Baixos salários aumentam evasão das Forças Armadas. Militares apostam em Jobim a favor de PEC.
Da redação
Importantes projetos em curso nas Forças Armadas correm o risco de parar ou atrasar por falta de pessoal qualificado. Na Marinha do Brasil, engenheiros envolvidos na construção de novos estaleiros e do submarino com propulsão nuclear são captados tanto pela iniciativa privada quanto seduzidos pelos bons salários de outras carreiras de estado. Na Força Aérea, projetos como a plataforma orbital para a realização de experimentos em ambiente de microgravidade já perderam vários desenvolvedores militares. No Exército, projetos cruciais para o desenvolvimento da parte terrestre de combate estão perdendo mentes brilhantes.
A razão para este problema foi recentemente comentada pelo General do Exército Augusto Heleno, ex-comandante da Região Militar Amazônica: “A evasão é causada pela questão salarial”, sentencia. Para ele, os baixos salários desmotivam os oficiais a continuarem na farda, forçando-os a buscar carreiras melhor remuneradas. Mas a perda vai além do pessoal. Qualitativamente, os engenheiros militares possuem profundo conhecimento das questões estratégicas, o que somente é conseguido após anos de formação especializada e continuada. Perdido, esse patrimônio pode demorar anos para ser recuperado.
Não somente o pessoal de nível superior está desmotivado. As carreiras de nível médio, que englobam os sub-oficiais especialistas, também estão sofrendo com o fenômeno da evasão causada pelos baixos salários. Esses profissionais desempenham as mais diversas tarefas, que vão desde o controle de portos, aeroportos e tráfego aéreo, até a segurança pessoal do Presidente da República.
Documentos a que a reportagem teve acesso dão conta de que, somente até o fim de outubro deste ano, quase 350 capitães e tenentes pediram demissão das Forças Armadas para serem nomeados em cargo público. Por ano, são formados em torno de 500 oficiais. A cada ano o número de baixas aumenta. Com esse incremento, em pouco tempo o saldo de quem entra e quem sai das forças acabará sendo negativo. No nível médio o número de pedidos de saída é igualmente alarmante: em 2009, quase 800 sargentos deixaram a farda para ingressar no serviço público civil. A razão: o salário médio dos sub-oficiais não ultrapassa 2,5 mil reais mensais.
A constatação desse fato pode ser analisada como consequência de omissões que vão da própria Estratégia Nacional de Defesa, que em nenhuma de suas 59 páginas tem impressa sequer a intenção de valorização do militar em si, até a falta de uma política salarial honesta que busque recuperar a motivação desta classe. O ministro da Defesa, Nelson Jobim, iniciou em 2008 esforços para tentar recuperar o poder de compra dos militares, mas acabou por complicar ainda mais a situação, ao criar um sistema de parcelamento do reajuste em três anos que desagradou profundamente os integrantes das forças à época, fazendo com que a tentativa de recomposição salarial fracassasse em si mesma. Isso porque com a reposição mal planejada, ao final dos reajustes o funcionalismo militar continuará com os salários bem abaixo da média das outras carreiras de estado, razão da continuação da insatisfação dos integrantes das forças e dos problemas decorrentes dos pedidos de demissão. O que deveria ser uma solução tornou-se um problema ainda maior.
Emendas Constitucionais são esperança
Para tentar reverter a defasagem salarial existente entre militares e civis, existem propostas de emendas constitucionais (PEC) que buscam resolver esse impasse de uma vez por todas. Uma delas (PEC 249), defendidas pelos Deputados Federais Jair Bolsonaro (PP/RJ) e Laerte Bessa (PSC/DF), propõe que a remuneração dos generais comandantes tenha o valor correspondente a 90% do subsídio pago aos Ministros do STF, o que, pelo efeito da hierarquização dos salários, reajustaria automaticamente os soldos de todos os postos, fazendo com que a caserna deixe de depender de políticas salariais específicas, já que, dessa forma, seriam atrelados aos salários do Judiciário. Hoje, um general ganha entre 12,5 e 14,5 mil, mesmo valor pago, por exemplo, a um analista do Banco Central em início de carreira. Já um ministro do STF recebe mensalmente 24,5 mil, teto do funcionalismo público. Com a aprovação da PEC, os salários dos generais podem chegar a 22 mil.
Outra proposta (PEC 352), também de autoria de Bolsonaro, busca tomar como parâmetro mínimo o valor dos salários da Polícia Militar do Distrito Federal. De acordo com o deputado, atualmente há uma inversão hierárquica no que diz respeito a salários entre a PMDF e as Forças Armadas. Um Sargento da PM, por exemplo, percebe salário equivalente ao de um Capitão do Exército, o que tem causado constrangimentos indisfarçáveis na capital federal. Com a aprovação da PEC, essa discrepância seria desfeita. A proposta já tem apoio de alguns deputados no Congresso e está tramitando pelas diversas comissões antes de ir a votação.
Apoio de Nelson Jobim
O ministério da Defesa tem criado vários projetos importantes para a recuperação e reaparelhamento das Forças Armadas, e tem se preocupado também com o alto índice de demissões no Exército, Marinha e Aeronáutica. Fontes próximas a Jobim revelaram que o ministro está ciente das evasões e de suas consequências nefastas nos projetos de cada Força, mas não confirmam se o ministro já está em negociação com o Congresso no que tange às Propostas de Emendas Constitucionais dos salários dos militares. A cada ida de Jobim à Câmara e ao Senado aumenta-se a expectativa, mas sua atividade sobre esse assunto permanece como uma incógnita. Sabe-se que a influência do ministro tem bastante peso junto aos parlamentares, e seu pedido de apoio aos deputados e senadores seria o impulso que falta para que o imbróglio seja definitivamente resolvido, mas ninguém confirma ainda seu apoio às propostas. “A expectativa é de que o ministro esteja sensível a este grande problema da categoria e atue como um catalisador no processo”, comentou um oficial que não quis se identificar. Os militares não têm bancada no congresso e dependem de boa vontade política para terem seus anseios atendidos nas casas.
Outro ponto controverso que também está à espera do apoio de Jobim é a Medida Provisória 2215-10, batizada pelos próprios militares de “MP do Mal” e “Herança Maldita”. Esta MP teve sua origem no ano de 2000, com o intuito de atualizar a Lei de Remuneração dos Militares (LRM). Porém, ao invés de resolver os problemas dos militares, a PEC trouxe em seu texto vários artigos que retiraram benefícios e direitos adquiridos da categoria. Passados nove anos, a MP ainda tramita no Senado, fato que complica ainda mais os problemas de Jobim no que diz respeito aos salários dos militares. Sobre esse assunto, a informação que foi apurada pela reportagem é de que o ministro também tem ciência da importância da aprovação do projeto e está disposto a usar de seu prestígio para pressionar a votação, mas não há data prevista para acontecer. Fontes da Defesa comentaram que pontos críticos como a perda de benefícios como os anuênios, licenças e auxílio moradia podem ser retirados do texto da lei, o que garantiria o retorno desses benefícios à categoria, minorando as perdas acumuladas da categoria e abrindo espaço para a recuperação salarial da classe militar.
Propostas como as que estão tramitando no Congresso têm o condão de recuperar a autoestima dos militares, mas esbarram na necessidade de apoio político para acontecer. Com muito poucos representantes na Câmara dos Deputados, os militares dependem da força do ministro da Defesa para terem seus justos anseios atendidos. Jobim está se esforçando para reaparelhar as Forças Armadas, mas não deve se esquecer que a peça fundamental que move as máquinas é o homem sob a farda. Resta à caserna aguardar o bom senso do ministro.
Cidade News

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