Serviço militar obrigatório: até quando?

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Considerando que a última participação do Brasil em guerras remete à Segunda Guerra Mundial e que as nações ocidentais mais proeminentes já aboliram o serviço militar obrigatório, o que pretende, ainda, o Brasil, oferecendo a seus jovens adultos, numa fase de inserção social e de consolidação de valores humanitários, a empunhadura de um fuzil?

Márcio José Cordeiro Fahel*

Numa manhã de domingo de dezembro de 1969, no âmbito da Comissão Presidencial sobre Forças Armadas Totalmente Voluntárias, conhecida como Comissão Gates, constituída pelo então presidente Nixon, o general William Westmoreland, então chefe do Estado-Maior do Exército dos Estados Unidos, fora convidado para reunir-se com a mencionada comissão, embora a encarasse como um atentado ao Exército, oportunidade na qual dissera que não apreciava a perspectiva de comandar um exército de mercenários, na medida em que havia a proposta de extinguir o serviço militar obrigatório, tornando-o profissional e remunerado [1].

Milton Friedman, renomado economista norte-americano do século 20, membro da Comissão Gates, retrucou o general, indagando se ele preferia comandar um Exército de escravizados. Respondera Westmoreland, por sua vez, que não gostava de ouvir alistados patriotas serem chamados de escravizados.

Friedman novamente retrucou que também não gostava de ouvir voluntários patriotas serem chamados de mercenários, quando argumentou que, se assim fosse, ele, Friedman, seria um professor mercenário, que cortava cabelo com um barbeiro mercenário, atendido por um médico mercenário e que tratava de assuntos jurídicos com um advogado mercenário. Concluiu Friedman, ainda em sua resposta, que, naquela equivocada linha argumentativa, o general Westmoreland também seria um mercenário [2].

A Comissão Gates, dois meses depois votou à unanimidade pelo fim do alistamento obrigatório e, em 28 de setembro de 1971, Nixon promulgou a lei que findava o serviço militar obrigatório nos EUA [3]. Na Europa, com a queda do Muro de Berlim e o fim da Guerra Fria, o serviço militar obrigatório fora abolido na maioria de seus países e, dos 29 que são membros da Otan, somente 06 mantiveram a imposição, de modo que se pode afirmar que EUA, Reino Unido e mesmo o Canadá têm suas forças armadas exclusivamente profissionais há mais de 50 anos [4].

A Constituição Federal de 1988 ressaltara que o serviço militar é obrigatório nos termos da lei [5], e a Lei do Serviço Militar, de 1964, dispusera que todos os brasileiros são obrigados ao Serviço Militar [6], além de que tal obrigação, em tempo de paz, começa no 1º dia de janeiro do ano em que o cidadão completar 18 anos de idade, quando deverá apresentar-se para fins de seleção ao Serviço Militar inicial nas Forças Armadas e eventual posterior convocação [7].

Certo que as mulheres e os eclesiásticos estão isentos em tempo de paz e que cabe às Forças Armadas, na forma da lei, atribuir serviço alternativo aos que, também, em tempo de paz, após alistados, alegarem imperativo de consciência [8], bem como, haver diversas hipóteses de dispensa de incorporação [9]. No entanto, aos refratários e insubmissos são previstas especiais sanções [10], sem prejuízo de que nenhum brasileiro entre 19 e 45 anos poderá, sem fazer prova de que está em dia com as suas obrigações militares, obter passaporte, carteira profissional ou mesmo assumir cargo público, dentre outras hipóteses [11].

Quanto ao serviço alternativo, a lei dispusera que será prestado, a rigor, em organizações militares, e que a recusa ou cumprimento incompleto, sob qualquer pretexto, por motivo de responsabilidade pessoal do convocado, implicará o não-fornecimento do certificado correspondente [12], de maneira que, em última instância, pode-se afirmar, sem hesitação, que a lei mantém o serviço militar obrigatório, mesmo em tempo de paz.

Considerando que a última participação do Brasil em guerras remete à Segunda Guerra Mundial [13], finalizada no ano de 1945, bem como, que as nações ocidentais mais proeminentes já aboliram o serviço militar obrigatório, o que pretende, ainda, o Brasil, oferecendo a seus jovens adultos, numa fase de inserção social e de consolidação de valores humanitários, a empunhadura de um fuzil?

[1] APPELBAUM, Binyamin. A Hora dos Economistas: Falsos Profetas, Livre Mercado e a Divisão da Sociedade. Tradução Tereza Dias Carneiro. 1. ed. Rio de Janeiro. Sextante, 2023. E-book.

[2] Idem.

[3] Bisidem.

[4] https://www.dw.com/pt-br/servi%C3%A7o-militar-obrigat%C3%B3rio-est%C3%A1-retornando-%C3%A0-europa/a-65885508 – acesso em 28/06/2023.

[5] Artigo 143. O serviço militar é obrigatório nos termos da lei.

[6] Artigo 2º da Lei Federal nº 4.375/1964.

[7] Artigo 13, parágrafo único, 16 e 17, da Lei Federal nº 4.375/1964.

[8] Artigo 143, §§1º e 2º.

[9] Artigo 30 da Lei Federal nº 4.375/1964.

[10] Artigos 24 a 26 da Lei Federal nº 4.375/1964.

[11] Artigo 74 da Lei Federal nº 4.375/1964.

[12] Artigo 3º e §§ da Lei Federal nº 8.239/1991.

[13] Aqui. Acesso em 28/06/2023.

* Promotor de Justiça na Bahia, ex-procurador-geral de Justiça do Ministério Público da Bahia (MPBA) e mestre em Direito Público pela Universidade Federal da Bahia (UFBA).

ConJur

7 respostas

  1. Esse sujeito que fez a matéria no mínimo queria ter servido às FA e não o pode por algum motivo. O papel social do Exército na minha região, vou enumerar alguns: formar cidadãos de bem; renda, por mais mínima que chegue a muitos jovens vindos de famílias carentes; oportunidade de estudar, talvez, seguir carreira mas uma oportunidade de desenvolvimento como ser humano; afastamento do pessoal que incorpora do caminho das drogas, etc ….

  2. Respeito seu comentario e ja servi em região assim. Mas um exercito tem vocacao para a guerra e nao para socialização de jovens. Sem contar outras regiões onde servir e um castigo tremendo. E mais sem contar a palhacada chamada TG, onde o cidadao nao tem nenhum direito, nem a alimentação.

  3. As nações mais proeminentes já aboliram o serviço militar obrigatório e também a fome, os altos salários do judiciário, etc. Acho a ideia do Sr Dr Promotor espetacular. o problema é que com os péssimos salários pagos aos jovens militares, se não for obrigatório quem é que vai querer ser soldado? Resposta ninguém. E sabe qual a consequência? Vão ter que abaixar os altos salários pagos à quem tem “Grandes ideias”para sobrar algum e permitir pagar soldados que talvez, recebendo melhor, sejam voluntários ou contratar uma empresa, quem sabe por licitação , que faca esse serviço. ou seja, no Brasil, nada vai mudar. É bonito de se falar em abolir esse absurdo, da até voto, mas o serviço obrigatório nunca vai acabar, nem os altos salários e a desigualdade social que aqui reina.

  4. O serviço militar obrigatório pode ser considerado como mão de obra barata, para trabalhar em obras do governo e em outras infinitas situações, muitas delas não tem nada a ver com o militarismo.

    As força armadas não podem ser utilizadas politicamente para inclusão social ou ser programa do governo para o primeiro emprego.

    Súmula Vinculante 6

    Não viola a Constituição o estabelecimento de remuneração inferior ao salário mínimo para as praças prestadoras de serviço militar inicial.

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    Súmula Vinculante 6
    Não viola a Constituição o estabelecimento de remuneração inferior ao salário mínimo para as praças prestadoras de serviço militar inicial.
    Precedente Representativo
    I — A CF/1988 não estendeu aos militares a garantia de remuneração não inferior ao salário mínimo, como o fez para outras categorias de trabalhadores. II — O regime a que se submetem os militares não se confunde com aquele aplicável aos servidores civis, visto que têm direitos, garantias, prerrogativas e impedimentos próprios. III — Os cidadãos que prestam serviço militar obrigatório exercem um múnus público relacionado com a defesa da soberania da pátria. IV — A obrigação do Estado quanto aos conscritos limita-se a fornecer-lhes as condições materiais para a adequada prestação do serviço militar obrigatório nas Forças Armadas.
    [RE 570.177, rel. min. Ricardo Lewandowski, P, j. 30-4-2008, DJE 117 de 27-6-2008, Tema 15.]

  5. Nixon aboliu o serviço militar obrigatório no bojo da impopularidade da Guerra do Vietnã e com vistas a reeleição. Seria estranho usar o princípio do não envolvimento em guerras para manter Forças Armadas caras com efetivo profissional e com redução de reserva mobilizável. A OTAN tem grande parte dos efetivos profissionais não em razão de estarem afastados de conflito, a aliança foi formada justamente devido a expectativa de conflito amplo e com conflitos pontuais e só na Guerra do Afeganistão atuou durante 20 anos.

  6. Em Relação aos Comentários acima, sim o EB tem um papel social significativo e importante principalmente nas Regiões mais carentes e Distantes. Mas considero que o sistema hoje de Serviço militar Obrigatório é ultrapassado e tem que ser adaptado a realidade dos dias de hoje. Mas Pior que o Serviço militar Obrigatório, e a Existência do CPOR/NPOR e outros Temporários de Carreira administrativa Totalmente deslocado da atual realidade. Seria muito mais Interessante, que essas vagas fossem abertas aos sargentos de carreira que Através de vagas limitadas fizessem uma prova e mediante Aprovação Ocuparia Essas vagas, com maior conhecimento e Motivação. Até porque se acabarem com o Serviço militar Obrigatório quem vai pintar meio fio?!

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