“PEC é oriunda do meio militar. Não tem nada com o PT ou com a esquerda”, diz relator

Golpistas de 8/1: como despolitizar o Exército? Entenda a sinuca do Planalto

Com disciplina e hierarquia afetadas pelo envolvimento de oficiais das Forças Especiais na tentativa de golpe, as Forças Armadas vivem sua maior crise depois da ditadura: governo e Congresso discutem como acabar com a cultura do golpismo para adequar os militares à democracia, despolitizando os quartéis

A impressionante capacidade de Jair Bolsonaro destruir instituições atingiu em cheio o Exército que, cindido pela politização extremista, vive a mais séria crise nos 39 anos que separam a ditadura da democracia. Ao arrastar os militares para a aventura golpista, o ex-presidente mexeu no ponto mais sensível aos militares: a disciplina e a hierarquia, princípios que, conforme demonstrou a operação Tempus Veritatis da Polícia Federal, foram quebradas sem escrúpulos por um grupo de oficiais e agentes das Forças Especiais do Exército flagrados em ações ilegais na tentativa de golpe de Estado no dia 8 de janeiro de 2023.

Na avaliação de um general da reserva que já integrou o Alto Comando do Exército, ouvido por ISTOÉ, o envolvimento com as ações clandestinas e os ataques contra companheiros de farda que não aderiram ao delírio golpista agrediram a ética militar, “ferindo de morte” princípios que norteiam o militarismo como instituição, baseada na confiança entre seus integrantes. Para esse militar, “não há Forças Armadas sem valores”.

A primeira iniciativa do Palácio do Planalto e da cúpula militar para mexer na estrutura das forças é a PEC 42, de autoria do senador Jaques Wagner (PT-BA), líder do governo. A proposta manda automaticamente para a reserva militar que registrar candidatura, e não mais apenas depois de eleito ou sem restrição de retorno aos quartéis em caso de fracasso nas urnas, como é atualmente.

Jaques Wagner disse à ISTOÉ que apresentou a PEC a pedido da cúpula militar. “Nós passamos por um período de exceção de quatro anos, de politização das Forças Armadas. Depois do 8 de janeiro, os próprios comandantes militares disseram: ‘nós precisamos fazer um processo de desmame’. Se o militar fez a opção de se candidatar, ok, tudo bem, mas não volta para a ativa”, explica o líder do governo.

Segundo ele, pelas regras atuais, não eleito, o militar volta para a caserna levando a política na bagagem. “Alguém faz campanha sem xingar o general ou o presidente da República? Eu assinei uma PEC que é oriunda do meio militar. Não tem nada com o PT ou com a esquerda”.

Despolitizando os quartéis
O líder do governo queria uma tramitação rápida da matéria, mas assim que leu a proposta, o senador Hamilton Mourão (Republicanos-RS) conseguiu aprovar um requerimento submetendo a matéria a duas sessões temáticas (ele queria quatro).

Jaques Wagner acha que política e carreira militar são coisas distintas. “Militares não devem tomar parte da política. São feitos pra cumprir a Constituição”.

Mourão, que como vice chegou a afirmar que quando “a política entra pela porta da frente dos quartéis, a disciplina e a hierarquia saem pela porta dos fundos”, agora entende que a PEC é revanchista, cerceia a liberdade e discrimina os militares da ativa que, se não tiverem 35 anos de carreira, vão para a reserva não remunerada sem direitos.

Ele afirma que essa restrição não ocorre em outras carreiras de Estado, como bombeiros, policiais e magistrados.

O comandante do Exército, general Tomás Paiva não invocou as leis da caserna e nem criou qualquer obstáculo para que a PF prendesse os coronéis Bernardo Romão Correia Neto, Marcelo Câmara e o major Rafael Martins, das Forças Especiais do Exército, os chamados Kids Pretos, golpistas da linha de frente, enquadrados pelos crimes de tentativa de golpe e abolição violenta do Estado de Direito.

No auge das tratativas golpistas, Paiva fez uma visita ao ex-comandante do Exército, Eduardo Villas Bôas e, em tom áspero, cobrou lucidez para impedir que a tropa embarcasse com Bolsonaro no golpe.

Villas Bôas apoiava Bolsonaro e os acampamentos em frente aos quartéis. Até agora foram identificados 16 militares envolvidos diretamente com a tentativa de golpe, todos eles liderados, segundo a PF, pelo general Walter Braga Neto, ex-chefe da Casa Civil e candidato a vice de Bolsonaro.

Novos indícios levantados nas investigações colocam Braga Neto no topo da articulação golpista, inclusive com empresários do agro, mas reforçam também a participação dos generais Augusto Heleno, Paulo Sérgio Nogueira, ex-ministro da Defesa, Eduardo Pazuello, que foi ministro da Saúde e atualmente é deputado, e do almirante Almir Garnier Santos, ex-comandante da Marinha.

Os depoimentos e análise do material apreendidos nas buscas apontam para o envolvimento de outros militares que até agora não apareceram e revelações de oficiais de alta patente, como o general Estevam Theóphilo, ex-comandante da força terrestre, que admitiu formalmente ter participado das tratativas sobre o decreto golpista com Bolsonaro.

Ele fez à PF uma surpreendente revelação: afirmou que se Bolsonaro tivesse assinado o decreto, daria o golpe passando por cima do então comandante do Exército, general Freire Gomes.

A íntegra do depoimento de Theóphilo, mantida em sigilo, é considerada como uma reveladora confissão que compromete Bolsonaro com a elaboração do texto de um decreto editando o Estado de Defesa.

Ainda que não tenha concordado com o que o ex-presidente queria, Freire Gomes, que deve ser ouvido em breve pela PF, também cometeu crime: ele participou das discussões e deu corda as golpistas quando tinha a obrigação de prender os militares que o assediavam para aderir ao golpe.

O ex-comandante deve ser indiciado por prevaricação. Na avaliação da PF, um novo depoimento de Cid e um provável acordo de delação dos oficiais presos deve esclarecer o real papel exercido por integrantes das três forças na tentativa de ruptura institucional.

Especialistas
Na avaliação de especialistas, com o que já foi revelado pela operação da PF, governo e Congresso cria clima adequado para redefinir o papel dos militares, colocando uma tranca na cultura do golpismo que, como se viu nos dois meses finais de 2022, não havia sido extinta no período pós-ditadura como a maioria da classe política acreditou.

Na Câmara, uma PEC de autoria do deputado Ricardo Zarattini (PT-SP), que propõe um novo texto ao artigo 142 da Constituição, para eliminar interpretações que possam considerar, equivocadamente, as Forças Armadas como poder moderador, deve voltar à tona depois que o Congresso decidir sobre a proposta de Jaques Wagner.

Professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), o historiador Francisco Teixeira diz que esse é o momento adequado para mudanças. “É preciso estabelecer com clareza a missão das Forças Armadas, que devem cuidar da soberania do país da fronteira para fora. Não é mais possível manter o artigo 142, que dá aos militares o poder de garantir os poderes constitucionais, que é função dos civis. É a hora de desconstruir a cultura da tutela e de papel moderador que pertenciam ao imperador e foram assumidos pelos militares com a proclamação da República”.

ISTO É – Edição: Montedo.com

10 respostas

  1. Se duvidar já pensaram Até em reformular a carreira e as promoções.
    é simples, basta olhar para a carreira das PF/PRF e suas atribuições e ver como essas instituições não foram “politizadas” como as FAA e nossa cúpula. Aí ja aproveitam e Enxugam a folha salarial também.

    Eles estão com a faca e o queijo na mão, podem fazer tudo que a opinião pública vai apoiar.

    Revanchismo não, Despolitização.

  2. não foi “oriunda do meio militar”.

    Ela pode ter sido encaminhada pelo ministro da Defesa que é um político ligado e subserviente ao PT.

    Se saiu do ministério da Defesa, chefiado por um político “profissional”, não quer dizer que saiu do meio militar – no sentido de que foram os militares que a elaboraram e apresentaram.

    E outra: os comandantes das Forças concordaram, simplesmente, porque estão numa fase de concordar com tudo do governo do momento em prol da “imagem das Forças”, que para eles é mais importante que o soldado saber atirar.

  3. Dentre as atribuições previstas para o Poder Moderador na CF de 1824, a defesa do Império não era uma delas, mas do poder executivo.

    De acordo com a CF 88, as forças armadas, constituídas da Marinha, Exército e Aeronáutica, são instituições da administração pública direta, órgãos subordinados ao ministério da defesa, pertencente ao poder executivo, não vejo a mínima possibilidade dos seus agentes públicos ou a instituição serem considerados um “poder moderador”.

    Esse direito de utilizar as “forças armadas” para estabelecimento da lei e da ordem não poderia ser autorgado a nenhum de seus membros, principalmente por não terem a prerrogativa de representar os interesses concedidos aos representantes do povo que estão no poder judiciário, executivo e legislativo.

    Quem interpretar as Forças Armadas com um poder moderador, está utlizando-as com um instrumento político, nada mais que isso.

    CONSTITUIÇÃO POLITICA DO IMPERIO DO BRAZIL (DE 25 DE MARÇO DE 1824)

    Art. 101. O Imperador exerce o Poder Moderador

    I. Nomeando os Senadores, na fórma do Art. 43.

    II. Convocando a Assembléa Geral extraordinariamente nos intervallos das Sessões, quando assim o pede o bem do Imperio.

    III. Sanccionando os Decretos, e Resoluções da Assembléa Geral, para que tenham força de Lei: Art. 62.

    IV. Approvando, e suspendendo interinamente as Resoluções dos Conselhos Provinciaes: Arts. 86, e 87. (Vide Lei de 12.10.1832)

    V. Prorogando, ou adiando a Assembléa Geral, e dissolvendo a Camara dos Deputados, nos casos, em que o exigir a salvação do Estado; convocando immediatamente outra, que a substitua.

    VI. Nomeando, e demittindo livremente os Ministros de Estado.

    VII. Suspendendo os Magistrados nos casos do Art. 154.

    VIII. Perdoando, e moderando as penas impostas e os Réos condemnados por Sentença.

    IX. Concedendo Amnistia em caso urgente, e que assim aconselhem a humanidade, e bem do Estado.

    Art. 148. Ao Poder Executivo compete privativamente empregar a Força Armada de Mar, e Terra, como bem lhe parecer conveniente á Segurança, e defesa do Imperio.

  4. Cara o brasileiro, que não tem seus direitos políticos, garantido é um cidadão de terceira categoria. Militar que é contra isso não sabe que esta sendo manipulado e ficando nas mãos dos malignos.

  5. Solução definitiva para despolarização e despolarização das FFAA. Diminuam o efetivo total respeitando as atividades funcionais especiais já pro ano que vem. Reformulem todas as carreiras das Forças alinhadas com o Estado Brasileiro. Façam como os países Vanguadeiros invistam em pessoal permitindo ascenção funcional e salarial. Reduzam essa quantidade absurda de gente que não faz nada e não serve pra nada. Estimulem o pessoal a ir pra reserva remunerada para evitar a cauda previdênciaria alongada. Sargento vai até Capitão por merecimento sempre e Oficial vai até General por merecimento sempre. Antiguidade só pra museu. Nenhum militar se envolverá mais com política se deixar eles longe dela. Mas para isso tem que valorizar os caras. Exército profissional ganha bem. Exército amador vive de foto e mídia.

  6. Com um efetivo gigantesco de militares da ativa reserva pensionistas e seus familiares e não querem que essa massa seja politizada?

  7. Será que nesta mesma pec estão propondo a mudança de nome dos postos e graduações?
    Tipo Leneral< loronel, Lenente-loronel, Lajor, Lapitão, Sublenente, Largento, Labo e Loldado.
    Aí sim poderiam concorrer a cargo político, sem ser licenciados ou transferidos para reserva?

    1. Engraçado…mas general ocupar cargo público civil com teto duplex pode né!!!

      Bando de demagogo!!!

      Tropa com comando mas sem liderança!

      A Tropa precisa de VALORIZAÇÃO = SALÁRIOS DIGNOS!!!

      Olhem as PM!!

      Foi só passar a pagar salários descentes que acabaram as Greves, digo, Motins!!

      Militar com salário digno não quer saber de porcaria de política!! O RESTO É BALELA!!

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