HAITI: CORONEL FALA SOBRE SITUAÇÃO DA MINUSTAH

A [ONG] Viva Rio mantém contato direto com alguns haitianos criminosos, para tentar usar a influência que eles têm e transformá-los em líderes comunitários, fora do mundo do crime. O problema é que nem sempre o apelo funciona[…]uma vez em que um homem importante para o projeto foi preso e a ONG pagou a fiança.”

Ontem foi o último dia do Curso de Informação sobre Jornalismo em Situações de Conflito Armado e Outras Situações de Violência, em São Paulo, de que participei como observador. O curso, realizado pela Oboré, em parceria com a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (ABRAJI) e o Comitê Internacional da Cruz Vermelha, foi encerrado com o coronel Gerson Pinheiro, oficial de Comunicação Social do Exército brasileiro no Haiti. De forma muito clara e serena, ele fez uma espécie de briefing sobre o desenrolar da situação no país, onde participou por oito meses da MINUSTAH (Missão das Nações Unidas de Estabilização do Haiti), e, em meio a histórias dramáticas de violência e miséria, contou diversas curiosidades.
O Brasil é o país com o maior contingente das forças armadas (1282), e, por isso, detém o comando das operações militares. O “Force Commander”, que ocupa o maior cargo na área, é ninguém menos que o General Floriano Peixoto! Sem brincadeira, o nome é esse mesmo.
O coronel disse que, desde o início das operações, em 2004, é realizada uma “Operação Psicológica”, pesquisa de opinião entre os haitianos sobre aprovação da presença das tropas internacionais no país. A maior parte das áreas da capital, Porto Príncipe, tinha uma média de pouco menos de 80% de aceitação. Hoje, apesar de a pobreza e a falta de recursos essenciais como água tratada continuarem em situação calamitosa, o país está mais seguro, e a rejeição começa a aumentar nos bairros de “classe média”, menos carentes.
Segundo Gerson, “dinheiro pro Haiti não falta”. Ele disse que esse é o país com a maior quantidade de projetos internacionais de ajuda humanitária. O Haiti, que tem cerca de 9 milhões de habitantes, 70% de desemprego, 48% de analfabetismo e apenas 20% das casas com água encanada, depende de doações internacionais em 80% de seu orçamento! Com tantos projetos, pergunto-me por que a pobreza e a violência continuam crônicas, e como os responsáveis por essas ações esperam que o país consiga algum dia caminhar por conta própria.
O coronel contou que, às vezes, o trabalho do Exército se choca com o da ONG Viva Rio, que promove atividades culturais e sociais no Haiti para promover a paz. Isso porque a Viva Rio mantém contato direto com alguns haitianos criminosos, para tentar usar a influência que eles têm e transformá-los em líderes comunitários, fora do mundo do crime. O problema é que nem sempre o apelo funciona e eles voltam a praticar delitos. O resultado é que as tropas internacionais, vez ou outra, pegam o cara em flagrante ou têm que ajudar a cumprir um mandado de prisão (atualmente, só policiais haitianos podem prender alguém). Teve até uma vez em que um homem importante para o projeto foi preso e a ONG pagou a fiança.
Crianças e mulheres, ainda segundo Gerson, ocupam um lugar extremamente subalterno perante os homens, que são muito violentos entre si. Esse é o motivo, inclusive, para que, quando uma ONG decide distribuir alimentos, as tropas brasileiras organizem um esquema de segurança pra entregar a comida apenas às mulheres, que são acompanhadas até suas casas para não serem saqueadas. Também é grande o número de mulheres que chegam à enfermaria das forças armadas com a cabeça rasgada, atingida pelo marido com uma garrafa de vidro.
Se as haitianas precisam proteger a cabeça por causa da violência, alguns políticos como Hillary Clinton fazem questão de serem filmados e fotografados andando pelas ruas de Porto Príncipe sem capacete, para mostrar como o país está seguro.
Também achei interessante quando o coronel contou a história de uma foto da agência France Presse. Na imagem, um militar brasileiro cumprimenta uma criança haitiana com um soquinho em sua mão. O fotógrafo entregou a foto a Gerson dizendo que as tropas dele estavam como que “atrapalhando” o trabalho da imprensa, já que não encontrava cenas de confronto e destruição para fotografar. E que a única coisa interessante que encontrou foi aquele episódio – ele achou que o militar se preparava para dar um soco na criança, e não, que ia cumprimentá-la.
Só mais dois casos: o rapper MV Bill, conhecido por denunciar as desigualdades sociais, o racismo e o estigma de “pobre como bandido”, visitou o Haiti e se emocionou ao entrar em um bar. Lá dentro, deu de cara com uma bandeira do Brasil pintada na parede e descobriu que, ali, as pessoas se reúnem em dia de jogo da seleção brasileira em torno de uma TV a bateria para torcer pelos nossos craques. Para Gerson, existe um sentimento entre os haitianos como se o Brasil fosse o “irmão mais velho que deu certo” – vide nosso passado escravocrata (e a atual desigualdade social).
O último: às onze horas de certa noite, uma patrulha brasileira passou por um tap-tap (veículo de quatro rodas tipicamente usado no Haiti como transporte público) tocando música muito alta, desconfiou da atitude dos passageiros e os mandou descer. Depois da revista, nada foi encontrado e os homens foram liberados. Só que o motor do tap-tap não pegava. O chefe da patrulha não hesitou: “atenção, homens, descer da patrulha e empurrar o carro!”. O que começou de forma hostil terminou com os haitianos indo embora felizes da vida, acenando para os brasileiros.

Do blog Coceiras (á manchete é minha)

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