FAB quer comprar dois cargueiros de longo alcance por R$ 437 milhões

Avião de carga Airbus A330-MRTT da Força Aérea da França na base aérea de Istres - Christophe Simon - 11.set.2021/AFP

Após cortar pela metade encomenda da Embraer, Força busca modelos A330 para outra missão

Igor Gielow
SÃO PAULO

A Força Aérea Brasileira lançou nesta quinta (27) um edital para a compra de dois aviões de transporte de longo alcance Airbus A330, prevendo gastar US$ 80,63 milhões (R$ 437,7 milhões hoje) no negócio.
A compra vem na esteira da polêmica revisão do contrato de compra dos modelos KC-390 da Embraer. Num acordo fechado em 2014, a Força gastaria R$ 11 bilhões (em valores corrigidos) para adquirir 28 cargueiros brasileiros, mas no ano passado exigiu um negócio para metade dessa frota.
“Estamos perto de finalizar os detalhes da renegociação, que é sempre um processo de atrito”, afirma o comandante da FAB, brigadeiro Carlos de Almeida Baptista Junior. Na mesa está a redução do pedido para talvez 14 aeronaves e também do preço final, devido a restrições orçamentárias. Questionado, ele dissocia os dois processos de compra.
O KC-390, sustenta, é um avião de uso pontual, tático. Carrega até 26 toneladas de carga e é multimissão, servindo de reabastecedor aéreo e para diversas funções. Vazio, percorre mais de 6.000 km. O A330 em modo militar transporta grande quantidade de passageiros e até 45 toneladas de carga, e voa 14,8 mil km vazio.
Essencialmente, são aviões para missões diferentes. Baptista Junior cita o envio de dois aviões Embraer-190 para resgatar brasileiros em Wuhan (China), no início da pandemia. Aquela viagem demandou quatro paradas, quando o uso de um A330 a faria com uma só escala.
Buscando reduzir custos, a FAB lançou o edital na Comissão Aeronáutica de Washington, que cuida de negócios internacionais, requisitando dois A330 de uso civil fabricados a partir de 2014, com no máximo 28 mil horas de voo e capacidade operacional até 2054.
Os aparelhos, contudo, têm de ser adaptáveis ao padrão MRTT da Airbus, que prevê capacidade de reabastecimento aéreo.
Um MRTT zero quilômetro é caríssimo, de €150 milhões (R$900 milhões) até o dobro disso. Uma conversão semelhante de A330 civis da Iberia, encomendada pelo governo da Espanha no ano passado, previa um custo unitário de R$ 225 milhões por avião, em linha do negócio proposto pelo Brasil.
A transformação deve ocorrer na Espanha, que tem a oficina da Airbus credenciada para o serviço. É possível executá-la na IAI israelense, mas aí pesou a mesma consideração que tirou da competição converter um Boeing-767.
A IAI é conhecida por serviços de excelência, mas não é a fabricante do avião. E a Boeing hoje não adapta seus 767, preferindo vender o novo KC-46, que é baseado naquele modelo civil. Um A330 convertido pela própria Airbus vem com garantias adicionais, na visão da FAB.
O A330MRTT é usado por 12 países hoje. O KC-390, pelo Brasil, com unidades encomendadas por dois países da Otan (aliança militar ocidental), Portugal e Hungria, e tem outros mercados em vista.
O novo avião, caso seja comprado, terá de ser entregue entre 90 dias (primeira unidade) e 150 dias (segunda). Ele suprirá uma lacuna aberta desde 2013, quando foi aposentado o último Boeing KC-137, o famoso Sucatão baseado no venerando 707, e desde 2019, quando um Boeing-767 alugado foi devolvido.
A aquisição desse tipo de avião multimissão historicamente embutiu problemas. Os Sucatões tiveram um longo histórico de serviço, mas ao fim de sua vida útil se envolveram em acidentes que quase viraram tragédias.
Já o 767 alugado de 2017 a 2019 tinha como problema central a empresa que ganhou a licitação, que, como a Folha revelou à época, nem registro para voo no Brasil tinha, levando dúvidas acerca da transparência do processo de aquisição por meio da representação da FAB no exterior.
Outra armadilha que a FAB parece ter evitado diz respeito às especificações da aeronave. Ela deve ter capacidade de levar 238 passageiros, 18 deles em poltronas de classe executiva. Mas, nas 91 páginas disponíveis do edital, não há previsão para a criação de uma sala VIP.
Em 2010, a Folha mostrou que o governo Dilma Rousseff (PT) queria comprar o mesmo modelo. Uma das unidades deveria ter a tal área VIP, substituindo assim o Airbus A319ACJ usado pela Presidência —o famoso Aerolula, comprado pelo antecessor da presidente.
O negócio não foi em frente, mas presidentes sempre se queixaram da autonomia menor do Aerolula, que obriga duas ou três paradas numa ida à Europa a partir de Brasília. Se Bolsonaro ou quem vier a sucedê-lo tiverem o A330 à mão, isso vira um voo direto.
Mas comprar um avião que pudesse virar o AeroBolsonaro ou alguma outra corruptela pior a esta altura, em ano eleitoral, seria um tiro no pé considerável.
O dinheiro para a aquisição pode ou não vir da revisão do contrato dos KC-390, que gerou grande incômodo na Embraer, empresa que nasceu da FAB em 1969 e foi privatizada em 1994. Baptista Junior diz que o avião brasileiro é excelente, mas que a realidade orçamentária obriga flexibilidade —por ano, em média a FAB ainda gasta R$ 1 bilhão com o cargueiro feito em São José dos Campos (SP).


FOLHA/montedo.com

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