O custo da inação verde no setor de defesa brasileiro

Ele também era uma máquina de poluição atmosférica. Imagem, Wikimedia Commons.

 

O custo da inação verde por parte do Ministério da Defesa e das Forças Armadas pode acabar saindo caro demais para o país

 

Mariana Nascimento Plum, Tamiris Santos e Peterson Ferreira da Silva
Não há consenso no Brasil sobre a necessidade de estabelecer políticas públicas para lidar com os impactos das mudanças climáticas e das políticas de mitigação, adaptação e resiliência no setor de defesa brasileiro

Segundo o estudo de Stuart Parkinson “The global military carbon footprint” (2024), se todas as forças armadas do mundo fossem um único país, estariam na quarta colocação entre os maiores emissores mundiais, sem contar os impactos das aquisições e operações militares.

Conforme o Acordo de Paris (2015), o fornecimento dessas informações é voluntário, o que acaba gerando lacunas significativas de dados, conforme aponta o estudo do projeto interinstitucional britânico Military Emissions Gap. Assim, a não-obrigatoriedade e a falta de uma metodologia padrão para calcular as emissões impedem uma estimativa mais precisa do impacto real que o setor de defesa possui no contexto das mudanças climáticas. Por exemplo, danos ambientais causados por conflitos armados e os esforços de reconstrução pós-conflito são frequentemente ignorados no cálculo da pegada de carbono. Lennard de Clerk aponta, em “Climate damage caused by Russia’s war in Ukraine” (2024), que o conflito entre Rússia e Ucrânia gerou, em 24 meses, um total de US$ 32 bilhões em danos climáticos e um aumento de 175 milhões de toneladas nas emissões de dióxido de carbono equivalente (tCO2e). Apenas para fins de comparação, as emissões totais do Brasil somaram 1469 milhões de toneladas de tCO2e em 2021, conforme o Climate Watch.

Apesar disso, o setor de defesa de vários países não está inerte. Em julho de 2024, a Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte) publicou a terceira versão do “Climate Change and Security Impact Assessment Report“. O documento discute os impactos da mudança climática no ambiente estratégico, instalações e operações militares, além da resiliência civil, destacando a necessidade de adaptação e mitigação para manter a efetividade operacional. Essas ações seguem o recente reconhecimento dos países da Otan sobre os impactos climáticos na segurança, especialmente na COP-26, em 2021, com a presença do secretário-geral Jens Stoltenberg. Ele enfatizou a necessidade de as forças armadas serem, ao mesmo tempo, “verdes e fortes”, buscando fontes alternativas de energia para serem mais eficientes. Essas declarações foram um ponto de virada para países como EUA, Reino Unido, França e Canadá atualizarem suas abordagens climáticas e energéticas entre 2021 e 2022, bem como para a criação do Centro de Excelência em Mudanças Climáticas e Segurança, sediado no Canadá e previsto para iniciar suas operações em 2024.

Todavia, é necessário mais investimentos para que tecnologias como Combustível de Aviação Sustentável e eletrificação de veículos alcancem maturidade e viabilidade comercial, o que torna a indústria de defesa um “laboratório” para investimentos de tecnologias comerciais avançadas. Restrições orçamentárias e outras prioridades domésticas afetam o foco nesta pauta, além do receio de perda de efetividade e prontidão militar. Embora alternativas aos combustíveis fósseis ainda não sejam tão eficientes, “ficar para trás” na transição apresenta riscos. Incertezas sobre custos e disponibilidade de combustíveis fósseis em um mundo de baixo carbono criam um cenário desafiador para as forças armadas, conforme apontam Depledge e Santos em “How can militaries decarbonise?” (2024). Eles argumentam que a melhor alternativa é a interação entre governo, setor de defesa, academia, indústria e sociedade, especialmente por não existir um caminho único a ser seguido para que os setores de defesa efetuem a transição energética em suas capacidades militares.

De uma maneira ou de outra, para cumprir as metas estabelecidas no âmbito do Acordo de Paris, em que muitos países se comprometeram com a neutralidade em carbono até 2050, e evitar que o mundo aqueça acima de 1,5°C será necessário envolver o setor de defesa nesse esforço. Duas situações se configuram nesse cenário: (i) o relatório sobre lacunas de emissões da ONU (2023) reconheceu, pela primeira vez, que as emissões das operações militares não são triviais e que estão insuficientemente contabilizadas; (ii) a Declaração da COP-28, realizada em 2023, abordou a necessidade de ações climáticas e de financiamento para comunidades afetadas por conflitos, porém não mencionou a responsabilidade do setor de defesa em reduzir suas emissões. Um dos passos para avançar na inclusão das emissões das atividades militares nas metas de descarbonização é envolver as diferentes organizações do setor de defesa nas discussões, uma vez que normalmente elas não participam dos principais fóruns de debate nesta temática.

No Brasil, essa discussão ainda é incipiente. Não há consenso sobre a necessidade de estabelecer políticas públicas para lidar com os impactos das mudanças climáticas e das políticas de mitigação, adaptação e resiliência no setor de defesa brasileiro. As minutas das atualizações da Política Nacional de Defesa e da Estratégia Nacional de Defesa apresentadas, em julho de 2024, ao Congresso trazem quase nenhuma reflexão sobre os impactos da mudança do clima. Espera-se, no entanto, que o Legislativo cumpra o papel estabelecido na Lei Complementar 136/2010 e faça a apreciação dos documentos, propondo debates sobre o que a sociedade brasileira espera da sua defesa nacional. Contudo, o Congresso Nacional nos últimos anos tem tratado a atualização dos documentos de defesa com baixa prioridade, o que pode ser observado nos atrasos no trâmite desses documentos ocorridos em 2016 e 2020 (aprovados em 2018 e 2024, respectivamente).

Buscando estimular essa discussão, membros do Centro Soberania e Clima, da Escola Superior de Defesa e da Universidade de Loughborough (Reino Unido) se juntaram no projeto Clima, Sustentabilidade e Defesa. O objetivo é promover a troca de experiências e a identificação de melhores práticas internacionais no que concerne às temáticas da descarbonização e da transição energética, envolvendo integrantes dos governos, setores de defesa, da academia, da indústria e da sociedade.

Especificamente no que tange ao caso brasileiro, apesar de a contribuição do setor de defesa no Brasil para as emissões globais de gases de efeito estufa ser significativamente menor do que a das potências militares, o custo da inação verde por parte do Ministério da Defesa e das Forças Armadas pode acabar saindo caro demais para o país, seja por não estarmos adequadamente preparados para atuar em teatros de operações alterados pela mudança do clima (em termos amplos de Doutrina, Organização, Pessoal, Educação, Material, Adestramento, Infraestrutura e Interoperabilidade), seja por nossa Base Industrial de Defesa ficar para trás em relação às aceleradas inovações de um mundo de baixo carbono, o que poderá gerar pressões externas para descarbonização, cerceamentos tecnológicos e perda de espaço no competitivo e politizado mercado internacional de produtos de defesa.

Mariana Nascimento Plum é diretora executiva do Centro Soberania e Clima.
Tamiris Santos é pesquisadora associada na School of Social Sciences & Humanities, Loughborough University, Reino Unido.
Peterson Ferreira da Silva é professor da Escola Superior de Defesa (ESD) e da Universidade da Força Aérea (Unifa).
As ideias e pontos de vista deste texto são de natureza exclusivamente acadêmica, não representando necessariamente posições oficiais de qualquer órgão ou entidade dos governos brasileiro e britânico.
NEXO – Edição: Montedo.com

2 respostas

  1. Então tá, as forças armadas também são responsáveis pela fuga das girafas da Amazônia também?
    Porque nenhum órgão de imprensa faz uma reportagem citando que os militares estão há anos sem reajuste salarial e que o funcionalismo da União teve aumento salarial este ano e já está acordado Reajustes Para os dois próximos anos.
    Ninguém fala que que atualmente um militar ganha três vezes menos que um servidor do funcionalismo civil da União , onde anos atrás, estas Carreiras distintas, tinham ganhos similares. A Defasagem é Gritante.
    Ninguém sai do funcionalismo civil da União para migrar para a carreira militar, só o contrário, porque será?
    No Aguardo Do Reajuste Para As Forças Armadas.

  2. Esse negócio de aquecimento global foi inventado pra dificultar o desenvolvimento industrial dos países de terceiro mundo e ainda criar um governo mundial paralelo. Agora ainda vão tentar impedir o desenvolvimento militar dos países também.

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