Relatório do Exército faz ressalva a arma usada por PMs em confrontos ao defender fuzil em casa

Parecer técnico disse que modelo de fuzil é adequado para ‘operação de guerra’ e que uso, sobretudo em ambientes urbanos não controlados, deve ‘ser bem avaliado’ para evitar ‘danos colaterais indesejáveis’
Vinícius Valfré
BRASÍLIA – Um relatório técnico do Exército faz ressalvas ao uso em ambiente urbano não controlado de um modelo de fuzil popular entre as polícias militares, como as do Rio de Janeiro e de São Paulo. Documento elaborado em dezembro pela Seção de Estudos Técnicos destaca que modelos de fuzis para munição com calibre 7,62 x 51 mm são adequados para “operação convencional de guerra” e que o uso deve “ser bem avaliado, de modo a evitar-se danos colaterais indesejáveis”.

“A utilização em ambiente urbano, sobretudo não controlado, dada a sua capacidade de penetração, poderá causar a hiper penetração de um alvo, motivo pelo qual seu uso deve ser bem avaliado, de modo a evitar-se danos colaterais indesejáveis”, diz a nota técnica. Em nota, o Exército informou que a avaliação era específica para comparar o poder de dois tipos de armas e “não avaliou aspectos logísticos e operacionais”.

Modelos de fuzil 7,62 são comumente usados pelas forças de segurança em confrontos urbanos em comunidades periféricas. O próprio Exército faz doações oficiais desse tipo armamento às polícias dos Estados. Ele é modelado para perfurar objetos a mais de 300 metros de distância.

As constatações estão em um parecer que defende a autorização para que policiais militares e integrantes das Forças Armadas tenham em casa, para defesa pessoal, um outro modelo de fuzil, o de munições com calibre 5,56 x 45 mm.

Apesar de os dois tipos usarem calibres de referência da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), uma organização militar, o fuzil 5,56 foi liberado para acervos de integrantes de forças de segurança. A medida referente aos policiais foi suspensa, mas a que libera o armamento para acervos particulares de integrantes das Forças está mantida.

Como mostrou o Estadão, as medidas atenderam ao lobby da indústria armamentista, interessada em acabar com o represamento de produtos provocado por medidas do governo que congelaram a compra e venda de armas no País em 2023.

Segundo o relatório, o 5,56 pode, “dependendo do tipo de ameaça, ser aplicado para a segurança patrimonial”. A opinião conflita com a própria concepção dessa arma, classificada como “fuzil de assalto”, ou seja, para ataque.

O documento não chega a ser taxativo sobre a eficiência do modelo em um confronto doméstico e não recomenda expressamente que ele seja liberado para essa finalidade. O texto diz somente que ele seria “mais adequado” do que o 7,62 para acervos particulares de policiais.

Entretanto, o parecer foi levado em conta para que ele fosse incluído na lista de armas que poderiam ser compradas para acervos particulares de integrantes das forças de segurança. “O calibre 5,56×45 mm mostra-se mais adequado para defesa patrimonial e, assim, passível de ser autorizado em portaria”, diz o relatório.

A reportagem submeteu o relatório ao policial federal Roberto Uchoa, um dos principais especialistas do País em estudos sobre políticas armamentistas e efeitos delas na segurança pública e pesquisador do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP). Ele se surpreendeu com a conclusão.

“A análise está correta ao apontar a capacidade muito maior de causar danos do calibre 7,62 com relação ao calibre 5,56, mas se perde completamente ao afirmar que o fuzil calibre 5,56 serviria para defesa patrimonial. Essa análise deveria ser apresentada às Secretarias de Segurança Pública dos Estados para mostrar que a utilização de armas de calibre 7,62 deve ser evitada em ambientes urbanos”, comentou.

Em nota, o Exército informou que a nota técnica foi elaborada para comparar efeitos produzidos por disparos de armas de calibre 7,62 mm e 5,56 mm. Como a conclusão é a de que o primeiro tem poder destrutivo e efeito colateral “consideravelmente superior” ao segundo, a nota ressalta que o 7,62 “mostra-se inadequado ao uso que não seja em emprego das Forças de Segurança em serviço”. O Exército pontuou, ainda, que a análise técnica era específica e “não avaliou aspectos logísticos e operacionais”.

General encomendou parecer após reportagem do Estadão
Três dias após o Estadão revelar que uma das consequências da Portaria nº 167 era a ampliação do total de fuzis que cada policial militar poderia comprar para ter em casa, de dois para cinco, o Exército encomendou um parecer técnico para verificar se a reportagem estava correta. A conclusão foi positiva.

Ao pedir o parecer, a Diretoria de Fiscalização de Produtos Controlados destacou que a proposta decorria do fato de a “imprensa tradicional apontar para a necessidade de serem empreendidos novos estudos sobre o tema” e de “haver agentes públicos que estão na iminência de tomarem posse em cargos no Ministério da Justiça”.

Parecer encomendado pelo Exército para analisar informações reveladas pelo Estadão concluiu que não havia equívocos na reportagem Foto: Reprodução

A portaria que autorizava, no limite, que policiais militares tivessem até cinco fuzis em acervos pessoais foi publicada em dezembro e entraria em vigor em 1º de fevereiro, dia da posse de Ricardo Lewandowski como novo ministro da Justiça. Depois que o Estadão revelou impactos da portaria, o Exército voltou atrás e suspendeu a medida, em um aceno ao novo ministro, que tem ressalvas à popularização das armas de fogo.

A proposição do general salientava ainda que o parecer era considerado uma “prioridade institucional”. Em resposta, um relatório preliminar foi apresentado no mesmo dia. A reportagem também teve acesso ao documento.

“Apesar das considerações anteriormente descritas, é fato que o número de armas de uso restrito aumentou de 2 (dois) para 5 (cinco). Também é fato que o assunto, apesar de ser da competência regulatória do Comando do Exército, é de interesse do Ministério da Justiça e Segurança Pública”, dizia o documento. O relatório traz a seguinte conclusão: “As matérias veiculadas pela imprensa apresentaram uma análise superficial do assunto, mas, de fato, houve aumento do número de armas de uso restrito.”

ESTADÃO

Uma resposta

  1. “Segundo o relatório, o 5,56 pode, “dependendo do tipo de ameaça, ser aplicado para a segurança patrimonial”. A opinião conflita com a própria concepção dessa arma, classificada como “fuzil de assalto”, ou seja, para ataque.” Meu deus, olha a opiniao do grande jornalista e especialista. Então, o 5,56 é so para quem tiver a ação ofensiva, caso voce esteja defendendo, nao pode usar. Aahahaha
    Que imbecilidade

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