Navio hidrográfico da Marinha abrigou prisioneiros da ditadura em Rio Grande

Quartel da 1ª Divisão de Exército, na Vila Militar — Foto: Marcia Foletto

 

O comandante do Canopus-H22 era o almirante Maximiano da Fonseca, que viria a ser ministro da Marinha no governo de João Figueiredo

Até um navio de pesquisas marítimas serviu como prisão para os que se opuseram à ditadura militar. Em abril de 1964, logo após o golpe que depôs o presidente João Goulart, a embarcação Canopus-H22, da Marinha do Brasil, ancorou no porto de Rio Grande com a missão de trancafiar 19 prisioneiros políticos.

Construído em 1958 pelo estaleiro japonês Ishikawajima (Tóquio), o Canopus – referência à constelação que tem o formato de uma quilha – fazia levantamentos científicos na costa gaúcha, de Torres a Chuí, quando foi deslocado com urgência para Rio Grande. Com 78 metros de comprimento e capacidade para 1,9 mil toneladas, era comandado pelo almirante Maximiano da Fonseca, que depois foi ministro da Marinha no governo de João Figueiredo, o último dos militares, entre 1979 e 1985.

Há versões opostas sobre se os prisioneiros foram torturados dentro do Canopus na cidade portuária, que não teria celas nem equipamentos de suplício. O jornalista e escritor Willy César Ferreira, que pesquisou o episódio para um livro sobre a história de Rio Grande, não encontrou registros de violências e agressões. Observa que os tripulantes eram militares e cientistas, e não interrogadores treinados para arrancar confissões por meio de métodos cruéis.

– As pessoas foram bem tratadas, dentro do possível. Ninguém lá era torturador – afirma.

A utilização do Canopus como prisão móvel foi um dos tantos erros da ditadura. Willy César destaca que o navio “foi demonizado” por ser envolvido na repressão. Não era uma nave de combate ou defesa, somente de pesquisas, para coletar dados do litoral e sinalizar hidrovias.

Um dos detidos na embarcação foi o vereador e capitão Athaydes Rodrigues, já morto. Apontado como agitador comunista, foi preso na casa onde morava, em Rio Grande, assim que ocorreu o golpe de Estado, e levado ao tombadilho do Canopus.

Nando Ribeiro, atual vereador na cidade pelo PC do B, assegura que Athaydes padeceu dentro do Canopus – ao contrário de outras interpretações. Conta que, para não enlouquecer no porão do navio, escreveu um livro intitulado Como Calcular com Rapidez, para exercitar suas habilidades em matemática.

– Depois, ele escreveu outro livro, Agora Eu!, onde conta todos os tormentos passados no Canopus e na prisão em Porto Alegre, para onde foi deslocado – diz Ribeiro.

Cidade era estratégica por ser porto marítimo
A ditadura se preocupava com Rio Grande em função de ser a sede do único porto marítimo do Estado. Tanto que virou área de segurança nacional, sendo governada por interventores até o final do regime militar. O alvo de 1964 era o prefeito Farydo Salomão, simpatizante declarado de Leonel Brizola e João Goulart. Nesse ponto da história da cidade, também há divergências. Willy César garante que Salomão não foi encarcerado no navio hidrográfico.

– Ele recebeu voz de prisão e foi conduzido por um major até a Capitania dos Portos. Isso sepulta de vez a lenda urbana de que Farydo fora levado para o Canopus – declara o pesquisador.

A função do Canopus era isolar autoridades e intelectuais suspeitos de conspiração. O vereador Nando Ribeiro diz que não queriam misturá-los com os demais prisioneiros comuns, detidos em terra, porque teriam influência sobre eles.

– Temiam que eles pudessem fazer uma rebelião, estimular um movimento dentro do presídio – diz o parlamentar.

Altamente politizados e adeptos de Brizola, líderes ferroviários também acabaram na embarcação oceanográfica. Numa dissertação de mestrado pela Universidade Federal de Pelotas (UFPel), Lidiane Elizabete Friderichs localizou quatro deles. O ferroviário Miguel Gomes, na época vice-presidente do PTB de Rio Grande, narrou como foi a prisão:

– Nos levaram numa lancha para o Canopus. Estivemos 30 e poucos dias lá. Daí nos trouxeram para o quartel da Brigada, porque esse navio tinha que zarpar para o Rio de Janeiro.

O Canopus zarpou de Rio Grande no final de abril de 1964. Não se sabe qual foi a tarefa seguinte. Foi aposentado em 1997, após 39 anos de serviços prestados – um deles constrangedor para a biografia que inclui 126 expedições hidrográficas e mais de 658 mil milhas navegadas.

GZH – Edição: Montedo.com

Respostas de 10

  1. Os que ali nao foram mantidos, foram levados ao topo da ilha das cobras, onde hoje está o Hospital Central da Marinha e o Presídio Naval e ali sofreram o”pao que o Diabo amassou”.

  2. Vixe, nos anos 90 quase servi nesse navio, fui para o navio hidrográfico almirante câmara e Também já fiquei 5 dias no baileu do presídio Naval.
    E o salario ó

  3. 1964, Contra revolução que não permitiram a ascensão do comunismo no país! Não adianta quererem mudar a história! Erro foi permitir que os terroristas voltassem para o país e continuarem a buscar instalar uma ditadura do proletariado! Isso sim é uma temeridade!

  4. Servir no NHI Canopus em 1978 e ele era considerado o melhor navio hidrográfico da época ele era um navio de pesquisa e não tinha armamento e nem local para servir de prisão e o Almirante Maximiliano foi um dos mais justo e competente que conheci.

    1. Nossos terrorista eram sereis inocentes que não fizeram nada .
      Por muito menos tem um monte de brasileiros sendo julgados e presos pelo 8 de janeiro .
      A nossos revolucionário eram todos anjinhos.
      Toda história tem duas versões , pq não mostram os roubos e homicídios dos revolucionário??

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