LEGALIDADE – 50 ANOS: SARGENTOS EVITAM ATAQUE AO PALÁCIO

Como os sargentos da FAB evitaram o ataque ao Piratini
Ney de Moura Calixto lembra que o grupo agiu sem liderança
Ney de Moura Calixto: se as bombas fosse lançadas, 
“seria uma covardia contra os gaúchos” 
 Ramiro Furquim/Sul21

Lorena Paim

A ordem para um sobrevoo de intimidação ao Palácio Piratini, no dia 28 de agosto de 1961, foi frustrada pela pronta resposta dos sargentos da Base Aérea de Canoas, que sabotaram a ação e evitaram uma tragédia. Um dos participantes desse episódio da Legalidade é o sargento da Aeronáutica Ney de Moura Calixto, que aos 82 anos de idade prepara um livro sobre o assunto, a ser lançado este ano. O nome é Os Sargentos da Legalidade.
Calixto fez uma palestra aos alunos da oficina de Literatura do escritor Alcy Cheuiche no Sindbancários, em Porto Alegre, onde se emocionou ao relembrar os fatos de 50 anos atrás. Ele é primo do ex-governador Leonel de Moura Brizola, por parte de mãe, foi vereador e prefeito de Canoas. Expulso da FAB — Força Aérea Brasileira e cassado pelo AI- 2 de 1965, foi promovido a major depois da anistia.
O militar lembrou de uma frase de Jânio Quadros que ficou famosa na época. Em uma reunião realizada com os três governadores do Sul — RS, SC e PR — o então presidente fez perguntas aos governadores e somente o gaúcho soube responder. Agradavelmente surpreendido, teria comentado: “Com dois Brizola eu endireito o Brasil”.
“A Legalidade definiu-se no meu quartel”.
Sargentos impediram que aviões da FAB levantassem voo para bombardear o Piratini
Foto: Reprodução do documentário Legalidade
Diante dessa situação, Brizola formou, a partir de Porto Alegre, a Rede da Legalidade, resistindo à ameaça de golpe e contando com o apoio da população. Foi quando se tornou conhecida a ordem da Aeronáutica à 5ª Zona Aérea, comandada pelo brigadeiro Aureliano Passos, para fazer voos rasantes sobre o Palácio, como forma de intimidação. Na Base Aérea de Canoas, imediatamente criou-se um clima de revolta, conta Calixto, diante da ordem para armar os caças Gloss Meteor com duas bombas de 250 libras cada e alcance de mil metros. “Não ficaria nada em redor do Palácio se elas fossem jogadas. Seria uma covardia contra os gaúchos. Nós, os sargentos, nos unimos e decidimos: não podemos deixar os aviões decolarem. Entramos no hangar e desligamos o sistema de bombas dos aviões, colocamos sacos de areia e caminhões de bombeiros na pista, esvaziamos os pneus das aeronaves, enfim, tudo para evitar que decolassem”, afirma.
Calixto diz que, depois disso, ainda com a confusão instalada na Base Aérea, ele e mais dois sargentos foram até o Palácio Piratini, em Porto Alegre, para dar conhecimento a Brizola sobre o que estava ocorrendo. “Chegamos com os uniformes sujos, sem dormir, sem comer. Foi trabalhoso chegar até o prédio do Governo, que estava cercado pela população. Fomos ameaçados, pois achavam que, por sermos da FAB, estaríamos a favor do bombardeio”, acrescenta. “Levamos quase uma hora para irmos da Catedral ao Palácio; ali, tive medo”.
Depois de recebidos por Brizola, os sargentos foram encaminhados ao QG do III Exército, onde o comandante, general Machado Lopes, já havia se comprometido a apoiar o movimento da Legalidade. “O comandante nos chamou para conversar e disse que tivéramos uma atitude heroica”. De volta à Base Aérea, porém, todos os participantes da rebelião foram presos, mas depois liberados. O III Exército ocupou o local. Os 12 aviões se deslocaram para a Base Aérea de Cumbica (SP) e o brigadeiro Passos foi destituído do comando da 5ª Zona Aérea.
Para quem pergunta sobre a liderança do movimento de sargentos da Base Aérea, Calixto responde: não tinha. “Éramos cem sargentos e, um fato inédito, agimos sem liderança. Cada um fazia uma coisa. Simplesmente decidimos não cumprir uma ordem absurda. Todos os soldados e os 30 suboficiais ficaram solidários. E, aí, todos contribuíram. As duas metralhadoras apontadas para nós por dois oficiais, por exemplo, não tinham percussor e, portanto, não podiam funcionar. Tiraram o rotor dos jipes que, assim, não podiam partir”. O sargento Ney de Moura Calixto garante: “A Legalidade definiu-se no meu quartel”.

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