As Forças Armadas, o ‘risco Venezuela’ e o futuro

O ditador Nicolás Maduro foi proclamado reeleito na Venezuela em uma eleição contestada pela oposição e pela comunidade internacional. Foto: AP Foto/Cristian Hernández, arquivo

 

Na democracia, quem ganha leva, e quem perde espera a próxima. Qualquer outra coisa é arruaça. E lugar de arruaceiro, todos sabem qual é
Fabio Giambiagi
Rio – Este espaço é sobre economia, mas esta não pode ser dissociada do ambiente em que se vive. Pensemos numa autocracia onde, por exemplo, empresários que não simpatizam com o regime morrem por cair da janela; ou ativistas ficam com sequelas terríveis por ter bebido uma sopa suspeita. Dá para separar economia e política?

O leitor parou para pensar no que poderia ter acontecido no Brasil se alguns generais, em 2022, ao invés de terem sinalizado para seus superiores que não iriam transigir na defesa da Constituição, tivessem aderido ao ambiente delirante da época, para “impedir o país de cair nas mãos dos comunistas” ou seja lá qual fosse o argumento para embarcar na aventura da qual, sabemos hoje, o país se salvou por milímetros? Não nos enganemos: teria sido um banho de sangue.

Por que estou falando disso? Porque, nos próximos dias, Maduro será empossado pela enésima vez na Presidência da Venezuela. O leitor deve lembrar que, durante anos, se mencionou o risco de o Brasil “virar uma Venezuela” como associado ao PT, pelas afinidades históricas entre o partido e o chavismo. A rigor, porém, o risco que o país correu de virar uma Venezuela se deu no governo de quem mais acenou com esse fantasma.

As instituições são fortes no Brasil? Mais do que em outros países da região. Seria difícil uma tentativa de “virada de mesa” vingar em um quadro internacional adverso, com os EUA (na época) contra? Sim. Porém, na Venezuela a maioria da população, do empresariado, dos partidos e da intelectualidade são contra o governo e, mesmo assim, Maduro “não está nem aí” para essa realidade, apoiado nas Forças Armadas (FA) da Venezuela que, ao contrário das nossas, foram compradas para aderir ao governo, deixando de lado os interesses republicanos e a Constituição.

É por isso que a politização das FA é inaceitável. E foi isso que se tentou fazer há alguns anos: transformar uma instituição da República na guarda pretoriana do presidente. Felizmente, apesar dos cargos de confiança com os quais se tentou conquistar a corporação, esta foi preservada e, pelo bem do país, a institucionalidade também. As coisas poderiam ter sido muito diferentes, com riscos para a paz social e com enfrentamentos terríveis nas ruas, se meia dúzia de generais honrados, ao invés de terem seguido a alternativa A, tivessem optado pela alternativa B.

“De novo essa história?”, pode argumentar um leitor. Sim, porque isso delimita o campo de jogo. A esquerda nunca se recuperou da mancha moral da corrupção, e parte do país age como se os escândalos que nos marcaram nos anos 2000 e 2010 não tivessem existido — o que é constrangedor, e algo que só será superado quando outra geração de políticos dessa corrente ocupar o palco.

Já a direita tem que parar de normalizar o absurdo, dado o que se procurou gestar em 2022. Entendo a lógica de não querer brigar com uma corrente com muitos seguidores, mas vale lembrar o sentido das palavras: “liderança” implica liderar, ora! É a atitude o que distingue um líder. Há políticos respeitáveis, com uma história de serviços prestados e condições de assumir as bandeiras do livre mercado, do empreendedorismo e da eficiência, sem ter que se curvar para prestar continência a um golpista que não se mostrou apto para o jogo da disputa leal.

O Brasil tem 40 anos de democracia, uma bela história de conquista da estabilidade e boas perspectivas se soubermos, entre as forças representativas de 80% ou 90% do eleitorado, definir regras mínimas para serem respeitadas por todos. Não há razões para “passapanismo” com criminosos. Felipe González dizia que “a democracia implica assumir a derrota”: quem ganha leva, e quem perde aguarda a próxima. Democracia é isso. Qualquer outra coisa é arruaça. E lugar de arruaceiro, todos sabem qual é. O Brasil precisa extirpar o câncer do golpismo, para não virar uma Venezuela, se um dia — como diria um famoso kid preto — cair nas mãos da “rataria“.
O GLOBO – Edição: Montedo.com

8 respostas

  1. Depois de tudo que aconteceu, imagine que se os conjurados fossem anistiados, a justiça militar não faria absolutamente nada. Fica aí a dica de economia…

  2. O PT está no caminho certo, desmoralizando e reduzindo o interesse em servir a patria. Tudo tem um limite! A hora que as FFAA chegarem no fundo do poço tudo pode acontecer e terá vários culpados: imprensa, PT, parlamentares.

    1. Quem tentou golpe de estado não foi o PT, mas um governo repleto de militares que agora querem se vitimizar e quem está batendo forte nas FA ė justamente a oposição apoiava o governo e que contou em grande parte com votos de militares. O PT já teve vários mandatos na presidência antes e fez foi aparelhar
      e prever reajustes anuais para as FA inclusive com diferença maior para o início de carreira e igualando ao salário mínimo o pagamento dos recrutas. Foram os militares cavaram a própria sepultura.

  3. Meu amigo Você só esqueceu de incluir nos culpados da chegada das ffaa ao fundo do poço o principal responsável, as próprias ffaa, oficias fomentam a desunião da tropa só pensa neles mesmo e o que é pior demonstram isso ao meio dia, observe a lei13 954, toda desmoralização está acontecendo por que a sujeira que antes era varrido para de baixo do tapete veio a tona, a própria “RATARIA” confessou que de fato são ratos

  4. Sou conservador e em 2018, assim como muitos, fomos levados a acreditar que um despreparado iria fazer coisas diferentes daquilo que estava acontecendo no nosso país. Piorou, sem combate ao crime, polícia federal impedida de trabalhar, golpe nos precatórios, liberação de armas para o crime organizado etc… Tivéssemos votado no Haddad a história seria outra.

  5. Edmundo Gonzales foi eleito na Venezuela, espero que os Estados Unidos tomem medidas pra garantir a posse 10 de janeiro, seria uma ótima ideia bombardear Caracas intensamente como já fez na Síria.

  6. O autor esqueceu de falar que o judiciário da Venezuela (Supremo), Tribunal Eleitoral, também apoiam Maduro e não somente as Forças Armadas. Será que ele esqueceu de propósito.???

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