Orçamento da Defesa disparou, mas não houve investimento no poderio militar

EVOLUÇÃO INVESTIMENTOS DEFESA

Parte significativa dos recursos vai para despesa de pessoal. Especialistas cobram política para indústria bélica

Cristiane Noberto
Nos últimos 10 anos, a participação do Ministério da Defesa no Orçamento da União praticamente dobrou, saindo de R$ 72,4 bilhões, em 2012, para R$ 116 bilhões em 2022. No mundo, o Brasil ocupa o 10º lugar no ranking do Global Fire Power, que analisa 142 países, os efetivos militares ativos disponíveis por país sob o indicador PowerIndex.
Apesar dos recursos aplicados, a maior parte do dinheiro passa longe do desenvolvimento da defesa no país. O Brasil é a maior potência regional em armamento, mas o investimento na área é baixo. Cerca de 80% dos gastos militares são destinados para a área administrativa, que inclui pagamentos de pessoal junto com aposentadorias e pensões.
“A trajetória de gastos militares que ocorre com o Brasil não é algo estranho no âmbito mundial. O país tem acompanhado o mundo e tem sido até mais lento. O mercado global militar é agressivo e joga pesado para isso. É um fenômeno global, perpassa em diferentes governos, e o Brasil está sendo puxado pela agenda global”, explica Sandro Teixeira Moita, professor do Instituto Meira Mattos na Escola de Comando Maior do Exército.
Segundo o mais recente levantamento do Instituto Estocolmo para a Paz Mundial (Sipri), lançado este ano, os gastos militares mundiais chegaram a US$ 2,113 bilhões em 2021, valor 0,7% maior do que em 2020 e 12% maior do que em 2012. O montante corresponde a aproximadamente 2,2% do Produto Interno Bruto (PIB) global. Pelo sétimo ano consecutivo, gastos militares tiveram aumento no mundo. Apesar de não ser um dos líderes em investimentos nessa área, o Brasil ocupa o topo na América Latina, ao destinar quase 3% do valor total do Orçamento para a área.
De acordo com o professor, o país não é uma potência armamentista regional, mas detém uma capacidade militar superior à dos países vizinhos. “O Brasil tem capacidade relevante dissuasória para qualquer questão envolvendo a América do Sul. Mas, esse poderio não é voltado para atacar nossos vizinhos, porque a gente tem uma agenda clara de não provocar a guerra”, afirma.
Juliano Cortinhas, professor do Instituto de Relações Internacionais da UnB e especialista em Defesa, chama a atenção para o poderio bélico limitado do Brasil. Ele cita, como hipótese, um conflito imaginário com os Estados Unidos, a maior potência militar do mundo. “Somos extremamente vulneráveis. Eles (os norte-americanos) isolariam completamente o território brasileiro de forma bastante simples, e seria bastante fácil para eles fazerem isso sem precisar dar um tiro. Então, essa hipótese de invasão não existe. Nações mais desenvolvidas militarmente não correriam esse risco e não pagariam esse custo, porque isso não é necessário para eles. A nossa vulnerabilidade é muito maior se pensarmos em relação às grandes potências.”
Para este ano, está prevista a destinação de R$ 956 milhões para projetos do Ministério da Defesa. O plano inclui a compra do cargueiro militar KC-390, o Projeto Forças Blindadas, o Sistema Integrado de Monitoramento de Fronteiras (Sisfron), e o desenvolvimento de sistemas de tecnologia nuclear da Marinha. Recentemente, as Forças Armadas receberam caças Gripen e o cargueiro KC-390.
Para Moita, a indústria de defesa brasileira está fragilizada, porque precisa de uma política de compras regulares. Segundo o especialista, nos países mais desenvolvidos nesta área, projetos voltados ao estado de armamentos são de longo prazo. Os militares visualizam a compra, o desenvolvimento e o ciclo de vida daquele material militar. “No Brasil, não tem isso. Às vezes tem que dilatar o período de investimento por conta da falta de orçamento”, relata.
“O Guarani (veículo blindado) tinha sido previsto para 2028 e agora está para 2040. Isso abala muito a indústria de defesa no exterior. Isso gera um problema enorme, a gente não oferece tantas políticas de compra”, exemplifica.
O Correio procurou o Ministério da Defesa para comentar os dados relativos ao Orçamento, mas não obteve resposta.

Verba restrita para investir
Em 2021, o Orçamento do Ministério da Defesa foi de R$ 116,8 bilhões. Desse montante, R$ 70,6 bilhões foram destinados para o item “Defesa Nacional”, o que inclui gastos administrativos. No ano passado, a despesa com a previdência dos militares chegou a R$ 24,9 bilhões.
Especialistas criticam as limitações orçamentárias. “Com 80% do orçamento comprometido, cerca de um terço disso vai para pensão, um outro terço vai para aposentadoria. Assim, sobra pouquíssimo dinheiro para investir em equipamentos e manter operantes as indústrias de Defesa do Brasil”, aponta o professor Juliano Cortinhas.
As dificuldades da indústria bélica nacional podem ser vistas a olho nu. Na semana passada, um “incidente” ocorreu durante um exercício militar no Forte Santa Bárbara. Um míssil se desviou da rota e atingiu uma plantação de soja, próximo a instalação militar que fica em Formosa (GO). O ocorrido foi denunciado pelo deputado José Nelto (PP-GO), que protocolou um requerimento pedindo explicações às autoridades.
Em comunicado, o Comando de Artilharia do Exército (Cmdo Art Ex) relatou que o incidente ocorreu em um Curso de Operação do Sistema de Mísseis e Foguetes para oficiais e sargentos. De acordo com o texto, a equipe responsável foi ao local e constatou não haver vítimas ou danos materiais. “O Exército Brasileiro e a Avibras já estão trabalhando nas investigações”, informou a nota.
Com sede no Brasil, a Indústria Aeroespacial (Avibras) entrou, em março deste ano, com pedido de recuperação judicial, devido à constante falta de investimento. A consequência foi o início de demissões em massa.
Juliano Cortinhas destaca que o prejuízo à indústria é “o retrato mais do que a gente tem na nossa defesa brasileira hoje”. “Uma indústria que investe em alta tecnologia é abandonada pelo Estado brasileiro, que não tem capacidade de compra, que não tem capacidade de manutenção das suas indústrias”, lamentou.
O Correio procurou a Avibras, mas a empresa informou que não poderia responder os questionamentos.
CORREIO BRAZILIENSE/montedo.com

3 respostas

  1. Inflação come tudo, se não abaixar os combustíveis será impossível manter as FFAA. O ICMS sobre os combustíveis é uma vergonha, 30% de incidência sobre o valor na bomba é um disparate contra o consumidor e 18 governadores liderados pelo coronel caiado estão por trás disto. Enquanto isso as PMs têm planos de carreira com promoções a cada dois anos, posto acima e um sub ganhando 15k por mês, mais 565 de acréscimo por serviço no meio da semana e 960 nos finais de semana.

    1. Pare de falar merda folha salarial dos servidores públicos 250 bi dos militares 90 bo contando ativos e inativos mossa folha e 3 vezes menor que a dos civis e uma vergonha

  2. Pelo que sei a AVIBRAS fez acordo coletivo e não houve demissão em massa como diz a reportagem.
    _

    Presumo que o valor aplicado deve ser de U$D 2,113 trilhões e não bilhões como está na matéria:

    …os gastos militares mundiais chegaram a US$ 2,113 bilhões em 2021…
    O montante corresponde a aproximadamente 2,2% do Produto Interno Bruto (PIB) global.

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