereiro de 2022, quando a Rússia invadiu a Ucrânia. Bombardeamentos sem pausas reduziram a cidade a um amontoado de escombros onde apenas é possível reconhecer que ali, nas vastas planícies do Donbass, existiram prédios. Imagens de drones mostram a intensidade destes bombardeamentos, que os bloggers militares ucranianos descrevem como “uma campanha de terra queimada”.
A par de Bakhmut e Avdiivka, Vuhledar é uma das principais fortalezas ucranianas na região de Donbass, que ganhou notoriedade durante os primeiros meses de 2023, quando a Rússia lançou um intenso assalto contra a cidade. Mas a sua importância não é apenas simbólica. Vuhledar ocupa o ponto mais alto da região, o que confere uma vantagem militar a quem está em sua posse. Além disso, ao contrário da maior parte das vilas e aldeias desta região, quase todas compostas por pequenas habitações, Vuhledar tem um grande número de edifícios residenciais de vários andares, que servem como pequenas fortalezas que facilitam a observação das movimentações inimigas e fornecem abrigo aos defensores.
Quando os militares da 72.ª Brigada Mecanizada ucraniana foram destacados para a defesa desta cidade, logo após a aldeia vizinha da Pavlivka, fortificaram estes edifícios e minaram todo o território à frente de Vuhledar. A manutenção desta cidade é importante para a Ucrânia porque fica a escassos quilómetros da autoestrada T509, que está na posse da Rússia, e permite o avanço até Nova Velysylika. Vuhledar permite atacar com artilharia qualquer movimentação russa nesta estrada.
Durante mais de dois anos, esta cidade, que antes de começar a invasão russa tinha mais de 14 mil habitantes, resistiu aos vários assaltos russos, sendo palco de alguns dos maiores “desastres” militares do exército russo no conflito. Em janeiro e fevereiro de 2023, dois mil homens da 72.ª Brigada Mecanizada do exército ucraniano impuseram perdas significativas a duas unidades de fuzileiros russos com o dobro do tamanho da unidade ucraniana. Milhares de soldados russos morreram e centenas de blindados foram destruídos por uma mortífera combinação de minas, drones e ataques precisos de artilharia.
Mas 15 meses depois, a situação ucraniana é mais precária. A Rússia mudou de estratégia e focou-se nos flancos de Vuhledar, conquistando a vila de Vodiane e a mina de carvão de Pivdenno-Donbaska, que servia de defesa de um dos flancos da cidade. Esta estrutura industrial a 2,5 quilómetros de Vuhledar era fundamental do ponto de vista logístico para as tropas ucranianas na região, que utilizavam as suas estruturas subterrâneas como centros de comando, hospitais e armazenamento de munições e bens de primeira necessidade. Imagens partilhadas nas redes sociais mostram as forças russas a destruir o edifício principal deste complexo, com mais de 115 metros de altura.
“Porque é que Vuhledar está a passar dificuldades? Não tinha edificado suficiente e, ao fim de meses de constantes bombardeamentos, já não tem a importância defensiva que tinha. À medida que foi perdendo os seus edifícios, o seu valor defensivo foi diminuindo. Esta pequena cidade, a 80 quilómetros a sul de Pokrovsk, abre caminho para a Rússia conquistar parte do Donbass”, explica o especialista em Geoestratégica.
A partir daqui as forças russas esperam lançar um ataque para cortar a última estrada que dá acesso à retaguarda do exército ucraniano em Vuhledar e permite o seu abastecimento. Para piorar a situação ucraniana, a época das chuvas aproxima-se e este trajeto é de terra batida, tornando o percurso bem mais traiçoeiro. O combinar destes fatores pode mesmo levar a que a 72.ª Brigada Mecanizada acabe por ficar cercada “num caldeirão”, caso não seja dada ordem de retirada ou receba os reforços necessários para contra-atacar.
Ao contrário de outras unidades do exército ucraniano, desgastadas por meses de guerra ou incapazes de equipar novas unidades, a 72.ª é uma das brigadas mais bem equipadas. Estes militares têm carros de combate T-64, veículos de combate de infantaria BMP-2 e várias peças de artilharia M-109. Mas debaixo de fogo cerrado durante mais de 20 meses, os militares da 72.ª Brigada Mecanizada ucraniana estão completamente “exaustos”, de acordo com o seu vice-comandante. Em declarações ao Financial Times, o militar lamentou a completa falta de rotação a que a sua unidade está sujeita, mesmo ocupando um dos pontos “mais quentes” da frente de batalha.
“Não tivemos qualquer rotação desde que começou a invasão em 2022. Precisamos de descanso”, admitiu o militar, que explicou que a rotação de unidades deve acontecer a cada dois meses.
Mas o principal aspeto que contribui para os avanços russos, destacou o comandante, é mesmo a falta de defesa antiaérea. Depois de quase três anos de combates, a Ucrânia esgotou todas as suas reservas e o apoio enviado pelos parceiros ocidentais não chega para defender o país contra todas as ameaças. O resultado é a demolição completa de posições defensivas por parte da força aérea russa, com os aviões de combate a largar uma devastadora vaga de bombas planadoras KAB-1500.
Só que para conquistar este território, bombardeamentos não chegam. É preciso contar com os avanços da infantaria. As forças armadas russas mantêm esta responsabilidade à 40.ª Brigada Separada de Fuzileiros da Frota do Pacífico. Apesar do forte apoio aéreo, estes avanços não acontecem sem dificuldades para os russos. Imagens partilhadas de vários ataques na localidade vizinha de Vodiana mostram bem os sacrifícios que a liderança militar russa está disposta a cometer.
As forças armadas russas mudaram de estratégia durante o verão e agora passaram a atacar em pequenos grupos de soldados, o que permite maior agilidade. Os militares russos estão a utilizar motas para avançar o mais rápido possível no terreno, abandonando os veículos quando chegam perto da posição ucraniana que querem conquistar. Apesar de estar a apresentar resultados, esta tática faz com que os soldados russos fiquem vulneráveis aos ataques de drones e aos tiros de morteiro corrigido com auxílio de drones de vigilância.
“A Rússia tem vindo a utilizar com muito sucesso a tática de fazer entrar grandes grupos nas cidades, em vez de grandes números de blindados. Apostam em destacamentos muito ligeiros, alguns com motociclos, mais dispersos. Fazem grandes vagas de ataques com poucos elementos. Agora, quando entrarem na cidade, vão ter de fazer um combate rua a rua, casa a casa. Mudou o tipo de combate em Vuhledar”, esclarece Arnaut Moreira.
Nas últimas semanas, as forças russas renovaram os seus ataques contra esta cidade com um novo vigor. A intensa campanha de bombardeamento faz antever o pior. Um ex-oficial ucraniano que trabalha como analista de Defesa da Frontelligence Insight alerta mesmo que a situação “pode tornar-se bastante dinâmica” nesta área da frente.
“É evidente que a situação em Vuhledar é crítica e que estamos provavelmente a assistir à fase final da sua defesa, que durou quase três anos. Só posso esperar que tenham sido dadas as ordens corretas, dando prioridade às vidas dos soldados em detrimento de qualquer desejo de manter o terreno”, argumentou o antigo militar ucraniano.
CNN PORTUGAL – Edição: Montedo.com