Cacique xavante é suspeito de receber milhões em esquema de corrupção comandado por suboficial da FAB

ALVO DA JUSTIÇA - Damião: contas bloqueadas e risco de ir para a prisão - ./Reprodução

Líder respeitado no país pelo esforço na demarcação de sua terra teria sido cooptado por uma espécie de milícia que se formou para explorar a própria aldeia
Tulio Kruse
A trajetória do cacique Damião Paridzané era reconhecida pela persistência com que liderou a retomada da aldeia onde nasceu, após ter sido retirado do local ainda adolescente, na ditadura militar. Ancião da tribo xavante que vive na Terra Indígena Marãiwatsédé, no norte de Mato Grosso, ele virou a principal voz política de seu povo. Já se reuniu com lideranças no Congresso, participou das conferências climáticas Eco-92 e Rio+20 para falar das invasões de sua terra e foi agraciado em 2014 com o Prêmio Direitos Humanos, entregue pela então presidente, Dilma Rousseff.

AMBIÇÃO - Jussielson Silva: o chefe da Funai queria profissionalizar esquema -
AMBIÇÃO - Jussielson Silva: o chefe da Funai queria profissionalizar esquema – @jussielsongoncalvessilva.goncalves/Facebook

Essa reputação pode ter sido irremediavelmente arranhada por uma operação da Polícia Federal ocorrida na semana passada. Veio à tona a imagem de um cacique corrompido por dinheiro, cooptado por uma espécie de milícia que se formou para explorar a própria aldeia. Sobre ele recai a suspeita de lucrar milhões de reais com o arrendamento de porções de terra para a criação de gado, o que é proibido pela Constituição e pelo Estatuto do Índio. Batizada de Res Capta, a operação da PF apontou que ele recebia 889 000 reais por mês, com base em depoimentos do coordenador regional da Funai e um de seus auxiliares, que foram presos.

As evidências contra o cacique são contundentes. Um pecuarista disse que pagava diretamente a ele pelo arrendamento. Depósitos de outros fazendeiros foram identificados pela PF. Quinze proprietários rurais estão sendo investigados. Segundo o delegado Mário Ribeiro, Damião admitiu em depoimento que ficava com 200 000 reais mensais para despesas pessoais, sem revelar para onde iria o restante. A Justiça bloqueou as suas contas bancárias e impôs diversas medidas restritivas — se voltar a arrendar terras ou mantiver contato com os demais investigados, ele pode ser preso (são inimputáveis apenas os índios isolados, que não têm condições de entender o padrão de moral dos brancos, o que não é o caso do cacique).

PAISAGEM - Gado na terra indígena: ocupação ilegal ampliou o desmatamento -
PAISAGEM - Gado na terra indígena: ocupação ilegal ampliou o desmatamento – Polícia Federal de Mato Grosso/.

As desconfianças da PF sobre Damião vêm desde 2017, quando começaram a ganhar corpo as denúncias de arrendamentos. Aumentaram três anos depois, quando o cacique chegou para prestar depoimento em uma caminhonete Toyota Hilux SW4 avaliada em 380 000 reais. Damião disse que o veículo era dele, mas os agentes descobriram que o veículo estava no nome de um arrendatário e que poderia ser um “presente”. Por outro lado, a tribo vivia situação “de penúria”, sem comida nem assistência. “Fica nítido que o dinheiro não estava indo para a aldeia”, diz o delegado Ribeiro.

arte índios

O escândalo acrescentou um novo capítulo a já bastante conturbada história de Marãiwatsédé. Nos anos 50, quando Damião era criança, fazendeiros levaram dezenas de índios à morte deixando roupas contaminadas com varíola na mata. No êxodo provocado na época da ditadura, Damião embarcou em um avião da FAB em agosto de 1966, aos 14 anos, e foi levado com sua tribo para a Missão Salesiana de São Marcos, a mais de 500 quilômetros. Quando os índios se organizaram para retornar, na década de 80, havia uma pequena cidade com casas, sítios e posto de gasolina dentro da terra indígena. A comunidade foi retirada após decisão do Supremo Tribunal Federal em 2012 — uma operação que durou mais de um ano. Pouco tempo depois, apareceram os sinais de que a pecuária ali se intensificava. Hoje há 70 000 cabeças de gado (atividade completamente irregular), o que tem ampliado a degradação da pouca mata que resta.

O problema se agravou com a chegada de um novo coordenador regional da Funai no governo Jair Bolsonaro. Suboficial da reserva na Marinha, Jussielson Gonçalves Silva assumiu em 2020 e, segundo a PF, tentava profissionalizar o esquema criminoso. A investigação interceptou um telefonema no qual o militar incentiva o cacique a concentrar o negócio em poucos e ricos arrendatários para aumentar o faturamento. “Até o ano que vem, o senhor tem de estar ganhando 1 milhão e meio”, dizia. Ele contava com a ajuda de um policial militar licenciado e um ex-PM — este condenado por tortura, extorsão e tráfico de drogas. É em meio a essa aldeia de problemas que o cacique Damião, se provadas as suspeitas da PF, pode ter maculado para sempre sua biografia.

Publicado em VEJA de 30 de março de 2022, edição nº 2782

23 respostas

    1. Por isso a carne está tão cara…olha o valor do arrendamento! A não ser que não seja só gado…

      Não se preocupe amigo, vamos arrumar uma excelente desculpa; é de um amigo meu!

      1. Vc sabe que a JBS é a maior do mundo em oferta de proteína animal, não sabe? Vc deve saber também que antes da JBS muitos municípios tinham um matadouro e esses foram, ao longo dos anos, eliminados politicamente pela “vigilancia sanitária” a mando de interessados. Nada é por acaso quando é pelo “bem da saúde publica”.

  1. Tem jeito não, tá tudo dominado.
    Aparelhado pra fazer negócios espúrios governamentais.
    Pastor dourado na Educação usando a Bíblia em seus esquemas.
    Não, não tem qualquer denúncia ou esquema de corrupção no meu governo ‘Deus no Poder’ (Bolsonaro).
    “A crise é ética e a saída exige decência”.
    Dr Mario Darius – O profeta sem meias verdades.
    Ave Jair! O ‘meçias’.
    O ungido dos bolsopetistas.
    Mito.
    Zero corrupção.

  2. “Ele contava com a ajuda de um policial militar licenciado e um ex-PM — este condenado por tortura, extorsão e tráfico de drogas.”
    São essas as pessoas qualificadas que compõem este DESGOVERNO.
    Lamentável!

  3. Cuidado, pode ser notícia “plantada”. As riquezas minerais e naturais do Brasil sempre foram muito vigiadas, para somente ser exploradas por estrangeiros, Noruega etc… O “formigueiro humano” talvez tenha sido a única vez, que nosso ouro e diamantes chegaram nas mãos dos brasileiros de direito. Ainda, em se tratando de praças, a maldade será muito maior. Dois coelhos com uma machadada só, “queima de praça e vigilância pro estrangeiros”. Reflitam…

      1. Aluguel ou arrendamento de terras para exploração agropecuária é comum em todo o Brasil. É semelhante a alugar uma residencia ou ponto comercial.As questões ou debates jurídicos se dão em torno dos contratos e suas utilidades. No caso em foco, é provável que havia ou há alguma ONG que levava parte do dinheiro e, uma vez descoberto o esquema do arrendamento “ilegal”, se antecipou às investigações, tirando o corpo fora, e denunciou o militar que tentava legalizar o negócio perante a FUNAI para beneficiar toda a tribo. É o caso do ladrão gritando o famoso “pega ladrão”.

        1. Deve ter ganho repartido para ONGs, chefe da tribo, deputado estadual e federal, senador, governador e STF, razão pela qual criaram as reservas indígenas sobre territórios ricos. Esses órgãos fiscalizadores deviam ser os órgãos arrecadadores dos arrendamentos em várias reservas indígenas razão pela qual criam dificuldades para dar as licenças nesses territórios e facilitam as licenças em grandes cidades à beira mar.

  4. Cuidado praçaiada, quem é o presidente do conselho da Amazônia? Quando tem algum escândalo de corrupção em quartéis comandados por “ecêmicos” logo a instituição solta “nota a imprensa” justificando todas as acusações, que muitas vezes são infundadas, acolhendo-os e os defendendo. Quando acontece algo relativos às praças, os abandonam aos corvos, sempre utilizado-os como bode expiatórios. Lavar a mácula da instituição em cima das praças. Vejam os três lados da moeda…sempre…

  5. Qual projeto de integração, desenvolvimento e exploração sustentável e ecologicamente correto da Amazônia pelos brasileiros natos? Existe algum? Cadê a publicidade? O fato que alguém vai explorar a Amazônia, que sejam brasileiros…

    1. Vc tem que pesquisar. Existem projetos do açaí, mogno, palma, pirarucu, castanhas, mel, entre outros. Projetos brasileiros para exportação e para mercado nacional. Há grandes projetos de reflorestamento de bancos internacionais e mineração, inclusive da VALE.

  6. Problema crônico e antigo no Brasil.

    Jáder Figueiredo foi uma figura ímpar, que desagradou a esquerda e a direita. Apesar de ter sido destacado para o trabalho pelo general linha-dura Albuquerque de Lima, que à época ocupava a pasta do Interior, a gravidade de suas acusações – que vão de desvio de recursos e venda de terras indígenas a assassinato, prostituição de índias e trabalho escravo –, colocaram-no contra o próprio regime militar. Foram muitos os esforços para mitigar a repercussão do escândalo no Exterior. As denúncias chegaram a ser destaque no jornal americano “The New York Times” e na revista alemã “Der Spiegel”. Um documento confidencial da Aeronáutica, de 26 de outubro de 1970, localizado pelo grupo Tortura Nunca Mais, afirma que “o fluxo de informações contra o Brasil no Exterior é constante e se faz em larga escala”. Logo abaixo, diz que “o trabalho relativo à ‘matança de índios’ foi completamente neutralizado e desmoralizado face às atividades das autoridades brasileiras”. Não é de se estranhar, portanto, que o Relatório Figueiredo tenha ficado mais de quatro décadas esquecido no arquivo da Funai, cuja criação em 1967 coincide com a extinção do SPI. “Evidentemente, o fato de ele ter permanecido oculto nas bases de dados da história brasileira foi intencional”, diz o professor Fernando Antonio de Carvalho Dantas, da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Goiás.

    Freire diz que a repercussão internacional do Relatório Figueiredo fez com que a questão indígena fosse amplamente discutida, mas não impediu que a Funai repetisse a estrutura do SPI e adotasse uma política que dizimaria povos como os Paraná, afetados pelo projeto econômico desenvolvimentista da ditadura. “Se os velhos sertanistas e indigenistas, além das velhas lideranças indígenas, começassem a escrever suas memórias, fizessem entrevistas relatando o que viram e ouviram, e os índios incrementassem suas narrativas sobre o que sofreram nesses anos, os brasileiros, certamente, poderiam vir, agora sim, a descobrir um outro Brasil.”

    https://istoe.com.br/294080_A+VERDADE+SOBRE+A+TORTURA+DOS+INDIOS/.

  7. Infelizmente muitos internautas por aqui8 pensam que o indio ainda está no tempo “primitivo” do “indio só quer apitpo.” Os tempos mudaram e com ele o indio, este agora quer é “bufunfa” das grandes, quer milhões…e não é pra comprar apito, não!!!

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