Na China, comandante do Exército busca retomar ‘parceria pragmática’

BRASIL CHINA

Brasil busca voltar ao patamar de cooperação que tinha com Pequim na área militar antes da pandemia, mas mantendo também as boas relações com o Ocidente
Marcelo Ninio

Pequim – O Itamaraty orientou as Forças Armadas a priorizarem a aproximação com os países do Brics — Rússia, Índia, China e África do Sul. Com isso em mente, o comandante do Exército, Tomás Paiva, passa esta semana na China em contato com o alto escalão militar do país asiático, que nos últimos anos ganhou projeção como uma potência também no setor de defesa. Num momento de crescente competição entre blocos rivais, com o Ocidente de um lado e a dupla China-Rússia de outro, a ideia é manter uma aproximação “pragmática” com Pequim, indicam fontes militares, mantendo também as boas relações com o Ocidente.

Não quer dizer um afastamento dos parceiros tradicionais do Ocidente. De acordo com um sistema de pontuação mantido no Exército, os EUA estão em primeiro lugar como o principal parceiro militar do Brasil, seguido de países como Argentina e França. A China está no terceiro escalão, junto com Alemanha e Espanha. Há um interesse, direcionado pelo governo federal, de incrementar a interação com os chineses.

O Brasil busca voltar ao patamar de cooperação que tinha com a China na área militar antes da pandemia, reativando o programa de intercâmbio acadêmico. Em 2018 havia 14 militares brasileiros em Pequim estudando na Universidade de Defesa Nacional do Exército de Libertação Popular (ELP). Hoje são apenas três, dedicados a disciplinas ligadas a estratégia e administração. Para o comando militar brasileiro, aumentar esse número significa abrir ampliar uma janela de conhecimento para “conceitos novos”.

Há um evidente interesse da China e da Rússia em ampliar a cooperação dentro do Brics na área de defesa, mas não está claro no lado brasileiro como isso poderá ocorrer na prática, certamente nada próximo de uma aliança militar é possível hoje. Até porque, é difícil vislumbrar uma integração em bloco diante da relação difícil entre dois dos membros originais do grupo, China e Índia, que têm uma séria disputa de fronteira que está longe de ser resolvida. Fontes do Exército confirmaram que o Brasil participou como observador de exercícios navais realizados no ano passado por China, Rússia e África do Sul, justamente na semana em que a guerra da Ucrânia completava um ano.

A participação da África do Sul foi alvo de críticas do governo americano, que viu um sinal preocupante de que o país estaria se inclinando para a órbita sino-russa. Se o envolvimento do Brasil também pode ter gerado incômodo em Washington, não é algo que preocupa o comando do Exército brasileiro. Trata-se de uma decisão soberana, reiteram as fontes, assim como os EUA não perguntaram a ninguém quando resolveram estabelecer relações com a China de olho em seus interesses nos anos 1970, no auge da Guerra Fria.

Como parte de sua agenda em Pequim, o general Tomás Paiva encontrou-se com o comandante da força terrestre do ELP e com o ministro da Defesa da China. Nesta quinta ele irá à estatal Norinco, sem confirmação de que a visita tenha ligação com o suposto interesse da empresa chinesa de comprar parte da brasileira Avibras. A ida de Paiva seria parte de agenda semelhante a que o general costuma cumprir nos países que visita, como ocorreu no ano passado quando ele esteve na Índia. De acordo com fontes, no Exército a parceria com a indústria de defesa indiana é vista como promissora, dada a evolução da capacidade adquirida pelo país após precisar desenvolver o setor para diminuir a dependência da Rússia.

Em relação à indústria chinesa, um dos setores que estão no radar do Exército brasileiro é de drones, em que o país asiático tornou-se um dos fabricantes mais competitivos do mundo, superando os EUA. De acordo com o Instituto de Pesquisa da Paz de Estocolmo, que monitora a transferência de armamentos, a China entregou quase 300 veículos não tripulados para 17 países na última década, tornando-se o maior exportador desse tipo de equipamento no mundo.

Motivo de ansiedade em muitos países do Ocidente e também da vizinhança, o fortalecimento militar da China a cada ano é visto com naturalidade no alto comando do Exército brasileiro, que o considera consequência natural da ascensão do país asiático e do crescimento significativo de sua economia e papel geopolítico nos últimos anos.

Sobre o recente anúncio de que os EUA terão uma base naval no sul da Argentina, assim como os supostos indícios de atividade militar da China numa estação espacial no país, a posição da cúpula militar brasileira é clara: ambas são ruins, pois o continente sul-americano deveria evitar interferências externas, seja de que país for.

O GLOBO

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *