Baixa remuneração faz com que técnicos qualificados abandonem Exército para ingressar na iniciativa privada
Edson Luiz
Enviado Especial
Rio de Janeiro – O Brasil está se tornando uma referência no desenvolvimento de tecnologia militar na América Latina, mas corre o risco de ver um trabalho de mais de duas décadas atrasar por vários anos. A cada dia que passa, as Forças Armadas estão perdendo seus melhores quadros técnicos para a iniciativa privada por causa dos baixos salários. Somente este ano, 10 especialistas de várias áreas deixaram o Instituto Militar de Engenharia (IME) e não foram substituídos. No Centro de Tecnologia do Exército(1) (CTEx), não há renovação de pessoal e muitos estão prestes a se aposentar. Quando os militares não perdem seus técnicos para empresas, perdem para outros órgãos do governo que pagam melhores salários.
O problema é considerado tão sério que foi um dos assuntos da última reunião do Alto Comando do Exército, realizada há duas semanas, em Brasília. O diretor do Departamento de Ciência e Tecnologia (DCT) do Exército, general Augusto Heleno Ribeiro Pereira se mostrou preocupado com o cenário que viu no Rio de Janeiro, onde esteve na semana passada. Ele recebeu muitas queixas de subordinados. “Há uma evasão significativa”, diz Heleno. “É uma pena a gente perder engenheiros top de linha dessta forma. Foi um investimento do Exército”, acrescenta o general.
Todos os profissionais que trabalham na área de ciência e tecnologia do Exército foram formados nas próprias fileiras da Força. Além dos militares, o IME e o CTEx contratam civis, mas o processo de seleção para o instituto é tão rigoroso que poucos conseguem passar. No CTEx, a situação é inversa, já que muitos dos especialistas são civis, mas em número reduzido. “Alguns estão próximos a se aposentar, pois o último concurso que tivemos foi em 1990”, afirma o subchefe do centro, coronel Hildo Vieira Prado Filho.
No CTEx também existe outro problema. Como 78% dos engenheiros que trabalham no local são oficiais, eles são obrigados a fazer cursos de graduação e suas vagas não são preenchidas. Com isso, os projetos em que estavam envolvidos ficam paralisados. “Hoje temos mais militares do que civis, mas o ideal seria o contrário disso”, afirma Prado. “Quando os militares retornam ao centro estão desatualizados, pois eles não são substituídos”, observa o coronel. O mesmo problema ocorre no Centro de Avaliação do Exército (CAEx), onde é testado tudo que é desenvolvido no CTEx.
A evasão é causada pela questão salarial
“A evasão é causada pela questão salarial. Isso impossibilita a realização profissional.O engenheiro acaba não trabalhando naquilo que gosta”, explica o general Heleno. No caso do IME, as dez perdas deste ano foram para concursos públicos e a iniciativa privada, onde os salários são melhores e as perspectivas de crescimento, maiores. Segundo o diretor de ensino do instituto, general Amir Elias Abdalla Kurban, há casos em que empresas assumem a indenização que os técnicos teriam que pagar ao governo.
Além de especialistas nas áreas em que trabalham, os engenheiros militares possuem profundo conhecimento de questões estratégicas, como o desenvolvimento do míssil Superfície-Superfície, hoje em fase de avaliação no CTEx. Mas não apenas pesquisas voltadas para a área militar estão sendo trabalhadas pelos especialistas. No centro, por exemplo, os jovens oficiais estão testando a transformação de resíduos de petróleo em fibras de carbono, cuja tecnologia hoje só é dominada pela China e Estados Unidos. Durante a pesquisa, os engenheiros do Exército descobriram um tipo de piche menos poluente para ser usado na indústria de alumínio.
Doutores e mestres integram quadro
Ao todo 780 funcionários trabalham no Centro de Tecnologia do Exército. Há 516 militares, sendo que 115 são pós-graduados -— doutores ou mestres — e 219 são civis, com 53 graduados. O CTEx está situado em uma área de 28km de preservação ambiental, onde também está o Centro de Avaliação do Exército (CAEx). Além dos técnicos na área militar, o quadro dos dois órgãos têm biólogos que cuidam da fauna e flora do local.
Comento
A evasão dos qualificadíssimos engenheiros militares é a parte mais visível de um problema grave que assola as Forças Armadas em todos os níveis, devido a baixa remuneração.
Algo semelhante ocorre também com os pilotos das três Forças, seja de jatos ou helicópteros, que tem abandonado a carreira militar com frequencia cada vez maior, seduzidos pelas propostas da iniciativa privada.
Há pouco tempo, no sul, um comandante de unidade, já tenente-coronel, passou para a reserva tão logo foi exonerado do comando, abrindo mão de um possivel generalato, para ser piloto de helicóptero numa companhia privada.
Mas não é somente entre os profissionais de alta qualificação técnica que essa realidade se retrata. De há muito, o nível sócio-econômico dos jovens que ingressam na AMAN vem diminuindo, pois a carreira deixou de ser atrativa para a classe média alta.
Assim, os “filhos de” estão sendo substituídos cada vez mais por “filhos da” no tradicional estabelecimento de ensino e sobrenomes que, tradicionalmente, integram a alta oficialidade do Exército, desaparecerão do Almanaque Militar muito em breve.
2 respostas
O assunto em questão não causa nenhuma surpresa, pois, quando entrei no Exército em 1978 já se comentava a matéria. Ora são vários fatores determinantes para que ocorra o abandono da farda em busca de melhores salários, tais, como: Falta de recursos destinados pelo Governo Federal para melhor aparelhamento das Forças Armadas que estão sucateadas; Falta de prestígio dos Militares junto ao Governo Federal; O equívoco de manter um Ministro Civil (politico), que não entende nada dos problemas da caserna, e principalmente a falta de um programa para atender as necessidades dos militares quando passam para a reserva. É impotante salientar que o empregado de uma empresa privada quando se aposenta pode fazer uso do FGTS que recolhido o percentual de 8% em média mensal de seu salário, recolhido pelo empregador, que ao final por menor salário que receba lhe dá oportunidade no mínimo comprar uma boa casa. Por outro modo, os militares ao passar para a reserva se contentam com migalhas de 4 soldos, lhe oportunizando sequer pagar as dívidas acumuladas ao longo da carreira devida aos baixos salários. Vítor Soares Ferreira – 2º Ten QAO Reserva- Natal – RN
"O equívoco de manter um Ministro Civil (politico), que não entende nada dos problemas da caserna, […}"
O problema não está em ser civil o Ministro da Defesa. Reconnhecidamente, até nos dias de hoje, Pandiá Calógeras, único civil que exerceu o cargo de Ministro do Exército nos anos 20 do século XX, superou, em realizações, os Ministros anteriores e posteriores, empreendendo a construção de diversos quartéis (quem não conhece os Pavilhões Calógeras?) além da reorganização do Exército e aquisição de novos armanentos.
Alguém é capaz de citar algum ex-Ministro do Exército que realmente modernizou a Força, no passado recente ou remoto, exceto o Gen Leônidas? Nossos ex-ministros foram incapazes até de negociar questões salariais! Lembram-se dos efeitos do "soldão" ou dos 28,86%?
Acho que temos de perder um pouco essa noção de que "apenas os militares" entendem de Defesa. Defesa é assunto nacional, envolvendo militares (especialistas na estratégia e tática) e civis (que disponibilizam os recursos e dão o suporte político para tal, além de se "pensar" em defesa).
Saudações