Defesa do país é tratada como algo irrelevante e gerida na base do faz de conta, diz general.

Luiz Eduardo Rocha Paiva
Especial para o UOL
Os problemas relativos à defesa nacional deveriam ser conhecidos pela nação, cliente das políticas e estratégias elaboradas pelos órgãos diretamente responsáveis pelo setor e credora da lealdade das Forças Armadas (FA). Por isso, as informações sobre a situação da defesa do país não podem se restringir às transmitidas pelas fontes oficiais e autoridades governamentais, que jamais questionam as próprias estratégias e omitem deficiências e vulnerabilidades.
O discurso oficial definiu a capacidade de dissuasão extrarregional como propósito da defesa nacional. Então, para não ser um discurso ilusório, o Brasil deveria alcançar um poder militar não necessariamente igual, mas capaz de causar danos significativos a eventuais oponentes que tenham condições de nos agredir ou ameaçar interesses vitais brasileiros.
Poucos países têm poder para entrar em conflito armado prolongado com um Brasil tão distante. A conclusão é simples! As FA nacionais devem ser capazes de dissuadir potências do nível da França ou Grã-Bretanha.
A França é nossa vizinha na Amazônia, a Grã-Bretanha tem forte influência na Guiana (país membro da Comunidade Britânica), e ambas têm manifestos interesses na calha norte do rio Amazonas. Dessa forma, convém comparar as FA francesas, britânicas e brasileiras.
Fonte: Exército, Marinha e Aeronáutica dos países
Quanto aos meios citados nas tabelas, há um imenso hiato desfavorável às nossas FA em modernidade, autonomia tecnológica e industrial, adestramento e disponibilidade de equipamentos. A maior vulnerabilidade do Brasil é não ter sistemas de mísseis antinavio e antiaéreos, havendo outras vulnerabilidades e deficiências graves, das quais seguem apenas algumas:
1. O Ministério da Defesa não implantou um projeto de força conjunto para alinhar o reequipamento e articulação das FA quando elaborou a END (Estratégia Nacional de Defesa), em 2008. Dispersão de esforços!
2. A END não identificou as visíveis ameaças potenciais, como determina o conceito de defesa na Política Nacional de Defesa. Assim, não há como definir padrões a alcançar no desenvolvimento de capacidades que concretizem a dissuasão extrarregional pelas FA.
3. A Política e a Estratégia Militar de Defesa, que deveriam seguir-se à END, estão há seis anos em elaboração, levando ao retardo dos planos operacionais. Defesa não é relevante?
4. Todos os projetos estratégicos de defesa não recebem recursos suficientes para cumprir o cronograma ou eles são contingenciados. Se algum dia forem concluídos já serão antiguidades. Descaso com a defesa!
5. É irrisória a aplicação de recursos em ciência e tecnologia e no desenvolvimento de uma indústria militar com elevada autonomia, e não há perspectiva de ruptura da tendência a negligenciar a defesa do país. O hiato de poder militar vai se agravar!
6. O projeto mais efetivo em dissuasão seria um sistema conjunto de defesa com mísseis antinavio e antiaéreos, coordenado com a segurança cibernética e a inteligência estratégica. Seria capaz de neutralizar ou desgastar uma esquadra agressora antes do desembarque de tropas, causando pesadas baixas ao afundar navios de transporte. Mas este projeto não existe!
7. Nenhuma brigada do Exército Brasileiro dispõe de sistemas operacionais completos, portanto, nenhuma tem condições de entrar em combate convencional em defesa da pátria. Quanto à Marinha e à Aeronáutica, as tabelas, por si só, já são por demais eloquentes. Atenção para caças e submarinos nucleares, pois o brasileiro é para 2022.
8. Para nossos governos, as FA são como agências multitarefas para suprir carências ou incompetências dos órgãos de defesa civil, obras públicas, assistência social, segurança pública e em grandes eventos. Nos últimos anos, foram feitas oito megaoperações de controle de tráfico de drogas e contrabando na faixa de fronteiras, e nenhum exercício de vulto de defesa da pátria. O Brasil acabou se dobrando às diretrizes dos EUA para as FA sul-americanas, formuladas após a Guerra Fria.

Moreira Mariz/Agência SenadoHá quem pense não haver ameaças ao país, pois poucos estudam a história e o jogo do poder entre as potências globaisLuiz Eduardo Rocha Paiva, general da reserva, sobre paradigma existente bna sociedade brasileira

Há quem pense não haver ameaças ao país, pois poucos estudam a história e o jogo do poder entre as potências globais. Estas, em suas documentadas apreciações estratégicas, alertam que os conflitos futuros visarão garantir acesso privilegiado a recursos e controlar ou ter presença militar em áreas de valor estratégico.
São duas causas de conflitos em que o Brasil se enquadra como possível alvo. Portanto, existem ameaças potenciais para as quais seria necessário se preparar desde ontem, pois defesa não se improvisa. Pela dissuasão, se evita a escalada de conflitos e, pela ação ou reação de FA poderosas, se derrota o agressor.
A defesa tem sido debatida nos meios acadêmicos e – algumas vezes – na mídia, mas não é o bastante para a sociedade tomar consciência da relevância do poder militar como fator de segurança e paz.
No Congresso, as comissões de Relações Exteriores e Defesa têm a responsabilidade de alertar a nação sobre os riscos da indigência militar do país. Devem ouvir a opinião de civis e militares da reserva estudiosos do assunto, em audiências públicas, a fim de identificar vulnerabilidades.
Se estas forem relevantes, devem ouvir altos chefes militares da ativa,em audiências reservadas, cujo compromisso será emitir sua própria opinião. É desperdício não conhecer o pensamento de profissionais em quem a nação investiu mais de trinta anos em preparação contínua.
Temas de vital relevância para a defesa da pátria não podem ficar subordinados a interpretações retrógradas sobre hierarquia e disciplina intelectual. Quem os estará questionando é a própria nação, que tem direito à verdade.
Após avaliar as distintas visões, as comissões decidiriam se o Ministério da Defesa deveria ou não ser acionado para justificar as políticas e estratégias adotadas, em audiência reservada, se necessário o sigilo. Com o cenário da defesa descortinado, a sociedade seria informada sobre sua real situação.
A defesa da pátria, missão principal e identidade das FA, é tratada como algo irrelevante e gerida na base do faz de conta por nossos governos desde o início dos anos 1990.
UOL/montedo.com

23 respostas

  1. O militar que está morando na favela,pagando aluguel e empréstimo vai muito se preocupar com "guerra cibernética""hiatos e ditongos tecnológicos".Eu quero é sobreviver e por comida dentro de casa meu irmão!!!!

  2. Concordo !!! As feridas tem que ser expostas de alguma forma para sociedade, independente do mal que causem e para quem, pois se um dia tivermos uma ameaça real e fracassarmos a culpa irá ser SÓ NOSSA.

  3. Ora bolas, General ! O faz de conta já começa nas OM. Faz de conta que o recruta tem instrução, faz de conta que o CFS ensina algumas coisa aos alunos, faz de conta que os militares estão interessados nos cursos de aperfeiçoamento, faz de conta que todos sabem atirar com um mínimo de precisão etc.
    Lá no "andar de cima" (Brasília) é potencializada toda a incompetência e omissão que existe no "andar de baixo" (quartéis). Acho que a única coisa em que as FA são boas é na cobrança da ordem unida, aliás, esta atividade é a que ocupa a maior parte do tempo de instrução dos novos soldados, além de faxina (manutenção das instalações).

  4. Esqueceu de mencionar também que as FA do Brasil é também a mais mal remunerada e desmotivada ao longo destes 20 anos destes governos incompetentes e corruptos que acabaram com as FA junto com os CMTs militares que nada fazem "para não se queimarem" e perderem sua "boquinha" na reserva como este aí da matéria que, uma vez na reserva se transformam em "LEÕES DE PIJAMA" e resolvem por a boca no trombone!Quero ver os da ativa e o SR Ministro da Defesa fazer alguma coisa de concreto pois NÃO ADIANTA INVESTIR SOMENTE NOS EQUIPAMENTOS E ESQUECER DE QUEM VAI OPERÁ-LOS!

  5. AO SR GENERAL(DA RESERVA diga-se de passagem):OS MILITARES DAS FA ESTÃO PREOCUPADOS EM PAGAR OS ALUGUEIS ATRASADOS, QUITAR OS VÁRIOS EMPRÉSTIMOS,QUITAR O CHEQUE ESPECIAL,ARRANJAR VAGA PARA OS FILHOS EM ESCOLAS PÚBLICAS,PAGAR OS JUROS DO CARTÃO DE CRÉDITO E TENTAR SOBREVIVER NA "DEFESA" DO SUSTENTO DA FAMÍLIA MILITAR!POIS A "DEFESA DA TROPA É ALGO IRRELEVANTE E FAZ DE CONTA QUE ESTÁ TUDO BEM"! ISTO TAMBÉM A SOCIEDADE TEM QUE SABER!

  6. faço meus os comentarios acima e, acrescentando, o faz-de-conta também povoam as escolas militares, os cursos de comando, as comissoes navais no exterior etc. Começar uma renovaçao por cima. Sim, porque por baixo já estamos na m… a muito tempo

  7. O Sistema de Saude das Forças Armadas está pra lá de precário, pior que os hospitais publicos.
    Os oficiais generais da ativa só se importam com eles mesmos. Tenho vergonha desse generais omissos e vacas de presépio do governo do PT.

  8. É sempre assim, vai para reserva e aí começa a falar, Sr General da RESERVA, VOCÊ NÃO TEM VOZ, a sua oportunidade acabou quando na ativa, vc não passa de mais um grito na multidão, ano que vem é a vez do Cmt do EB reclamar do governo, vcs não representam a tropa.

  9. Houve aqui na OM uma reunião dos quadros para tratar do MaFEx: Manual de Faxina do Exército. Temas relevantes como o ângulo de ataque do cri-cri, boas práticas no corte de mato, recolhimento sustentável de folhas secas de árvores, a eficiência do poncho-barraca do sub na coleta de detritos e a coleta seletiva sem zaralhos foram tratados. Agora, o tema mais importante foi: o diâmetro-padrão do pingo-de-ouro. Está rindo? Deveria estar chorando, porque, brincadeiras à parte, a reunião aconteceu de verdade e o padrão do pingo-de- ouro é verídico. Posto isso, só posso chegar à conclusão que hiatos tecnológicos só passam a ter importância na reserva, pois quando os nossos "senhores da guerra" estão na ativa, é só a faxina que importa. As coisas só mudarão quando tomarmos 7×1 não em um jogo de futebol, mas em uma guerra, e neste caso seria o placar de 7×0.

  10. No meu batalhão o meu comandante reuniu os quadros, exibiu uma porção de vídeos baixados do youtube, e disse que o exército está em transformação, que em 2030 nós, praticamente, teremos o mesmo padrão do exército americano….sabe de nada inocente rsrsrsrs

  11. O governo acabou com as FFAA, com FUSEX, colocou militares a matar mosquitos da dengue, combater traficantes nos morros, fazer segurança em jogos de futebol, deixou a atualização da defesa do Brasil em um plano chamado esquecimento total. Por outro lado, nossos generais, que estudaram tanto, quando tinham o poder da espada, na ativa, nunca falaram nada, com certeza com medo de perder as boquinhas, transferências e outras benesses. Não temos FFAA e a culpa é dos senhores, pois o governo de agora zomba de vocês, que não tem poder de voz nenhum, ridículos da reserva, do país que não tem poder de dissuasão nenhum também e nem lê vossos queixumes. A moral para reclamar não existe na reserva e na ativa os que lá estão só se locupletam sem ligar para esse negócio de atualização da defesa. Nem dos salários reclamam. E se reclamarem muito ainda ouvirão o seguinte desse governo do faz de conta, preocupado apenas em ser uma nova republiqueta de bananas bolivariana: PORQUE NÃO TE CALAS GENERAL?

  12. A realidade é outra! Nossos generais da Ativa se ocupam com coisas irrelevantes. Aqui na nossa OM estamos nos preparando para a visita do comandante da Brigada. E, os senhores precisam ver o stress causado por essa inspeção. Mandaram-nos arrumar nossos armários; não pode haver tampa de vaso sanitário quebrada ou velha, entre outras coisas irrelevantes. Na minha modesta percepção de praça, penso que um general ao visitar uma OM deve se preocupar em verificar o aprestamento da tropa para o combate, verificar se cada militar possui o seu equipamento em condições, se cada soldadinho sabe atirar e assim por diante. Inspecionar vaso sanitário, armários de praças, corte da grama, pintura de meio-fio é típico de Exército inoperante. Depois, ao irem para a Reserva se transformam em estrategistas!!!

  13. Excelente o comentário do General sobre a situação das Forças Armadas. Agora eu pergunto devem ser forças virtuais, pois, em nenhum momento esse senhor falou que para esse sistema andar existe o homem que o maneja. Em nenhum momento citou que os seus soldados tem um péssimo salário, que grande parte desses soldados com vários anos de serviço estão indo embora para empregos de melhor ambiente e remunerações dignas, em nenhum momento citou que os atuais chefes são omissos e que estão pouco se lixando para o material humano que sobrou nessas forças. Sr General as tropas movem-se pelos seus estômagos e não por balelas.

  14. È, comida na boca do praça, dinheiro pra pagar o aluguel, dinheiro pra pagar a absurda conta de luz, indenização do transporte da bagagem no caso de transferêcia que não dá nem pra levar o colchão, um FUSEX menos humilhante (principalmente pra quem mora no RJ), etc, etc…TUDO ISSO TAMBÉM É TRATADO COMO ALGO IRRELEVANTE !!!

  15. Essa cultura do embuste dos nossos Generais e Coronéis Comandantes é CULTURA PASSADA DE PAI PARA FILHO.
    Quando oficial intermediário, o futuro General sabe que a arrumação da OM e o mascaramento (dos problemas) feito para receber a visita de um General é desimportante, mas mesmo assim ele reproduz o comportamento que em outrora criticava.
    Na rotina da caserna vale mais PARECER SER do que efetivamente SER. É mais importante o Soldado estar bem uniformizado do que bem treinado, é mais importante o quartel está com o meio-fio pintado e a grama cortada do que equipado, e por aí vai… sempre mantendo a estratégia do PARECER SER.
    Os Generais, o "andar de cima" se preocupam com defesa nacional, já nós militares do chão de tropa, do "andar de baixo", nos preocupamos com a nossa sobrevivência pura e simples.
    Gostaria que o General ao invés de ficar comparando quantitativo de submarinos e navios, apontasse os problemas domésticos, pois sem a solução dos mesmos não haverá submarinos ou aviões modernos que motivarão os homens que os dirigirão.
    Exemplo prático, vejam os militares que participam da dita operação de GLO nas favelas do Rio de Janeiro, até agora não vi nenhuma autoridade militar mencionar que o Soldado do Exército que está na favela para substituir a PM ganha menos do que o PM, menos também que o Guarda Municipal do Rio de Janeiro. Ou seja, o Exército que fiscaliza e substitui as PM's nas adversidades tem salário mais baixo do que a PM. Quem pode mais recebe menos. Ilógico!!!!!
    Generais, antes de pretenderem criticar o Governo, resolvam os problemas domésticos dos quartéis, pois na esmagadora maioria das vezes eles se resolvem com mudança de conduta e a edição de meia dúzia de Portarias.

  16. Generais do Exército, os senhores deveriam começar a resolver os problemas pequenos para depois se preocuparem com os grandes. Poderiam começar, por exemplo, a criar medidas fiscalizatórias para impedir que os recursos para o rancho fossem desviados por uma meia dúzia de canalhas que se favorecem em detrimento da tropa e depois servem as porcarias de refeições que vemos no dia a dia, que além de má qualidade são feitas com pouca higiene.

    "Antes de iniciares a tarefa de mudar o mundo, dá três voltas na tua própria casa." (provérbio chinês"

  17. Conheço este General, foi 01 de turma e grande tropeira. E advinhem?
    Não deixaram ele ser promovido à divisão. Assim como Gen Santos Cruz não saiu Exército…
    Viva o EB dos manuais e faxina! E verdadeiros Líderes e Comandantes são chutados pela politicagem!!!!!

  18. Conheço o filho de um amigo de minha turma de CFS 81. Ele aloprou e desistiu das Agulhas Negras. Hoje ele médico no Hospital do câncer. Ele me falou que as férias foi para o Canadá. Este fez o certo. Jovens sigam este exemplo.

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