Ricardo Montedo
Eis-me aqui, frente ao teclado, contemplando a tela em branco, fria, indiferente ao meu pensamento, este ente tresloucado que vagueia por labirintos intrincados, sombras tenebrosas, abismos intransponíveis de incompreensão.
Meus limites acabam de ser expostos, desnudados, exibidos em praça pública como o eram os infelizes deformados nos circos antigos. O pouco da lucidez que me resta registra os urros da horda ancestral:
– Ele é humano! É só um homem! É humano, o imbecil!
Sim. Sou, miserável, limitada e imperfeitamente, humano. E o Ser Supremo que a tudo rege acaba de me lembrar disso. Atônito e inconformado ainda, pergunto-me:
– Por quê? Que circunstâncias podem ser tão extremas a ponto de fazer alguém abrir a janela do ônibus e pular, sem ao menos avisar: Gente, deu pra mim, desço aqui.
E lançar-se fora assim, de repente, ficando para trás nessa auto-estrada a que chamamos vida, em algum cafundó perdido nos confins da eternidade, um vulto estirado em meio à bruma cinzenta que encobre a estrada.
E mais, deixar-me atônito, à procura de inexistentes botões de alarme ou freios de emergência, à gritar desesperado para o motorista:
– Pára! Pára! Pára!
Mas o ônibus da existência é expresso, só pára no fim da linha. Sabia disso quando comprei a passagem. E assim, acomodo-me novamente em meu lugar, atordoado, infeliz, desesperançado, murmurando entre lágrimas:
– Por quê?
Não encontrarei a resposta, bem sei. Afinal, sou, miserável, limitada e imperfeitamente, humano. Só humano.
As coisas de Deus continuam imperscrutáveis para mim.

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