Primeira etapa da ação inutilizou 38 mil litros de diesel, 200 motores e 114 quilos de mercúrio
Alice Cravo
Brasília – O governo federal identificou cinco áreas sensíveis que permitem a manutenção de garimpeiros ilegais na terra indígena Ianomami: atividade aérea clandestina, gerenciamento de postos de gasolina, mercado do mercúrio, compra do ouro e o serviço de alimentação dos exploradores. No novo ciclo de operações, a ideia é atacar as bases de esquemas criminosos e sufocar essas atividades.
A megaoperação acontece na esteira do lançamento da Casa de Governo, localizada em Roraima, após as ações emergenciais de 2023 não conseguirem impedir a atividade dos garimpeiros. Inaugurada em fevereiro, a estrutura será usada para coordenar as novas ações, que acontecerão de maneira simultânea em várias frentes, dentro e fora da terra indígena.
A estratégia é estar mobilizado de maneira contínua. Ao longo do último ano, foi constatado que os garimpeiros retornavam para a terra indígena nos intervalos das ações emergenciais. Por isso, a ideia é não repetir os mesmos erros.
Ao GLOBO, o diretor da Casa de Governo, Nilton Tubino, afirmou que o esforço para a retirada dos garimpeiros só funcionará se essas atividades ilegais forem combatidas. A nova abordagem já tem sido colocada em prática desde o começo de abril.
Até o fim da semana passada, o governo conseguiu inutilizar 38,4 mil litros de óleo diesel e 6,6 mil litros de gasolina de aviação, combustíveis que seriam usados pelo garimpo ilegal. A Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis do Brasil (ANP) realizou a fiscalização de nove pontos de abastecimento e 15 postos revendedores de combustíveis e conseguiu aplicar 19 autos de infração, três autos de interdição e 26 notificações. Além disso, 180 pistas de pouso clandestinas foram identificadas durante as operações, e quatro aeronaves foram destruídas.
— Em uma fiscalização (na sexta pela manhã) pegaram em flagrante um homem carregando querosene em galão para dentro da terra indígena. Estamos fazendo o trabalhando de formiguinha e o esforço do mapeamento, porque sem esse apoio logístico o garimpo mingua — afirmou Tubino.
O trabalho de inteligência e repressão, que mobiliza uma equipe de 343 pessoas, também já conseguiu apreender 200 motores, 36 geradores de energia e desmontar 49 acampamentos entre os dias 4 de março e 10 de abril, período da primeira fase da megaoperação.
Em uma das frentes, a Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC) conseguiu fiscalizar 121 aeronaves, com duas apreensões. Houve ainda a destruição de 12 balsas e a apreensão de outras três.
Tubino explica que o objetivo do governo é transformar essa logística de suporte ao garimpo em “antieconômica”. Ou seja, quanto mais caro ficar para manter os garimpeiros na região, menos exploração haverá no território Ianomami.
— A lógica é sufocar e não ter viabilidade econômica. O enfrentamento fora da terra indígena requer um esforço de ir nos postos de gasolina, ver as rotas de distribuição, um monitoramento de venda de combustíveis pela ANP, entre outras ações de inteligência e repressão. O território é imenso, então tem o desafio de fazer o sufocamento em várias frentes.
O governo já identificou que o lucro das atividades ilegais varia de acordo com a intensidade do combate ao crime na região. Um voo, por exemplo, chegou a custar R$ 10 mil reais durante as ações emergenciais no último ano. Um piloto conseguia ganhar R$ 200 mil por mês e cozinheiras arrecadavam R$ 2 mil por garimpeiro.
Outras frentes de combate
Na tentativa de impedir a entrada de garimpeiros na terra indígena por vias fluviais, o governo quer construir “muros” em pelo menos 2 pontos: rio Mocajaí e Uraricoera. O objetivo é que os pontos de acesso sejam fiscalizados de maneira contínua por agentes de segurança. A medida ainda está na fase de estudo técnico.
O Exército também conseguiu liberar boa parte dos militares alocados na região para o trabalho de combate direto aos garimpeiros, fortalecendo as ações. Antes, o efetivo estava concentrado na distribuição de cestas de alimento. Agora, no entanto, esse trabalho será feito por uma empresa privada contratada pelo Ministério dos Povos Indígenas, a Ambipar Flyone Serviço Aéreo Especializado. O contrato custou R$ 185 milhões e as ações serão acompanhadas por fiscais da da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (FUNAI). O governo espera distribuir 8 mil cestas por mês de alimentos pelos próximos 12 meses.
A crise humanitária dos Ianomamis foi um dos principais pontos de pressão no governo federal em 2023. Ao longo de todo ano, foram realizadas ações emergenciais envolvendo diversos ministérios, mas o modelo não permitiu o retorno dos invasores.
Um dos pontos mais críticos foi a divulgação do número de mortes de Ianomâmis em 2023. Ao todo, 363 óbitos foram registrados, número maior do que do último ano do governo do ex-presidente Jair Bolsonaro. A gestão Lula entende que isso já era esperado, já que havia subnotificação pela última gestão e as operações de 2023 permitiram acesso a mais áreas e mais povos.