Regime dos aiatolás investiu em programa de desenvolvimento de mísseis e drones nas últimas décadas e tem um programa nuclear que preocupa autoridades internacionais
Por O Globo, com agências internacionais
A Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) vem alertando sobre o risco de uma resposta que envolvesse o bombardeio de instalações do programa atômico iraniano desde o começo da semana, uma possibilidade que reverberou entre as autoridades da nação persa. O comandante encarregado da segurança nuclear, Ahmad Haghtalab, chegou a ameaçar com uma mudança de perfil na finalidade do programa, antes do ataque se confirmar. De acordo com a AIEA, a ação de sexta não resultou em danos aos centros nucleares.
“As ameaças do regime sionista contra as instalações nucleares do Irã possibilitam a revisão de nossa doutrina nuclear e o desvio de nossas considerações anteriores”, disse Haghtalab, em fala registrada pela agência de notícias iraniana Tasnim, no que foi interpretado como uma possível ameaça sobre o desenvolvimento de armas nucleares.
Até o momento, o ataque não provocou nenhuma reação militar iraniana ou motivou declarações inflamadas das principais autoridades do país, o que afasta, ao menos imediatamente, a ameaça do militar. Contudo, o programa iraniano já provocou preocupação de organizações internacionais, por se desenvolver longe das principais agências de fiscalização.
O Irã tem bomba atômica?
Oficialmente, o Irã não possui armas nucleares. De acordo com a Arms Control Association, entidade americana que desde 1971 monitora os arsenais nucleares pelo mundo, apenas nove países possuem bombas nucleares: Estados Unidos, Rússia, China, França, Reino Unido, Paquistão, índia, Israel e Coreia do Norte. No entanto, uma fonte de inteligência israelense ouvida em anonimato pelo GLOBO afirmou que o país já tem a plataforma para lançamento de bombas nucleares (mísseis) e que a quantidade de urânio enriquecido necessária para fabricar armas está perto de ser alcançada. Israel trabalha com uma estimativa de que a arma possa ser alcançada em dois anos.
Em um relatório confidencial recente, obtido por agências de notícias no fim de fevereiro, a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) revelou ter “preocupações” com o programa iraniano. Os dados do documento mostraram que Teerã aumentou a quantidade de urânio enriquecido nos últimos meses, superando os limites impostos pelo Plano de Ação Conjunta Global (JCPOA, em inglês), um acordo firmado em 2015 — um texto considerado quase morto desde que foi abandonado pelos EUA, durante a administração Trump, e para o qual os americanos nunca retornaram.
Dados do relatório, citados pela AFP, mostram que as reservas de material enriquecido eram, no dia 10 de fevereiro, de 5.525,5 kg (vinte e sete vezes acima do limite estabelecido pelo JCPOA). Em outubro, o Irã armazenava 4.486,8 kg de material radioativo, enriquecido em diferentes graus.
Segundo o Wall Street Journal, que também teve acesso ao relatório da AIEA, o Irã tinha 121,5kg de urânio enriquecido a 60%, sendo a única nação que não tem armas atômicas a enriquecer o material a esse grau. Apesar do enriquecimento não ser suficiente para fabricação de armas, especialistas apontam que o país tem a tecnologia para levar o material aos 90% necessários para uso militar. Pela definição da AIEA, são necessários 42kg de urânio enriquecido neste nível para fins bélicos.
Com um programa nuclear criado nos anos 1950, as atividades iranianas no setor começaram a ser observadas mais de perto no começo do século, após denúncias feitas por dissidentes sobre instalações secretas e planos para a construção de uma bomba. Oficialmente, as autoridades locais dizem que o programa tem fins pacíficos, e citam uma fatwa (decreto religioso) do aiatolá Ali Khamenei que veta sua militarização. A AIEA relata dificuldade para seus inspetores trabalharem no país e terem acesso a dados atualizados sobre o desenvolvimento do programa.
Programa de mísseis
Excluída a potencial ameaça nuclear, Teerã possui capacidades militares consideráveis na hipótese de uma guerra tradicional. Na indústria bélica nacional, o programa mais consolidado, e provavelmente o que possui as principais armas capazes de projetar o poder iraniano para fora de seu território, é o de mísseis — que recebeu 41% do orçamento militar do país no ano passado.
Fontes militares são unanimes em afirmar que o arsenal de mísseis iranianos evoluiu em qualidade e quantidade nos últimos 15 anos, ganhando alcance e sofisticação. Estimativas da inteligência dos EUA indicam que o regime dos aiatolás conta com mais de 3 mil mísseis balísticos, de tipos e com alcances variados, incluindo alguns capazes de alcançar Israel e até a Europa.
Entre as armas em operação com menor alcance estão os Fateh-110, criados para atender a ofensivas de curtas, com alvos a 200 Km ou 300 Km de distância. De acordo com a agência estatal de notícias Nour News, o armamento foi utilizado no ataque contra um suposto “centro de espionagem” de Israel no Iraque, em janeiro.
Contra os alvos no Iraque também foram disparados mísseis Fateh-313, segundo a imprensa iraniana, uma variação do projétil 110, de combustível sólido, com capacidade ampliada para acertar alvos a até 500 Km.
A divisão de mísseis das Forças Armadas do Irã também utilizaram recentemente o míssil Kheibar Shekan, com autonomia para atingir alvos a 1.500 Km, distância similar a do país islâmico até Tel Aviv. Há ainda opções com maior alcance entre os comprovadamente operacionais e incorporados às forças iranianas, como o Sejjil, de acordo com o ‘Missile Defense Project’, do Centro para Estudos Estratégicos e Internacionais. O projétil tem capacidade de atingir um alvo a 2 mil Km de distância, o suficiente para ameaçar Israel, Arábia Saudita e mesmo o sul da Europa.
De acordo com o Iran Watch, um monitor americano das capacidades bélicas iranianas do Wisconsin Project on Nuclear Arms Control, o Irã impôs um teto máximo de alcance em 2 mil Km aos seus mísseis, para priorizar os desenvolvimentos de precisão e tecnologia embarcada em suas armas. A “autocensura”, que teria chegado a conhecimento público em 2015, não limitou, contudo, a criação de projetos e o teste (ou desenvolvimento) de armas com maior alcance maior, sem sua incorporação ao arsenal em uso.
É o caso do Soumar, um míssil de cruzeiro de lançamento do solo. O ‘Missile Defense Project’, do Centro para Estudos Estratégicos e Internacionais, afirma que a arma, revelada em 2015, está “presumivelmente” operacional. O projeto teria sido desenvolvido a partir do míssil russo Kh-55, com capacidade nuclear, e com alcance até 3 mil Km.
Drones kamikaze
Outra tecnologia que os iranianos adquiriram maestria em fabricar foram os Veículos Aéreos Não-Tripulados (UAVs, na sigla em inglês), popularmente conhecidos apenas como drones. Além de uma capacidade ofensiva importante, que preocupa rivais iranianos, os drones se tornaram também em um instrumento de diplomacia para Teerã, que tem exportado os equipamentos e autorizado a fabricação em vários lugares do mundo — os drones iranianos estão sendo usados em ao menos quatro continentes neste momento.
A origem da indústria de drones do Irã é uma história de inovar ou morrer. Os primeiros modelos foram importantes para ancorar o arsenal do país durante o impasse prolongado contra o Iraque, na década de 1980, enquanto os EUA e a Arábia Saudita enviavam armas e dinheiro para Saddam Hussein. Desde então, um ecossistema para o desenvolvimento das armas emergiu, composto por universidades, empresas privadas e centros de pesquisa militar.
Um dos principais modelos utilizado pelo Irã e seus parceiros no momento é o Shahed-136, de 200 kg, 3,5 metros de comprimento, asas triangulares com largura de 2,5 metros e com velocidade máxima de 185 km/h. Também fabricados na Rússia para o uso na guerra contra a Ucrânia, onde são batizados de Geran-2, eles são chamados de drone “kamikaze”, já que conseguem levar uma ogiva explosiva e se explodir contra um alvo.
Outro modelo usado recentemente pelo Irã foi o Shahed-101, um pequeno drone de ataque que não precisa de equipamento especial para lançamento, voa baixo para se evadir melhor do radar e pode viajar pelo menos 700 quilômetros. Fontes militares americanas acreditam que o modelo tenha sido utilizado durante o ataque a uma base militar do país na Jordânia, em janeiro.
O principal desafio estratégico criado pelos drones tem a ver com o custo. Enquanto eles são armas relativamente baratas de ser fabricadas — muitas usam componentes comprados de empresas varejistas, inclusive americanas —, os sistemas de defesa utilizados para detê-los é muito maior, gerando um custo elevado para o país que esteja na defensiva. Os danos provocados pelos ataques dos drones, como comprovou a guerra na Ucrânia, também são um desafio estratégico no front.
Não bastasse apenas fabricar os drones para fortalecer seu arsenal, o Irã tem ampliado uma rede de fabricantes e operadores de seus modelos, incentivando inclusive a customização de modelos. Documentos hackeados e recentemente vazados pela Rede Prana mostram que a Rússia está pagando ao Irã US$ 1,16 bilhão (R$ 5,95 bilhões) para fabricar 6 mil Shahed-136 até 2025.
Exército tradicional
As Forças Armadas do Sudão fabricaram um modelo próprio, o Zagel-3, a partir de um modelo de drone mais antigo do Irã, o Ababil, fabricado entre os anos 80 e 90. A Venezuela também vem fabricando drones iranianos desde 2007, e acredita-se que tenha recentemente se atualizado para incluir drones suicidas como os implantados na Ucrânia e no Mar Vermelho.
Sem contar com os mísseis e drones desenvolvidos nacionalmente, Teerã possui uma força militar considerável. De acordo com dados do Global Firepower, o país conta com cerca de 610 mil militares na ativa, 220 mil paramilitares que podem ser direcionados para missões, além de 350 mil reservistas. As Forças Armadas iranianas são consideradas, pelos critérios avaliados pelo ranking, as 14ª mais fortes do mundo (a frente de Israel, que ocupa a 17ª colocação).
O país também detém uma quantidade considerável de equipamentos estratégicos, como tanques de guerra, veículos blindados de combate e transporte e aeronaves, embora organizações que observam o desenvolvimento militar, como o Instituto Internacional de Estudos Estratégicos, apontem que essas peças estejam cada vez mais defasadas em comparação aos mais modernos utilizados hoje no mundo. (Renato Vasconcelos, com AFP, Bloomberg e NYT)