Imagens: Luiz Roberto Rodrigues/Blog dos Três Ogros |
A ORAÇÃO DO GUERREIRO DE SELVA *HUMBERTO Batista Leal
A primeira idéia que tive de escrever uma oração para os combatentes de selva nasceu durante o meu curso de guerra na selva em 1980, precisamente na área destinada ao descanso dos alunos na Base de Instrução II. Ali, eu falei para alguns companheiros de curso que desejava escrever um poema para ser recitado pelas tropas de selva. Eu juntava, em silêncio, as palavras mais simples que encontrava, para compor os versos que tivessem a simplicidade da floresta e dos homens que usavam o brevê da onça.
Havia instantes de incerteza e angústia naqueles dias difíceis, e imaginávamos o que seria a guerra naquele ambiente hostil. Nessas horas de se buscar forças para vencer fadigas diárias, desafios ameaçadores, não há como o homem evitar o mergulho dentro de si mesmo; e, ao fazê-lo, conduz naturalmente o pensamento a Deus – o mesmo Deus que não explica nossas guerras, mas nos fortalece diante das interrogações do destino, mesmo as mais enigmáticas e incompreensíveis indagações. Em junho daquele ano, pouco mais de vinte oficiais concluíam o curso.
Meses depois, já nomeado instrutor do Centro de Instrução de Guerra na Selva, retornei a Manaus, ficando hospedado, com minha esposa e filho, na casa do então 1° Tenente Benedito Rosa Filho. Na Rua Brasil, da Vila Militar de São Jorge, mesma Rua do Hotel de Trânsito dos Oficiais. Éramos comandados pelo Tenente Coronel Gélio Augusto Barbosa Fregapani, autor das Leis da Guerra na Selva e um entusiasmado Comandante. A Seção de Selva era dirigida pelo Capitão Barros Moura; a de Doutrina e Pesquisa, pelo Capitão Joel. A equipe se compunha de capitães e tenentes. Eu fiz dupla em Orientação na Selva com o meu estimado amigo Tenente Antônio Carlos Duarte Soares.
Em março de 1981, passamos muitos dias percorrendo as pistas de orientação, identificando e reparando placas. E falávamos da oração. Ao retornar a Manaus, numa daquelas noites de descanso na casa do Rosa Filho, conversávamos na varanda quando peguei uma caneta e escrevi os versos que levaria, no dia seguinte, à apreciação do nosso Comandante Fregapani. Ele gostou do que leu e ouviu.
Reuniu, naquela mesma semana, no anfiteatro da Base de Instrução V, os oficiais e sargentos, e falou da Oração do Guerreiro de Selva. Disse-me para recitá-la e aos demais para que repetissem o que eu dizia. Foi a primeira vez que a recitamos – ainda timidamente. A partir de então, passamos a declamar a Oração do Guerreiro de Selva antes e após o início das atividades nas bases de instrução. Mandamos pintar placas com o poema e as afixamos nas bases. Todos procuravam memorizar a Oração. Logo começamos a declamá-la nas formaturas e nas atividades de instrução. Isto só acontecia no Centro de Instrução de Guerra na Selva. Foi assim que tudo começou…
O poema é demasiadamente simples, como transcrevo em seguida:Senhor, tu que ordenaste ao guerreiro de selva:“Sobrepujai todos os vossos oponentes”,dai-nos hoje da floresta:a sobriedade para persistir,a paciência para emboscar,a perseverança para sobreviver,a astúcia para dissimulare a fé para resistir e vencer.E dai-nos também, Senhor,a esperança e a certeza do retorno,mas se defendendo esta brasileira Amazôniativermos de perecer, ó Deus,que o façamos com dignidadee mereçamos a vitória!Selva!
Talvez tenhamos herdado do latim o “tutear” (tratar por tu) Deus, que expressa familiaridade com o divino. Gramaticalmente eu deveria ter escrito “vós”, para concordar verbalmente com o “dai-nos” do terceiro verso. Mas resolvi escrever “tu”, porque assim também os habitantes do norte costumavam falar. Mesmo quando a televisão chegou a Manaus, em 1970, trazendo os modismos da fala do Rio de Janeiro, os amazônicos nunca foram de falar “você” ou “vós”. E era assim que, nas horas aflitivas na selva, eu rezava: chamando Deus com o pronome “tu”, segunda pessoa do singular, como quem chama um amigo que é o refúgio mais ansiado.
“Sobrepujai todos os vossos oponentes”É o que podemos esperar de Deus, a força espiritual para superar os que por contingência se tornam nossos adversários, sejam os inimigos, sejam os elementos hostis da floresta, sejam os nossos próprios medos. Tornamo-nos imbatíveis quando guiados por Deus: somos corajosos o suficiente para enfrentar todas as nossas guerras. E é isto que esperamos ouvir interiormente quando pedimos forças aos céus.
Dai-nos hoje da florestaa sobriedade para persistir,
a paciência para emboscar,
a perseverança para sobreviver,
a astúcia para dissimular
e a fé para resistir e vencer.
É na própria floresta que encontramos certas virtudes necessárias ao guerreiro: sem sobriedade, não há como resistir à exaustão e à confusão mental, não se pensa e não se age; sem a paciência, não há como ser parte da própria selva, ser parte dos seus silêncios e dos seus ardis, ser parte de suas vozes; sem perseverança, não há como resistir ao cansaço, ao medo, às doenças, à fome, ao desconforto, às incertezas; sem astúcia, não há como agir à semelhança da onça que se move silenciosamente antes do bote decisivo, sem nunca precisar o instante do ataque; e sem fé, fundamento de todas as coisas, não há como ser fortaleza inexpugnável, que a tudo resiste porque almeja a glória de vencer.
E dai-nos também, Senhor,a esperança e a certeza do retorno.
Mas se defendendo esta brasileira Amazônia,
tivermos de perecer, ó Deus,
que o façamos com dignidade
e mereçamos a vitória! Selva!
Os versos falam por si próprios: na guerra, diz-se que o homem precisa primeiramente almejar o seu retorno – esta é sua esperança, o seu anseio primeiro, fazer a guerra, voltar para casa –, mas só consegue alcançar a certeza do retorno, pouco a pouco, a cada dia e a cada mal, a cada patrulha e a cada batalha. Nem sempre, contudo, este retorno é garantido; ainda assim, para os que se amparam em Deus, há a resignação de enfrentar e aceitar seu destino e sua hora; e se houver que se defrontar com a morte, que esta seja digna e heróica, como convém aos que lutam, até com o sacrifício da própria vida por uma causa, sem nunca perder de vista a vitória.
Somos todos efêmeros, bem o sabemos como efêmeras são as palavras, como efêmeras são as guerras. Mas somos eternos quando, confrontados com a temporalidade, vencemos o esquecimento com nossos feitos, mesmo os mais simples e insignificantes feitos. Nossa causa é defender a Amazônia brasileira – em última instância, o Brasil, sua soberania. Coronel de Infantaria(Turma 1978/AMAN) *
Do blog Legião da Infantaria do Ceará
7 respostas
Infelizmente toda essa vibração, todo esse amor à farda, todo orgulho de ser milico estão morrendo, minguando. Ontem mesmo fui a um hospital militar e me deparei com um atendente, cabo da ativa, de serviço, trajando bermuda, camiseta regata e tênis. Eu respirei fundo e fingi que não estava vendo aquilo. Afinal, eu estava ali acompanhando minha mãe, uma senhora de 70 anos, e a última coisa que queria era vê-la nervosa por um desentendimento qualquer. As FFAA estão implodindo…
Pergunta ao comentarista acima:
Por que não foi ao Cmt da Unidade de Saúde e relatou o fato? O bom militar segue a hierarquia, tanto pra baixo , como pra cima, não é? ou você é daqueles subserviente com os mais antigos e durão com os menos graduados…falando em valores…tá de brincadeira.
Só sei uma coisa: ele estava inspiradíssimo quando fez essa oração.
Ao leão de alojamento de 13 de janeiro de 2015 18:19, se você leu meu comentário, lá está explicitado o porquê de eu não ter dado uma chamada no meliante. Talvez em função do ódio e ferocidade leoninos, lhe faltou cognição para entender minhas palavras. Passe bem.
Os aviadores da fab bradam:"A la chasse!"(francês) e os navais tem como lema "Ad Sumus"(Latim)…se os Venezuelanos copiaram é porque acharam bonito. Se o militar brasileiro(atrasado pela própria natureza) se preocupasse mais com a operacionalidade e menos com fardas, teatro e continências, o Brasil estaria mais seguro(interna e externamente).Pobre Brasil! tão longe da razão e tão perto da FLEXÃO!!! SELVA!CAVEIRA!COMANDOS!VELAME! enquanto gritava isso meu cheque voltou…
Resposta ao primeiro comentário. Companheiro o exemplo vem de cima. Quando os mais graduados permitem um condenado da justiça continuar portando uma das mais altas honrarias do EB que é a Medalha do Pacificador contrariando todos os regulamentos e leis inerentes a mesma, servindo de mau exemplo aos subordinados e ao povo Brasileiro, um Cabo com uniforme de educação física contrariando os regulamentos, não está se inspirando no exemplo dos chefes? Mas quero ver ter culhão para punir o Cabo e seus chefes por contrariarem o regulamento. Talvez o R quero puna o Cabo pelo traje que estava usando e conceda uma honraria a quem não cassou a referida medalha acima.
A coisa está tão ruim, mas tão ruim, que essa tal oração é um plágio(??), o grito de SELVA vai ficar só por lá para os bocós e se eu for para um hospital quero, até mesmo, ser atendido por um cabo véio de bermuda e camiseta que saiba e esteja com vontade de trabalhar do que ser atendido por um médico que só se acha oficial e só quer continência antes da consulta.Quem sabe se esse militar de bermuda não foi acionado ou chegou lá e viu que alguém faltou e ficou para ajudar? Se ele atendeu bem, ótimo, pois há o médico e oficial de dia para ver isso.