Quatro ministros já votaram pela legalidade das punições disciplinares
José Higídio
O ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, pediu vista, nesta quarta-feira (15/5), dos autos do julgamento de repercussão geral no qual o Plenário discute se detenções e prisões disciplinares de militares precisam ser instituídas por lei.
Com o pedido de vista, a análise do caso foi suspensa. A sessão virtual começou na última sexta-feira (10/5), com término previsto para a próxima sexta (17/5).
Antes da interrupção, quatro ministros haviam se manifestado. Todos eles consideraram que tais punições disciplinares podem ser instituídas em regulamentos das Forças Armadas, sem necessidade de especificação em lei.
Contexto
Os militares estão sujeitos a transgressões militares e crimes militares. Estes últimos, descritos no Código Penal Militar, consistem em violações de deveres próprios da carreira, relacionados ao serviço, à disciplina, à administração ou à economia militar.
Já as transgressões militares, listadas em regulamentos próprios de cada força, são punidas de forma disciplinar.
O Regulamento Disciplinar do Exército (RDE), instituído em 2002 por meio de decreto, define transgressão disciplinar como “toda ação praticada pelo militar contrária aos preceitos estatuídos no ordenamento jurídico pátrio ofensiva à ética, aos deveres e às obrigações militares, mesmo na sua manifestação elementar e simples, ou, ainda, que afete a honra pessoal, o pundonor militar e o decoro da classe”.
No caso do Exército, as penas são de advertência, impedimento disciplinar, repreensão, detenção disciplinar, prisão disciplinar, licenciamento e exclusão a bem da disciplina.
Quando um militar do Exército é punido com prisão disciplinar, fica obrigado a permanecer em um “local próprio e designado para tal fim”.
Já no caso de detenção disciplinar, o militar é obrigado a permanecer no alojamento da subunidade que pertence ou em outro local determinado pela autoridade que aplicou a punição. Nenhuma dessas duas punições pode ultrapassar 30 dias.
Caso concreto
Na origem, um militar do Exército estava prestes a ser preso por punições disciplinares. Ele contou que se sentia perseguido e estava em tratamento por problemas emocionais resultantes de assédio moral sofrido na sua unidade.
Em seu pedido de Habeas Corpus, o militar alegou que o RDE seria inconstitucional. Segundo ele, a Constituição exige que os crimes militares e as transgressões disciplinares sejam definidos em norma elaborada pelo Legislativo, e não pelo Executivo (como no caso do decreto de 2002).
O RDE foi editado com base no artigo 47 do Estatuto dos Militares (uma lei de 1980), que delega aos regulamentos disciplinares das Forças Armadas a especificação das transgressões disciplinares e da aplicação de suas penas.
O Tribunal Regional Federal da 4ª Região reconheceu que esse dispositivo não foi recepcionado pela Constituição de 1988. Para a Corte, restrições ao direito de locomoção só podem ser definidas por lei. Assim, as regras do RDE também não seriam válidas.
A União acionou o STF para questionar a decisão do TRF-4, com o argumento de que a regra do Estatuto dos Militares está em perfeita harmonia com a Constituição vigente.
Voto do relator
O ministro Dias Toffoli, relator do caso, considerou que o artigo 47 do Estatuto dos Militares foi recepcionado pela Constituição de 1988. Com isso, validou a detenção e a prisão disciplinares previstas no RDE.
No caso concreto, ele determinou o retorno dos autos à primeira instância para análise de outros argumentos do autor quanto ao mérito de sua situação disciplinar. O magistrado foi acompanhado por Alexandre de Moraes, Cristiano Zanin e Flávio Dino.
Toffoli explicou que os crimes militares são punidos por meio da Justiça Penal e têm uma finalidade social, enquanto as transgressões militares são aplicadas conforme o poder disciplinar da administração militar.
Segundo o relator, os crimes militares de fato precisam ser bem definidos e descritos em lei, pois isso é um princípio do Direito Penal.
Já quanto às infrações disciplinares, “a lei não precisa ser taxativa ao descrever as condutas proscritas, podendo deixar a cargo de atos infralegais a estipulação das minúcias segundo as peculiaridades dos serviços”. Para ele, essas minúcias, muitas vezes, “não poderiam sequer ser cogitadas” pelo Legislativo.
As punições disciplinares não precisam, por exemplo, ser vinculadas a penas específicas. A lei pode enumerar as penalidades possíveis, para que elas sejam aplicadas conforme as circunstâncias dos casos concretos, sem estabelecer uma pena correspondente a cada conduta.
“A administração militar, para o adequado funcionamento das organizações castrenses, precisa impor obrigações e deveres aos militares a ela vinculados sem a necessidade da pormenorizada estipulação deles em lei formal”, assinalou Toffoli.
O Estatuto dos Militares é anterior à Constituição de 1988, mas o magistrado apontou que a norma era compatível com a Constituição anterior.
Ele também não viu incompatibilidade com a Constituição atual, pois a norma “se limita a prescrever que a especificação das transgressões militares, sua classificação, a amplitude e a aplicação das respectivas penalidades ocorrerão por meio de regulamentos disciplinares”.
Toffoli ainda ressaltou que o § 1º do artigo 47 do Estatuto dos Militares estabelece o tempo máximo de 30 dias para a detenção ou prisão disciplinares, “não deixando qualquer espaço para delegação ou regulamentação por ato normativo de hierarquia inferior nesse ponto”.
Na visão do relator, o “exercício do poder regulamentar da administração” não só pode como deve acontecer por meio de decreto.
Por fim, o ministro concluiu que a possibilidade de detenção e prisão disciplinares prevista no RDE não extrapola “o legítimo poder regulamentar” do presidente da República, pois é feito pelo Executivo “por atribuição do poder normativo contida explicitamente na própria lei”.
Clique aqui para ler o voto de Toffoli
RE 603.116
Consultor Jurídico – Edição: Montedo.com
6 respostas
Toda punição a servidor, ainda mais quando prevê cerceamento de liberdade deve passar pelo Congresso, ou seja, por lei ordinária. Ao meu ver os RD Não foram recepcionado neste sentido, todavia o STF deve ter igual entendimento como o Código Tributário Nacional, por exemplo, e recepcioná-lo Como lei Ordinária.
Parabéns pela observação.
RDM da Marinha é de 1983, será que é constitucional?
A Lei 8.112/90 (Estatuto dos servidores públicos civis da União, das autarquias e das fundações públicas federais), uma lei, portanto, define as transgressões e as penas aplicáveis aos servidores públicos civis. E nem há pena de cerceamento de liberdade como acontece nos regulamentos disciplinares do Exército.
Eu duvido que se as penalidades aplicáveis aos servidores civis fossem editadas em Decreto se já não teriam sido consideradas inconstitucionais.
Mas em relação aos regulamentos militares querem rebolar e dar uma “relativizada” permitindo que um Decreto do Executivo – sem processo legislativo – possa impor pena de cerceamento de liberdade.
A considerar o baixo nível acadêmico da corte, onde poucos ministros detém notório saber e outros, à revelia da constituição foram alçados ao cargo pelo critério da afinidade política, não virá nenhuma decisão que mude o status quo.
Além de criado com violação ao processo legislativo, pois deveria surgir por iniciativa do congresso posto que prevê o cerceamento da liberdade por intermédio de julgamento sumário, se é que podemos considerar julgamento o ato de imposição de 30 dias de prisão após apenas 3 dias para apresentação de defesa, o RDE institucionaliza o duplo padrão na aplicação de punição disciplinar em desfavor dos praças.
Quando um oficial é punido, não sofre consequências na carreira além do cumprimento da pena, já o praça, este cumpre a pena e ainda tem rebaixado seu comportamento com reflexos nas promoções, cursos, nomeações, etc.
Pegue o exemplo de dois militares, um oficial e outro praça, após noite de bebedeira resolvem fazer tiro ao alvo em placa de trânsito, pena de 2 a 4 anos. Condenados a pena mínima, recebem o benefício do sursis. O oficial após dois anos tem a situação disciplinar zerada.
O sargento em decorrência da condenação tem o comportamento rebaixado para “mau” (letra b, Inciso V, do parág. 1º, Art. 51), após cumprir o sursis, dois anos, terá melhoria para o comportamento “insuficiente” depois de mais três anos, com mais três anos para o comportamento “bom” (letras c), do inciso I, e letra c) do inciso II, tudo do parág. 7º, do art. 51).
Nesse exemplo, se 3º sargento e dependendo do tempo para promoção à segundo-sargento ou estabilidade, o militar tem sua prorrogação de tempo de serviço indeferida, se praça de outra graduação tem sua carreira comprometida com mais rigor do que a do oficial que será promovido em ressarcimento de preterição.
O legislador exige dos praças conduta acima do mínimo esperado para os oficiais.
Só por esse fato o RDE deveria ser declarado inconstitucional, no entanto, aberração maior existe no instituto da prisão disciplinar que é desproporcional à gravidade da conduta.
Não há nenhuma transgressão disciplinar que mereça maior reprimenda, prisão, que um crime. Mas o instituto do RDE não foi criado para promover efeito educativo, em verdade é o chicote contemporâneo no lombo do praça.
Em tempo de faniquitos públicos do comandante da Marinha pela inscrição do João Cândido no Livro de Heróis da Pátria, é de duvidar que um julgamento de monumental importância quanto a hipóteses de inconstitucionalidade do RDE não tenha a atenção do alto-comando
Único problema que vejo é o poder de Comandante em punir, deveria ser um juiz ou uma junta de juízes, já que as punições podem ir de acordo com o humor do comandante.