Longe da luz

“Se a Aeronáutica não tem condições de entender os altos propósitos estratégicos do país, nem de tomar uma decisão sobre os caças que deve utilizar em sua própria frota, por que, então, pedir a sua opinião sobre o assunto?”
De J.R. Guzzo:
Qualquer manual de instruções sobre o bom exercício da chefia, mesmo os que não são lá nenhuma obra-prima, traz sempre uma regra clara. Toda vez que o chefe diz “aqui quem manda sou eu”, cuidado – é sinal de que alguma coisa está errada, para ele, para os subordinados ou para ambos.
Quem manda de verdade não precisa ficar dizendo isso; se diz, é porque acha que não está mandando como gostaria, ou, pior ainda, é porque os outros não acreditam que mande mesmo, a começar pelos que deveriam obedecer a suas ordens.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva, nestes últimos tempos, está começando a falar muito que quem manda é ele. Por que será?
Aconteceu mais uma vez na semana passada, agora em relação a essa esquisita história dos 36 jatos que o Brasil quer comprar, mas parece não estar conseguindo, para renovar a frota de caças da Força Aérea Brasileira.
Concorrem como vendedores três modelos, um americano, um sueco e um francês; o governo não quer o americano porque é americano, e não quer o sueco porque está querendo mesmo o francês.
Trata-se do modelo mais caro, com o menor alcance e a característica de não ter sido comprado até agora por nenhum país, salvo a própria França.
Nada disso, assegura o governo brasileiro, tem nenhuma importância; há outras questões a considerar, complicadas demais para o entendimento dos leigos que pagarão essa conta, sendo a principal delas a formação de uma “parceria estratégica” com a França.
Só Deus sabe o que seria essa “parceria estratégica” na vida real – espera-se que seja coisa boa, pois se for coisa ruim não vai dar para consertar mais tarde, quando os aviões estiverem comprados e pagos.
Em todo caso, Lula e os cérebros internacionais do governo estão convencidos de que a compra do avião francês é fundamental para os seus projetos de reorganização geopolítica do planeta.
O diabo é que a Aeronáutica brasileira, a quem cabe voar com os jatos, preparou um relatório técnico no qual fica claro, conforme antecipou a coluna Radar na última edição de VEJA, que o modelo com mais vantagens é o sueco.
Pronto: o presidente ficou bravo, partiu para um “aqui quem manda sou eu” e avisou que a FAB vai comprar, no fim das contas, o modelo que ele achar melhor.
Eis aí, é claro, o tumulto formado. “Essa visão da Aeronáutica é equivocada e parcial”, disse o deputado e líder petista José Genoino, recém-saído do purgatório para onde fora enviado pelas desventuras do homem-cueca, personagem inesquecível do mensalão. “Não se pode comprar equipamento militar como se fosse um objeto de prateleira num shopping.”
É um alívio para todos, realmente, receber essa informação do deputado; os brasileiros podem, a partir de agora, ficar sossegados, pois ele nos garante que ninguém do governo, ou da FAB, vai entrar numa loja das Casas Bahia e sair de lá com 36 jatos supersônicos no carrinho de compras.
Muito justo, mas, se a Aeronáutica não tem condições de entender os altos propósitos estratégicos do país, nem de tomar uma decisão sobre os caças que deve utilizar em sua própria frota, por que, então, pedir a sua opinião sobre o assunto?
Para que perder tempo, fazer viagens de estudo, gastar dinheiro e escrever relatórios se o presidente da República já resolveu que modelo o Brasil vai comprar? É como se os oficiais envolvidos no processo tivessem recebido a seguinte instrução: aprovem o modelo que quiserem, desde que seja o francês.
Quando resolveu fechar esse negócio do seu jeito, e de nenhum outro, o presidente Lula bem que poderia ter ficado quieto, dado as ordens que caberia dar e anunciado, um belo dia, que a compra estava feita.
Em vez disso, saiu falando em público de suas preferências, deixou promessas no ar e agora tem de escolher entre dois males: ou desautoriza a força aérea que comanda ou não cumpre o que prometeu aos franceses ou deu a entender que estava prometendo.
A situação não melhora em nada, é claro, quando se considera a tenebrosa reputação que o governo vem construindo sempre que se dispõe a comprar alguma coisa e pagar por ela; conforme demonstrado na mesma VEJA da semana passada, o metro cúbico pago numa obra federal tem a mania de custar o dobro, o triplo ou muito mais do que custa pelos preços correntes no mercado, seja em fundações, drenagem de areia ou tubos de aço-carbono.
Para quebrar essa escrita, uma transação de impacto mundial como a dos jatos da FAB deveria estar sendo feita com a maior exposição possível à luz do sol. É o contrário, justamente, do que se vê.

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