Exército também contratou ferramenta usada pela Abin para monitoramento ilegal

Operação Última Milha apreendeu documentos na sede de empresa israelense em Florianópolis

Por Malu Gaspar, Johanns Eller e Rafael Moraes Moura — Rio e Brasília

A Polícia Federal (PF) encontrou nesta sexta-feira (20) evidências de que o Exército Brasileiro também contratou o software israelense utilizado pela Agência Brasileira de Inteligência (Abin) num esquema de monitoramento ilegal de adversários do governo Jair Bolsonaro.

Os documentos foram colhidos em uma busca e apreensão em Florianópolis (SC), na sede da Cognyte, fornecedora do programa que está na mira da operação deflagrada hoje pela PF.

Ao todo, a PF cumpriu 25 mandados de busca e apreensão e prendeu dois ex-agentes da Abin no âmbito da operação Última Milha. Outros 20 suspeitos de operar o mecanismo de forma irregular também são investigados. Todos os suspeitos foram intimados para prestar depoimentos simultâneos na sede da PF em Brasília.

O programa First Mile, que permite rastrear a localização das pessoas por meio dos metadados fornecidos pelas antenas de celular a torres de telecomunicações, é uma das ferramentas de espionagem fornecidas pela empresa israelense.

Em março passado, o GLOBO revelou que o software vinha sendo usado para monitorar a localização de milhares de pessoas sem autorização judicial, sob a alegação de necessidade por “segurança de Estado”. Na época, a Abin era comandada por Alexandre Ramagem, atual deputado federal do Rio de Janeiro pelo PL.

O diretor de operações da Abin, na época, era Paulo Maurício Fortunato, que continuou na agência no governo Lula como diretor de logística – responsável justamente pelas compras de sistemas operacionais. Nas buscas de hoje, a PF encontrou US$ 171 mil em espécie na casa de Fortunato.

Durante as investigações, a PF constatou que os jornalistas, advogados, servidores públicos e políticos vistos como adversários de Bolsonaro foram vigiados sem autorização judicial. Há suspeita inclusive de que ministros do Supremo estivessem sendo espionados.

De acordo com fontes da PF, no material apreendido na sede da Cognyte nesta sexta-feira foram recolhidos documentos que comprovam que esse mesmo software também foi fornecido ao Exército.

O “First Mile” foi comprado pela Abin por R$ 5,7 milhões de reais sem licitação no final do governo Michel Temer, mas, até agora, só se sabia que a Cognyte também tinha contratos de R$ 4 milhões com o Exército.

A informação foi publicada em agosto passado pela Agência Pública, que não conseguiu nem confirmar com o Exército os termos do contrato e nem que ferramentas estavam incluídas. Também não foi possível saber quem, dentro do Exército Brasileiro, tinha acesso aos programas e ferramentas da Cognyte.

A dúvida foi esclarecida agora nas buscas da PF em Florianópolis.

A equipe da coluna encaminhou perguntas sobre o contrato com o Exército nesta tarde. Em resposta, o Centro de Comunicação da instituição informou que não fornecerá mais detalhes por se tratar de informações sensíveis de inteligência.

Na operação deflagrada na manhã desta sexta-feira, a PF constatou que, entre 2019 e 2021, a Abin realizou mais de 33 mil monitoramentos via First Mile.

Só que os agentes só conseguiram encontrar no “controle de operações” da Abin dados referentes a 1.800 monitoramentos. Os outros 31.200 registros teriam sido apagados.

A partir do depoimento dos agentes envolvidos no caso, a corporação tenta desvendar quem idealizou a operação irregular, o que foi feito com os dados obtidos ilegalmente, por que as informações foram suprimidas e quem deu a ordem para destruí-las.

Segundo revelou a colunista do GLOBO Bela Megale, um dos alvos da operação da PF é Caio Santos Cruz. Apontado como representante da Cognyte no Brasil, Caio é filho de Carlos Alberto Santos Cruz, general da reserva do Exército e ex-ministro de Jair Bolsonaro.

Segundo fontes da Polícia Federal, os dois agentes presos, Rodrigo Colli e Eduardo Arthur Yzycky, não só participaram do monitoramento como, mais adiante, teriam usado o fato de saberem do uso irregular do sistema para tentar evitar serem exonerados.

O Globo

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