Guerra na Ucrânia: Qual a chance de insurgência popular ucraniana contra o exército russo?

ALEJANDRO MARTINEZ/ANADOLU AGENCY VIA GETTY IMAGES
Legenda da foto,
Cenas como esta mostram que a guerra dos ucranianos contra o invasor russo já tem um caráter insurrecional

Luiz Antônio Araujo
De Porto Alegre para a BBC News Brasil

O presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, conclama compatriotas a resistir à invasão russa até o autossacrifício. O ex-presidente Petro Poroshenko empunha, em entrevista de TV, um fuzil AK-47. Uma fábrica de cerveja anuncia que migrou da produção de bebidas para a de coquetéis molotov. Um morador de Lviv mostra uma submetralhadora e diz que é adequada para o combate casa a casa. O autoproclamado porta-voz de um certo Movimento de Resistência Ucrânia Livre diz contar com cerca de mil guerrilheiros camuflados “atrás das linhas inimigas” – em Mariupol, Sumy, Kharkiv e Irpin.
Essas e outras cenas, exibidas ou descritas pela imprensa nos últimos 18 dias, sugerem que a guerra dos ucranianos contra o invasor russo já tem um caráter insurrecional, irregular ou de guerrilha.
Nesse terreno, a Ucrânia tem uma longa história que remonta à Idade Média. Resta saber se a tradição tem chances de reviver no século 21.
Com um território composto de partes de grandes impérios do passado, a Ucrânia cultua hoje tanto heróis e mártires derrotados – quando ucranianos tentaram obter independência e foram massacrados – quanto chefes vitoriosos da resistência a Napoleão e da Segunda Guerra Mundial.
Nas galerias de honra de museus e memoriais, soldados profissionais figuram lado a lado com guerrilheiros – homens e mulheres – que nunca pisaram em academias militares.
Esse passado é visto por alguns como um indício de que a invasão determinada pelo presidente russo, Vladimir Putin, terá o mesmo destino de campanhas como as ocupações soviética e norte-americana no Afeganistão e norte-americana no Iraque: exuberantes operações militares incapazes de vencer inimigos fracos, mas flexíveis e com moral elevada.
Um dia depois de os tanques russos cruzarem a fronteira, o especialista em inteligência Douglas London escreveu na revista Foreign Affairs que a estratégia ucraniana “não depende de repelir uma invasão russa, mas sim em fazer Moscou sangrar a ponto de tornar a ocupação insustentável”.
A doutora em Estudos Estratégicos Internacionais pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Tamiris Pereira dos Santos diz que a estratégia de sangria (bloodletting, em inglês) foi adotada de forma consciente pela Ucrânia, mas deve ser vista com cautela.
“A questão é: se formos pensar em sangria nesse caso, o quanto a Ucrânia é capaz de impingi-la à Rússia? São capacidades bastante assimétricas postas em jogo para que essa premissa seja, de fato, válida”, afirma.
“Naquele caso, os norte-americanos não conseguiram efetivamente uma vitória em razão da capacidade insurgente da região, que se infiltrou entre a população iraquiana e causou bastante desgaste aos Estados Unidos”, argumenta.
A pesquisadora da Rede de Ciência, Tecnologia e Inovação e Defesa do Ministério da Defesa e da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal Técnico de Ensino Superior (Capes) Ana Carolina de Oliveira Assis afirma que o emprego de táticas insurgentes pela Ucrânia foi perceptível desde o primeiro momento.
“Com o passar do tempo e o avanço russo, somados à falta de apoio de tropas ocidentais, é de se esperar que a Ucrânia utilize todos os meios possíveis para resistir e adote cada vez mais táticas insurgentes”, afirma a especialista e doutoranda em Ciência Política pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).
Nas ciências militares, o emprego de engajamento de civis, franco-atiradores, emboscadas e sabotagem é chamado de guerra irregular – em oposição à guerra regular, na qual são utilizados pessoal, equipamentos e formas de atuação profissionais.
A guerra irregular pode ser o único meio disponível num conflito de independência ou libertação nacional, quando populações numerosas e sem forças armadas precisam enfrentar um ocupante poderoso.
Pode, também, ser utilizada de forma acessória ou complementar por um exército regular – a fim de executar ações de retaguarda, surpreendendo o inimigo, ou em áreas inóspitas ou densamente povoadas que dificultem o uso de blindados ou de aviação.
Esse último caso é o da Ucrânia, que conta com forças armadas expressivas, mas com poder de fogo 10 vezes inferior ao da Rússia.
“Uma das principais características da guerra irregular é a importância da opinião pública. Uma vez que o país dito mais fraco não teria como vencer o poderio militar do inimigo, a opinião popular torna-se o principal alvo”, afirma Maria Eduarda Dourado, mestre em Relações Internacionais pela Universidade Estadual da Paraíba.
O objetivo da guerra irregular, segundo a pesquisadora, é minar a aspiração do país inimigo à legitimidade de suas ações.
“Ao dizer que há civis ucranianos dispostos a perder a vida utilizando apenas coquetéis molotov em combate direto com soldados e tanques russos, Zelensky reforça a narrativa ucraniana e constrói uma imagem negativa da Rússia e de seu líder, Vladimir Putin”, complementa Maria Eduarda.
Os números avassaladores da invasão russa – o governo dos Estados Unidos estimava que a Rússia tinha posicionado 150 mil a 190 mil soldados na fronteira antes de 24 de fevereiro, quando se iniciou o ataque – sugerem que Moscou acreditava que alcançaria seus objetivos de forma fulminante, anulando a capacidade de reação do inimigo.
“Guerra é algo politicamente impopular. Putin estava mirando uma conquista veloz dos principais pontos estratégicos do território ucraniano”, afirma Maria Eduarda.
A realidade, porém, assumiu contornos muito distintos.
“Ao contrário do que era esperado, Putin viu uma parte da Ucrânia resistir fortemente, em especial a parte ocidental, onde há maior identificação com os países e a cultura ocidental”, analisa.
O planejamento de uma campanha como a da Rússia na Ucrânia inclui cenários variados, e é provável que as forças armadas russas tenham considerado a perspectiva de enfrentar resistência popular.
Não há, porém, garantia de que essa presciência seja o caminho para o sucesso.
“Considerar a possibilidade de insurgência não elimina as dificuldades que a Rússia pode encontrar ao utilizar táticas e equipamentos de contra-insurgência. Além das questões logísticas, o problema de diferenciar civis e militares, outro obstáculo seria o apoio ocidental à resistência ucraniana”, considera Ana Carolina.
Esse apoio, explica a pesquisadora, seria uma fonte importante de recursos e armamentos e levaria a um prolongamento da resistência e um enfraquecimento militar e político russo com o passar do tempo.
No domingo (13/3), mísseis russos atingiram uma base militar ucraniana em Starychi, distante 46 quilômetros de Lviv e a cerca de 25 quilômetros da fronteira com a Polônia, segundo a administração regional militar de Lviv.
É o ataque mais próximo do território de um país da Otan desde o início da campanha.
Essa vizinhança não é o único fator a servir de complicador na equação da guerra.
“Como o Ocidente não está intervindo diretamente com soldados e armamentos, apenas doando material bélico, dinheiro e outros recursos para a Ucrânia, aumenta a probabilidade de o conflito evoluir para uma guerra de insurgência, com os ucranianos utilizando todos os meios ao seu alcance para manter a atual posição”, afirma Ana Carolina.
Tamiris considera que escalar a guerra ou participar diretamente do conflito não seja uma estratégia do Ocidente, condição que aumenta as chances de a Ucrânia recorrer à insurgência.
“No caso de participação mais efetiva dos Estados Unidos e da Europa ocidental, existe a possibilidade de a China vir em socorro da Rússia. Um envolvimento ocidental direto poderia, de fato, causar a eclosão de uma guerra mundial – algo que, acredito, não se queira repetir tão cedo”, conclui.
BBC News Brasil/montedo.com

2 respostas

  1. Os russos precisam ocupar as matrizes energéticas da Ucrânia, principalmente a nuclear, controlar os portos e as fronteiras.

    Essa guerra não era para existir ou durar tanto tempo, com muitas mortes e destruições, tudo por causa de políticos incompetentes.

  2. Cuidado com o “mocinho”. É ele que está alimentando as News das mídias com informações do lado ocidental, e dando a sua versão.
    Ele não visa enfraquecer só a Rússia, mas, visa principalmente a China.
    Nessa história, todos irão pagar (menos o mocinho), e a Europa será a mais prejudicada. A Rússia fornece o básico para o europeu sobreviver, energia e alimentos e, na falta, todos irão se ferrar. Já o mocinho, do outro lado oceano, fica jogando gasolina na fogueira, faturando em venda de armas e querendo fornecer energia cara (gás líquido) para a Europa. Está inventando, agora, que a China, o seu vilão preferido, está do lado russo com fornecimento de armas. Quer dizer, só ele pode tacar gasolina na fogueira.
    Adivinhem quem treinou os neonazistas (os tais insurgentes ucraniando que mataram 14 mil pessoas em Donestk)?
    Enfim, para quem gosta de super-herois, vai um conselho, desconfiem do mocinho.

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