A MISSÃO MILITAR FRANCESA

“Na realidade, o Brasil tem uma aparência de exército, resta tudo por fazer.”
Capitão Alphonse F. de La Horie, 1917
Voltaire Schilling*
Mal desembarcando no Rio de Janeiro, em março de 1919, o general Maurice Gamelin se pôs a campo para inspecionar as guarnições do Exército Brasileiro. No Rio Grande do Sul, impressionou-se com as condições estratégicas oferecidas pelo vasto território que abarca Santa Maria e Cachoeira, vendo-o como uma excepcional área para a utilização dos mais variados recursos militares. Comoveu-o o esforço dos oficiais locais em manter os fortes com os pálidos recursos que tinham à sua disposição. De fato era preciso refazer tudo.
A ideia de convidar para o Brasil uma missão militar francesa a fim de modernizar a instrução das tropas partira da articulação feita entre o ministro da Guerra, general Cardoso de Aguiar, em acerto com representantes brasileiros que estavam em Paris por ocasião das negociações do Tratado de Versalhes de 1919, entre eles o historiador Pandiá Calógeras (que depois veio a ser o primeiro civil a assumir o ministério militar). Papel-chave nas negociações que precederam a vinda de Gamelin desempenhou o major Malan d’Angrogne, adido militar junto à embaixada brasileira e que pessoalmente acertou a vinda de 20 instrutores franceses. A assinatura final do decreto, em 28 de maio de 1919, deu-se durante a presidência interina de Delfim Moreira, visto que o presidente Rodrigues Alves sucumbira à devastadora gripe.
A influenza e o bolchevismo eram os fantasmas que assombraram o mundo ocidental ao fim da I Guerra Mundial. Naquela ocasião, a peste e a revolução pareciam competir para ver quem mais ceifava vidas depois da grande catástrofe de 1914-18.
O paliativo, pensava-se no Brasil, era um exército forte, profissionalizado, dirigido por uma elite militar competente, treinada e orientada por moderna doutrina militar, capaz de manter um país tão diverso e díspar unido frente aos tumultos internacionais que se avizinhavam.
A França, com sua assombrosa resistência feita no Marne e em Verdun (batalha travada em 1916 na qual quase meio milhão de soldados morreram ou foram feridos para não deixar os alemães passarem), adquirira uma aura de fortaleza indomada e, como consequência disto, seus generais, como Joffre e Petain, foram vistos como grande estrategistas.
Hoje, critica-se a opção pelos franceses, visto que a doutrina que abraçavam enfatizava as defesas fixas e a concentração das grandes divisões de infantaria, sem que fizesse menção à guerra móvel, baseada no deslocamento rápido dos blindados e na função essencial que a aviação iria desempenhar depois, no transcorrer da II Guerra Mundial.
Mas o Exército Brasileiro vinha de duas experiências dolorosas: a Guerra de Canudos (1896-7) e a Guerra do Contestado (1912-1916), nas quais o espírito de valentia não bastou para vencer os jagunços e caboclos em rápidas operações. Se nossas armas não conseguiam dobrar facilmente os sertanejos, o que fariam frente a um vizinho bem armado?
Era preciso começar de cima. Afastar a antiga oficialidade “pica-fumo” e treinar uma nova geração dentro de escolas teóricas e práticas. Além disso, havia de melhorar o estado-maior no sentido de promover os mais capazes. Pela determinação do tenente-coronel Albert Barat, fundou-se a Esao (Escola de Aperfeiçoamento de Oficiais) para qualificar os comandantes intermediários, capitães e majores, para que disseminassem entre os mais remotos acampamentos os modernos ensinamentos de disciplina e mando vindos da França, bem como se construísse uma nova rede de quartéis nas áreas mais estratégicas do Brasil.
Passado quase um século da chegada da missão francesa, o Ministério da Defesa anuncia um amplo acordo militar de compra de equipamento sofisticado (submarinos nucleares e aviões de caça) que se somam ao projeto Soldado do Futuro, com objetivo de adestrar a tropa para operações modernas. Por outro lado, na esteira do rompimento do acordo militar Brasil-EUA feito pelo general Ernesto Geisel, de 1977, o acerto militar Brasil-França é mais um passo que faz nos afastar do Estados Unidos.
*Historiador

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