Governo descumpre prazo da GLO para modernizar atuação de Forças Armadas e PF em portos e aeroportos

Medida foi tomada na esteira de críticas à gestão da segurança pública pelo governo federal, tema que apareceu em avaliações negativas da gestão Lula


VINÍCIUS VALFRÉ

BRASÍLIA – O governo não cumpriu o prazo dentro do qual deveria ser apresentado um plano de modernização tecnológica capaz de dar mais eficiência à atuação das polícias federais e das Forças Armadas em portos, aeroportos e fronteiras. A elaboração de um documento para essa finalidade até fevereiro era uma das determinações previstas no decreto do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) que autorizou uma operação localizada de Garantia da Lei e da Ordem (GLO), em novembro.

O último artigo do decreto determinava que os ministérios da Justiça e da Defesa apresentassem, dentro de 90 dias, um “plano conjunto de modernização tecnológica que amplie a eficiência da atuação da Polícia Federal, da Polícia Rodoviária Federal, da Polícia Penal Federal, do Comando da Marinha, do Comando do Exército e do Comando da Aeronáutica, em portos, aeroportos e fronteiras”. Até hoje, o plano não está concluído.

Procurado, o governo afirmou que o atraso se dá em virtude da troca de comando no Ministério da Justiça e que o plano exigido pelo decreto deve ser apresentado “nos próximos dias”. A medida que instituiu a GLO também teve a assinatura do então ministro Flávio Dino e do ministro da Defesa, José Mucio. Dino foi substituído por Ricardo Lewandowski depois de ser escolhido para uma vaga no Supremo Tribunal Federal.

Os motivos apresentados pelos ministérios à reportagem para explicar o atraso trazem informações conflitantes sobre os trâmites para a elaboração do plano conjunto. Conforme o decreto de Lula, um plano conjunto elaborado pelos dois ministérios deveria ser remetido à Casa Civil até 1º de fevereiro.

O Ministério da Justiça informou que a entrega do plano conjunto chegou a ser prevista para 30 de janeiro, o que não se confirmou porque era a reta final da gestão Flávio Dino. Ele ficou no cargo até o dia 31. A pasta destacou, ainda, que o então ministro “chegou a receber o documento para validação”, mas, com a transição em andamento, “optou por fazer o repasse ao sucessor” para que Lewandowski “tivesse a oportunidade de avaliar e, eventualmente, readequar as diretrizes”.

Já a Defesa informou que enviou um plano assinado e enviado ao Ministério da Justiça no primeiro dia de Lewandowski à frente da pasta. “Em 1º de fevereiro de 2024, o plano foi assinado pelo Ministro da Defesa e encaminhado para assinatura do Ministro da Justiça e Segurança Pública, para posterior encaminhamento à Casa Civil”, diz a nota.

A reportagem solicitou à Casa Civil acesso aos documentos, com base na Lei de Acesso à Informação (LAI). Ao negar a solicitação, a pasta do ministro Rui Costa confirmou que não estão concluídos.

“Embora apresentado pelo Ministério da Defesa, o plano conjunto de modernização tecnológica ao qual se refere o art. 5º do Decreto nº 11.765/2023, ainda não foi validado pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública”. A resposta não cita alargamento de prazo nem motivos pelos quais a elaboração teria atrasado.

Em nota, o Ministério da Justiça disse também que pediu prorrogação do prazo à Casa Civil “para que as novas equipes do ministério pudessem avaliar o seu conteúdo, ação que está em fase final de realização”. A assessoria conclui informando que, “nos próximos dias, as áreas técnicas encaminharão o plano para a validação do ministro Ricardo Lewandowski, que efetuará posterior envio à Casa Civil”.

Antes mesmo de tomar posse, o ministro Ricardo Lewandowski prometeu “continuidade” ao trabalho de Flávio Dino.

“Não é bem transição, é uma continuidade. O governo é o mesmo”, disse, antes de prosseguir. “Vamos imprimir uma continuidade ao excelente trabalho desenvolvido pelo ministro Flávio Dino e sua equipe. Claro que poderá haver pequenas ajustes, mas continuaremos esse trabalho e estamos muito honrados de poder fazê-lo”, disse, em 22 de janeiro. Na ocasião, o presidente Lula assinou a nomeação dele, com validade a partir de fevereiro.

Questionado também sobre o que consta no documento que elaborou, o Ministério da Defesa disse que são “materiais e equipamentos que constituem legados de caráter permanente para a atual Operação da Garantia da Lei e da Ordem (GLO), assim como para futuras operações que forem necessárias em outros portos, aeroportos e áreas de fronteira”.

Após a publicação da reportagem, a Casa Civil enviou uma nota na qual afirma que os ministérios poderão apresentar o plano conjunto até 3 de maio, no limite da validade da GLO, mas que um novo prazo poderá ser definido em caso de prorrogação da operação.

“Até esta data, em decorrência das especificidades na construção conjunta, caberá ao Ministério da Defesa e ao Ministério da Justiça e Segurança Pública apresentarem o plano de modernização tecnológica ou, na hipótese de eventual prorrogação do Decreto nº 11.765/2023, estipularem novo prazo para sua apresentação”, informou.

GLO decretada por Lula foi resposta à crise de segurança
A GLO é restrita aos portos de Santos (SP), Itaguaí (RJ) e Rio de Janeiro (RJ) e aos aeroportos do Galeão (RJ) e de Guarulhos (SP). Homens das Forças Armadas foram mobilizados para esses terminais para atuar no “fortalecimento do combate ao tráfico de drogas e de armas e a outras condutas ilícitas, por meio de ações preventivas e repressivas”. O decreto vale até o início do mês que vem, mas o governo avalia a operação como positiva e estuda ampliá-la ao Nordeste.

A medida foi tomada na esteira de críticas à gestão da segurança pública pelo governo federal, tema que apareceu em avaliações negativas da gestão Lula. Dias antes, a crise escalou especialmente no Rio de Janeiro, onde o crime organizado havia incendiado 35 ônibus e um trem na zona oeste da capital fluminense em represália à morte de um miliciano em confronto com a polícia.

A decisão de colocar as Forças Armadas para atuar diretamente em questões relacionados à segurança pública tem a eficácia questionada por especialistas em segurança pública. Para pesquisadores, a medida não tem efeito de longo prazo e dá aos militares uma atribuição de atuar em locais e condições para os quais não são treinados.

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