Apesar dos esforços de Lula, relação com militares é marcada por desconfiança

Foto do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, do ministro da Defesa, José Mucio, e dos três comandantes das Forças Armadas
Ricardo Stuckert/PR

O principal responsável por tentar aproximar as partes, o ministro José Múcio, da Defesa, chegou a pedir ao presidente para deixar o cargo
Marcela Mattos
Apesar dos esforços de Lula, relação com militares é marcada por desconfiança Apesar dos esforços de Lula, relação com militares é marcada por desconfiança Apesar dos esforços de Lula, relação com militares é marcada por desconfiança

Apesar da ausência dos chefes do Legislativo e do Judiciário, o presidente Lula conseguiu reunir no Palácio do Planalto representantes dos Três Poderes na cerimônia que marcou os dois anos dos ataques de 8 de janeiro. Entre eles, estavam o ministro da Defesa, José Múcio, e os comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica, personagens centrais de um dos enredos que mais desafiam o governo. Num sinal de deferência do cerimonial do evento, organizado pela primeira-dama Rosângela da Silva, Múcio foi acomodado na primeira fileira de convidados.

Já o trio da cúpula militar ficou nas últimas filas, um pouco à frente do ator José de Abreu, que já defendeu o “fechamento” das três Forças e é um crítico ferrenho dos fardados. Todos entraram e saíram calados. Após a apresentação de obras de arte restauradas, discursos que condenaram a tentativa de golpe e gritos contra a anistia aos extremistas, a solenidade foi encerrada. Tudo milimetricamente planejado para transmitir uma imagem de tranquilidade — uma encenação, porque nas coxias, longe dos holofotes, a relação entre o governo e os militares ainda é de tensão, apreen­são e desconfiança mútua.

Na véspera da cerimônia, a cúpula militar demonstrou incômodo ao constatar que a solenidade teria um forte componente político-eleitoral, e não institucional. Esse viés era incoerente com a determinação dada pelos comandantes aos quartéis para que se mantivessem longe da política. Também parecia uma provocação desnecessária, por expor os militares à possibilidade de serem hostilizados em público. Mesmo assim, eles decidiram ir, já que a ausência poderia ser interpretada como um gesto de insubordinação ou até de insatisfação com os inquéritos que apuram a suposta tentativa de golpe, nos quais há uma longa lista de oficiais investigados. Com a decisão de comparecer tomada, veio o debate sobre a extensão dessa participação. Os comandantes não sabiam se teriam ou não de descer a rampa do Palácio rumo aos militantes que aguardavam Lula para um abraço simbólico em torno das flores que, espalhadas pelo chão, formavam a palavra democracia. O temor era de que fossem vaiados e chamados de “golpistas”. O mal-­estar foi contornado pelo cerimonial, que liberou os comandantes. Eles deixaram o Planalto, de forma discreta, pelo elevador.

A relação do governo Lula com os militares está distante de algo que possa ser classificado como dentro da normalidade. Tanto que o principal responsável por tentar aproximar as partes, o ministro José Múcio, da Defesa, pediu ao presidente para deixar o cargo. Alvo permanente do fogo amigo petista, Múcio defende a punição dos militares golpistas, ou do que ele chama de CPFs, preservando a instituição. Por outro lado, como forma de reduzir a aversão da caserna ao PT, se empenhou, sem sucesso, para aprovar projetos de interesse das Forças Armadas, sabotado por colegas de governo. Após dois anos de mandato, o diagnóstico é o de que Lula até mantém uma relação cordial, mas seu governo não tem boa vontade com os quartéis. Recentemente, a temperatura voltou a subir. Em novembro passado, o Planalto anunciou que incluiria as Forças Armadas no pacote de ajuste fiscal e tocaria num dos pontos mais sensíveis para a categoria: a Previdência. Para a grande maioria dos oficiais, senão a totalidade, mudanças no regime de aposentadoria devem ser classificadas como “inaceitáveis”. O governo sabe disso, mas decidiu levar o assunto em frente.

O plano de arrocho quase levou à queda de um comandante e também serviu como gatilho para Múcio entregar os pontos. No fim do ano passado, o ministro, os chefes das Forças e Lula se reuniram para discutir as mudanças na Previdência. Os militares pleiteavam uma transição maior para a adequação à idade mínima de 55 anos proposta no texto. A conversa foi amigável. No dia seguinte, porém, a Marinha divulgou um vídeo ironizando uma suposta boa vida dos civis enquanto os marinheiros suavam a camisa. Os militares festejaram intimamente a provocação, mas o presidente ficou irritado, fechou as portas para a negociação e convocou Múcio e o almirante Marcos Sampaio Olsen a dar explicações. O chefe da Marinha reconheceu que a gravação foi inoportuna, mas não pediu desculpas. Já o ministro disse que não soube previamente do material e classificou o vídeo como um tiro nas costas. Havia receio de que o Exército e a Aeronáutica aderissem ao mesmo discurso e transformassem uma crise latente num embate público. Olsen quase foi demitido, mas se segurou no cargo porque o governo teve medo da repercussão. Os apertos de mão e conciliações em gabinetes que se seguiram não significam que a questão foi contornada.

Militares de alta patente já sinalizaram que tentarão derrotar ou amenizar as regras de mudança em seu regime previdenciário no Congresso. Se preciso, pedirão votos até para a oposição. Em meio ao iminente tiroteio, o ministro da Defesa sabe que será atingido por um dos lados — ou os dois. A possível saída dele tem gerado preocupação na cúpula das Forças, que tenta convencê-lo a permanecer no cargo. No meio político, no entanto, não faltam interessados em sua demissão, que facilitaria a acomodação de interesses envolvidos no debate de uma reforma ministerial. São cotados para a vaga nomes como Ricardo Lewandowski, hoje na Justiça, o vice Geraldo Alckmin e o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco. Seja qual for o nome, é certo que ele não terá vida fácil. Além da desconfiança ampla, há o impasse sobre projetos. Com previsão orçamentária de 133 bilhões de reais para este ano, as Forças Armadas gastam a maior parte da verba com pagamento de pessoal e reclamam que recursos destinados ao treinamento da tropa acabam sendo consumidos em operações emergenciais para as quais os militares são convocados. Também não haveria verbas para a modernização de equipamentos de combate.

Um exemplo da insatisfação foi tornado público pelo próprio Múcio quando reclamou com empresários de um veto “ideológico” do governo à aquisição de viaturas blindadas de uma empresa de Israel, alvo de críticas da diplomacia brasileira após os ataques na Faixa de Gaza. Os estudos para a aquisição começaram há oito anos, a licitação passou por diversas etapas e obteve o aval do Tribunal de Contas da União (TCU), mas, por orientação do assessor especial e chanceler informal Celso Amorim, a ordem é para que a compra dos obuseiros não seja concluída. Apesar do veto ideológico, em dezembro a licitação foi estendida por mais seis meses pelo Exército. A Força sabe que o negócio, ao menos a curto prazo, não será autorizado, mas quer que alguém do governo formalize essa negativa, assumindo o ônus de impedir o avanço do negócio. Essa guerra silenciosa agora está na iminência de perder seu único mediador, José Múcio, um apaziguador nato que parece ter perdido a paciência para lidar com a má vontade de ambos os lados.

Publicado em VEJA de 17 de janeiro de 2025, edição nº 2927

Respostas de 19

  1. Não é desconfiança, é cálculo matemático.

    Explico:

    Em média 27% de reajuste salarial para o funcionalismo civil da união em 2025 e 2026.
    Para os militares 9%.

    Precisa desenhar……

      1. Comentário extremamente cínico ou maldoso….a restruturação de 2019 beneficiou somente o topo das carreiras e, mesmo assim, de 2019 para cá já virou pó na inflação….Além disso antes de 2019 existia uma abismo entre as carreiras do executivo federal e das forças armadas ( aquela reestruturação já estava sendo gestada desde o governo da Dilma)….a reestruturação reduziu parcialmente esse abismo (para parte do efetivo), e agora forças “ocultas” querem criar esse abismo novamente…..mas enfim, por mim que acabem com as FAA de uma vez mesmo, deem lugar a Mercenários, ou que cada Estado que se vire, nova(s) Constituições, novas republicas (ou ditaduras/Narcoditaduras), e deixa o pau comer…talvez o Judiciário consiga segurar sozinho a Existência da república federativa kkkk

    1. Eu preciso desenhar para você ou? O Lula não pode dar mais que isso, porque o Bolsonaro conseguiu fazer um estruturação de carreira em benefícios dos que já ganhavam+ em detrimento das praças e pensionistas que sofrerem decréscimo nos salários e com isso os altos calão equiparam o salário com os ministros e agora não pode dar+ que isso porque passa o teto dos altos coturnos. Agora precisa desenhar ou você prefere orar para pneus extraterrestres ……

  2. Como confiar em golpistas? É difícil. As FFAA antes do governo Bolsotrevas era uma instituição anos luz a frente das demais instituições no que tange a credibilidade. Hoje infelizmente, depois do catastrófico desgoverno Bolsotrevas a imagem está abaixo da do congresso nacional. Hoje o exército brasileiro melhor exército do Brasil aparece na mídia apenas nas páginas policiais. São mal feitos, corrupção, incompetência e outros episódios que envergonham e sujam a imagem do exército de Caxias.

    1. Papagaio de pirata da globo, as FFAA sao muito maiores do que meia duzia de generais! 99,99% dos militares das Forças armadas, que sao realmente quem as representa, nao esta nem ai pra golpe, nem pra poder, so quer trabalhar e ter um vida digna! Conceder aumento digno nao significa compactuar com nada, é apenas o dever do país com suas forças de estado! Conecte-se à vida real e saia do mundo das narrativas para não falar besteiras igual um robozinho!

  3. Acho que os comandantes acreditaram nas piadas sem graça do barba e que seriam sempre consultados e atendidos em seus pleitos.

    Agora estão enxergando toda a realidade. Estão sentindo como é “negociar” com um político.

    Na política brasileira há muito não existe honestidade, verdade, honra, compromisso e palavra.

    Quem insiste, por imaturidade, acreditar no contrário acaba se frustrando.

  4. O Exército atual é a cara dos generais atuais. uma instituição sem valores, sem ética, sem profissionalismo, sem honra, sem credibilidade e sem patriotismo. Um exército de corruptos individualistas. Braga Netto, o presidiário, representa bem o que é o exército brasileiro atual, uma vergonha sem precedentes a memória de Caxias, uma vergonha para toda a Nação brasileira. Tenho vergonha de ter pertencido a essa instituição parcial e cheia de vícios.

  5. Que teto nada. Todos sabemos que na prática não existe. Tem muito juiz ganhando o dobro ou até mais que o teto porque acumula outra função. Tem diretor da Petrobrás ganhando mais de 150 mil. Teto aonde.

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