É estarrecedor como se pode fazer afirmações taxativas sobre o mérito ou demérito de instituições sobre as quais se sabe tão pouco
Major Suzana Marly da Costa MAGALHÃES*
Vivemos tempos de desrazão, a reboque de hordas midiáticas insensatas que propagam a discórdia em torno a ideias sem coerência ou consistência do ponto de vista teórico ou do cotejo com os fatos. Sobretudo os ódios e antipatias se alastram com base em estereótipos negativos de pessoas e de instituições, e daí emerge eventualmente a defesa de posicionamentos políticos autoritários e intolerantes. Esse fenômeno se manifesta entre grupos de diferentes tendências políticas, sobretudo entre as mais radicais, que percebem a realidade em preto e branco, sem conseguir apreender as complexidades e aporias da vida, da sociedade e da cultura.
Não é diferente em relação ao tema do Ensino Militar. Circulam discursos maniqueístas que ora elegem a Educação das Forças Armadas como modelo indiscutível para a Educação Básica, ora a repudiam como um paradigma educativo estático e hostil a um projeto educativo fundado na liberdade. Em todos os casos, impõe-se um denominador-comum: a crassa ignorância.
A verdade é que, fora os militares e quem atua no âmbito das Forças Armadas e auxiliares, e, especificamente, na área de ensino e da instrução militar, ninguém compreende realmente o que é Educação Militar. Inclusive quem fala sobre ela do alto da cátedra, por ter realizado pesquisas sobre o assunto, mas sem jamais ter acompanhado as atividades educacionais desenvolvidas pelas escolas, centros de instrução e batalhões. Sem sequer ter entrevistado docentes ou instrutores. É estarrecedor, nesses tempos da pós-verdade, como se pode fazer afirmações taxativas sobre o mérito ou demérito de instituições sobre as quais se sabe tão pouco, praticamente só o que se encontra na internet, algumas normas e regulamentos.
Ora, tenho uma advertência a quem se aventura nesse campo minado dos clichês de praxe. Trata-se de uma língua estrangeira que exige imersão gradual em mares vastos e profundos nos quais se mergulhe de um só fôlego, livres das amarras dos preconceitos, para que sejam intuídas as complexas realidades das escolas militares, encobertas pela aparente simplicidade das normas de ensino. E a imersão só se conquista se você pertence a esses lugares por direito, por ter feito concursos difíceis e passado, você mesmo, pelo processo formativo militar, extremamente árduo, o que lhe permite entender essa peculiaríssima realidade. Se não é por direito, pode ser por afeto, por afinidade eletiva ou mesmo por honestidade de propósito. E aí de nada adianta esbravejar e insultar aquilo que não se entende, e nem tem como ser entendido, de fora, porque aí é que as portas dessas escolas não serão abertas, mas, ao contrário, serão firmemente cerradas para proteger o que lá se passa, pelo valor do que construíram gerações de docentes e instrutores, pela inteligência coletiva que modelou tantas formas eficazes de ensinar e de avaliar, de transmitir a experiência moral e as lides do combate.
Nesse sentido, a insistência no ataque à Educação Militar, por parte de alguns, e a reivindicação eventual de ingerência civil, solapando o princípio da autonomia do ensino, parece não estar compromissada com a conquista da verdade, essa musa severa e inefável nas nossas inóspitas paisagens institucionais. Infelizmente, não se quer realmente conhecer nem aperfeiçoar a Educação Militar. Se assim não fosse, as atitudes seriam simpáticas e empáticas, no intuito de compreender a forma de se viver, de trabalhar, de construir o processo educativo. Entre verdadeiros educadores, tal crítica sem conhecimento de causa seria impensável, tal a necessidade que há de se colocar no lugar do outro, para entender as intencionalidades, os valores que impregnam as ações e as rotinas escolares, além das concepções construídas por gestores de ensino, professores e instrutores ao longo do processo de constituição dos sistemas de ensino das Forças Armadas.
Entre os detratores da Educação Militar, incluem-se os profissionais de áreas adversas ao enfrentamento das questões da formação humana, tais como as Ciências Políticas, Defesa ou Relações Internacionais, que costumam proferir os discursos contundentes sobre uma escola militar que desconhecem por completo. A verdade é que eles nem podem vir a entendê-la de forma adequada devido ao ferramental teórico de sua própria formação intelectual, que não inclui conceitos e habilidades do campo educacional, capazes de descortinar os universos das estratégias de ensino, avaliação, gestão de ensino e da educação moral.
Há também os docentes e pesquisadores da área de Educação e Magistério que têm uma atitude de aversão ao universo militar, que é identificada, há décadas, acriticamente, à truculência, limitação intelectual e autoritarismo. Um dos problemas é que eles conhecem somente a Educação Básica e o Ensino Superior, não tendo jamais estudado ou atuado no âmbito da Educação Profissional militar, em busca de saberes operativos e de ação prática.
A intenção desses pesquisadores não é, portanto, pedagógica, compromissada com a melhoria de ensino das Forças Armadas. Nem é acadêmica, voltada para o avanço do conhecimento científico sobre o ensino militar, nem para a construção de relações sinérgicas das Forças Armadas com as instituições educativas civis. Nada disso, meus senhores. O seu objetivo eventualmente é até político-partidário. É performático, na acepção emprestada por Lyotard, por ter compromisso pragmático com os efeitos que produz e não com a análise criteriosa dos fatos relacionados à Educação Militar.
Além disso, os detratores compartilham o ranço inconfessável às Forças Armadas há mais de meio século, e a postura revanchista. O espantalho continua sentado na sala, sem que nos apercebamos de sua presença, mas destila os seus eflúvios malsãos, enquanto tocamos a vida, com o olhar voltado para o futuro. Assim sendo, esses críticos se esmeram em construir castelos imaginários sobre o processo formativo militar, criando narrativas pessimistas e inconsistentes a partir de textos clássicos ou banais, tecendo palimpsestos sem o mérito da originalidade.
É uma lástima que assim seja. A literatura especializada serve para levantar problemas e cotejar os fatos e não pode substituir o contato com o objeto de estudo, pois sem a experiência, os textos funcionam como dogmas. E esses críticos, infelizmente, enxergam o ensino militar a partir desse telescópio obsoleto e enferrujado, que descortina somente turvas silhuetas e a ilusão de uma estéril imobilidade, própria de uma Instituição anacrônica que é incapaz de se modernizar para cumprir as suas atribuições adequadamente.
Na falta de pesquisas qualitativas sobre os sistemas de ensino das Forças Armadas, supõem-se que as escolas militares são espaços massivamente reprodutivos, nos quais não existe a possibilidade de invenção e de reinvenção pedagógica. Entretanto, se as escolas militares preservam tradições, são também, como toda a Educação Profissional, atreladas a mudanças nas formas de realizar a sua atividade-fim, que, no caso, é a guerra. Existe sempre uma preocupação com a atualização do ensino com base na doutrina. Eis porque, a cada três anos, quando muda o quadro de instrutores militares de um estabelecimento de ensino, costuma ocorrer, por injunção normativa, uma revisão curricular considerando os “inputs” tecnológicos e as diretrizes dos escalões superiores. Desse modo, unidades didáticas relacionadas com as operações de inteligência, de guerra cibernética e gestão e educação ambiental foram inseridas nos currículos militares nos últimos anos.
Entre os detratores da Educação Militar, pulsa ainda um pacifismo programático e imaturo que confunde a missão constitucional de defender a soberania nacional com postura imperialista e expansionista, preconizando o repúdio a qualquer tipo de conflito armado, à revelia do que a história política ensina sobre atitude defensiva e dissuasão. A despeito da quantidade de nações envolvidas em conflito armados nos dias de hoje.
Meus senhores, as sombras da guerra pairam sobre todos os Estados e é preciso que as Forças Armadas estejam em stand-by, sempre prontas para o combate. Ora, não estar em condições de lutar não é benevolência e pacifismo: é pura e simplesmente covardia e irresponsabilidade diante da Nação e do povo brasileiro.
Nesse contexto é importante enfatizar a Defesa Nacional como o conjunto de atitudes e medidas do Estado, com ênfase na expressão militar, para a defesa do território, da soberania e dos interesses nacionais contra ameaças preponderantemente externas, potenciais ou manifestas. E para realizar as ações de Defesa, as Forças Armadas precisam de um preparo adequado, diferenciado do ensino civil, que não forma profissionais para enfrentarem situações de risco extremo, em prol de valores coletivos. Essa singularidade é incomensurável aos detratores do Ensino Militar, incapazes de compreender um paradigma educativo tão intenso e visceral, o único que pode inspirar a autossuperação ao soldado no cenário de caos e de morte que é próprio da guerra…
* Maj Magalhães
CURRÍCULO
A Maj Suzana Marly da Costa MAGALHÃES, QCO-PED, da turma de 2006, realizou Graduação em Pedagogia pela Universidade Federal do Ceará, Graduação em Letras, na Universidade Federal do Rio, Mestrado em Educação pela Universidade Federal do Ceará, Doutorado em Letras – Université de Paris III – Sorbonne Nouvelle, Pós-Doutoramento na Fundação Getúlio Vargas na área de História, Política e Bens culturais, com foco em instituições de ensino militar. Há anos atua como conferencista e consultora da Marinha do Brasil, FAB e PM-RJ e de várias Escolas do Exército sobre o tema da educação moral militar, sendo autora do livro: A Forja: a Educação do Guerreiro – um estudo sobre o ensino militar das Forças Armadas brasileiras.
Atualmente é adjunta da Seção de Pós-Graduação do CEP/FDC e Vice-Líder do Laboratório de Ensino Militar: estratégias formativas, da UNIFA/CEP/FDC.
EBLOG – Edição: Montedo.com
15 respostas
Fato! Foi aprovado um “TCC” na ECEME com teores totalmente autoritário, golpista, sem fundamentos em fatos na base do achismo no moldes de Olavo de Carvalho e por aí vai! O trabalho do aluno foi supervisionado e aprovado. Se é para falar de fatos, vamos falar de fatos então.
Tudo isso acontecendo e eu aqui na praça sem aumento de salário dando milho aos pombos.
E o comandante AM já sabe disso?
Bora fazer bicos de eletricista e de motorista por aplicativos.
Alô AM queremos aumento de salário.
Por que será que o cmt ex não se manifesta para defender o sistema de ensino militar?
porque o Comandante do Exército não se manifesta é porque ele é um melancia, faz falta no Exército de hoje um Walter Pires, ou Leônidas no comando da força
São três coisas diametralmente opostas, a primeira o ensino militar, o qual de certa forma pode ser considerado bom, com certas situações esdrúxulas, como curso equiparados a altos estudos – caso da Dissertação não é único -, os colégios militares federais onde o ensino já foi comprovado eficiente, não estou me referindo a doutrina militar e por último a escola comum com doutrina militar que não adianta, colocar doutrinação num ambiente insalubre, com falta de merenda, professores com baixo vencimento, etc, etc. A referida personagem da matéria se refere ao ensino cedido pelas Forças Armadas, apenas.
Se são diametralmente opostas, não podem ser três, mas Somente duas.
No aguardo da segunda.
Com todo respeito, a Major, em apenas 1 ano de formação, foi promovida ao oficialato. Por esse motivo, talvez desconheça os malefícios que o ensino militar faz aos jovens em idade escolar englobando pré-adolescentes e adolescentes de ambos os sexos que frequentam colégios militares ou cívico- militar. Muitos alunos(as) frequentam esse espaços contra a própria vontade, por obrigação imposta pelos pais. Isso é ruim. Não podemos esquecer que o pedagógico nunca pode ser separado do psicológico. Sobre as escolas militares que formam profissionais; aí são outros 500.
Imagino eu, face ao seu comentário e seu entendimento, que deves ter um currículo melhor do que o dela apresentado no fim de sua exposição.
E você deve ter um maior ainda para censurar, mesmo que reflexamente o comentarista. Por que, ao invés de atacar, não rebata os comentários em um discurso sadio? AS redes foram inundadas de gente que vivia no submundo e deu voz aos insanos.
Caro colega; currículo não significa que o autor da dissertação, tese ou artigo tenha a plenitude da razão. Eu fiz Colégio Militar. Por opção, pouco depois, cursei a ESA. Foram anos como criança/adolescente aluno e, já adulto,10 meses como aluno da ESA. O currículo da autora é invejável, sem dúvida, mas em Pedagogia e Letras. Na minha percepção, talvez possa estar enganado, a autora apresenta uma defesa apaixonada ao Ensino Militar como se fosse perfeito, sem defeitos, talvez uma reação ao que foi exposto na mídia sobre a desastrosa tese de mestrado do capitão extremista que cursou a EsaO.
Não cursei Sorbonne, mas vivenciei a prática como aluno e como profissional.
* Dissertação
O ensino militar nao é obrigatório, nem a melhor forma de estudo, frequenta quem quer. Mas parece que todos que criticam, sem excessao, nao tem competência de proporcionar algo melhor, os resultados estão aí, predomina a decadência a reboque de “alguns que parecem arrependidos.
Não esqueça que os resultados dos colégios militares se sobressaem diante os demais estabelecimentos de ensino porque antes é feita uma peneira através de concursos. Entram os que já possuem excelente base, todos(as) oriundos(as) de colégios públicos ou privados NÃO MILITARES. Assim, fica super fácil conduzir um sexto ano de CM onde todos já dominam a matemática básica ou o português básico. Agora, imagine você um(a) professor(a) de escola pública que recebe todos os anos um sexto ano onde diferentes realidades sócio econômicas estão presentes. Daí a importância em não confundir EDUCAÇÃO COM ENSINO. Ensino Militar e Educação Militar devem ser voltados aos que pretendem seguir a carreira das armas nas três forças. O ‘professor’ vira INSTRUTOR. Nossas crianças e adolescentes não precisam de instrutores, mas sim de educadores.
Fato !