Militares envolvidos são detidos por colegas e alguns podem responder a Inquéritos Policiais Militares (IPMs) por crimes como omissão
HUMBERTO TREZZI
A operação Tempus Veritatis (Hora da Verdade), deflagrada pela Polícia Federal na semana passada, mirou 16 militares da ativa e da reserva por envolvimento em tentativa de golpe de Estado. O que poucos sabem é que, mesmo de forma discreta, as Forças Armadas têm colaborado com os policiais. Num primeiro momento, a ajuda é física-institucional: militares do Exército acompanharam as buscas e apreensões realizadas pelos federais em residências e locais de trabalho dos suspeitos.
Mais do que isso. Quatro dos militares tiveram a prisão preventiva decretada e militares do Exército participaram da detenção dos colegas. Esses oficiais têm direito a permanecerem detidos em unidades das Forças Armadas, para não serem misturados com a massa carcerária. Estão recolhidos no Batalhão da Polícia do Exército e no Batalhão da Guarda Presidencial, em Brasília. Inclusive foram militares do Exército que escoltaram desde os Estados Unidos um dos presos, trazido ao Brasil para responder às acusações judiciais, o coronel Bernardo Romão Correa Neto.
Essa colaboração é a parte visível da colaboração das Forças Armadas com a PF, registrada inclusive em nota oficial do Centro de Comunicação Social do Exército (Cecomsex), nesta semana: “O Exército, enquanto instituição que prima pela legalidade e pela harmonia entre os demais entes da República, vem colaborando com as autoridades policiais nas investigações conduzidas. As providências, quando necessárias, serão tomadas em conformidade com as decisões jurídicas acerca do assunto”.
Existe uma faceta do entrosamento entre militares e policiais que ainda nem começou. É que, além de responderem a inquérito policial federal, os oficiais suspeitos de tramarem golpe de Estado poderão responder a Inquérito Policial Militar (IPM), que vai apurar se cometeram infrações militares.
O Exército inclusive já puniu três militares por participação nos atos antidemocráticos de 8 de janeiro de 2023, por ofensas proferidas por eles ao alto escalão das Forças Armadas. Eles respondem por indisciplina, já que não foram flagrados praticando baderna. Mas agora a questão é mais delicada. Alguns oficiais, inclusive generais, são investigados pela PF por conspirarem contra o Estado democrático de direito e cogitarem um golpe de Estado.
O julgamento por esses dois crimes, em si, é de competência do Supremo Tribunal Federal (STF). Mas eles podem também responder por pelo menos um delito na esfera militar. É um dos chamados “crimes comissivos por omissão”. O mais conhecido é o Dever de Agir, previsto no artigo 29 do Código Penal Militar (CPM).
Conforme esse artigo, policiais e militares têm o dever jurídico de agir quando deparam com um crime. Seria o caso de oficiais que participaram de reuniões do governo federal em que se cogitou ou planejou ruptura da ordem democrática. A operação Tempus Veritatis, da PF, inclui vídeos de encontros ministeriais coordenados pelo então presidente Jair Bolsonaro (PL) nos quais participantes falam em “virar a mesa” e agir “antes das eleições” para impedir a vitória de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) nas urnas.
Alguns dos 16 militares investigados pela PF na operação Tempus Veritatis participaram dessas reuniões. Tudo indica que só responderão perante do Código Penal Militar após a investigação da PF ser concluída — aí seria feito nos processos judiciais o compartilhamento de provas, como gravações e cópias de mensagens. O certo é que a cúpula do Exército garante que não colocará panos quentes no assunto. “Militar ou civil, ninguém está acima da lei”, tem dito o comandante do Exército, general Tomás Paiva, a respeito da suspeita de envolvimento de fardados no preparo de atos golpistas.