TCU ameaça punir militares por revogar sem justificativa controle de armas e munições sob Bolsonaro

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Mariana Carneiro
Vai completar dois anos que o Comando do Exército não consegue explicar às autoridades em Brasília quais foram os motivos que o levaram a revogar medidas de controle sobre armas e munições. Em abril de 2020, sem explicação, três portarias que ditavam regras mais duras na identificação e na rastreabilidade desses produtos foram extintas, após Jair Bolsonaro postar em uma rede social que não concordava com a fiscalização e que iria mandar cancelá-la.
Depois de receber informações contraditórias do Comando Logístico do Exército nos últimos dois anos, a área técnica do Tribunal de Contas da União agora fala em multar os generais Paulo Roberto de Oliveira e Laerte de Souza Santos, respectivamente, subcomandante e comandante Logístico do Exército.
Eles deram versões conflitantes sobre a revogação das portarias e o TCU afirma que “falta lastro” à versão do Exército sobre a decisão, citando que houve desconfiança também do ministro Alexandre de Moraes, do STF, quando sustou a revogação das portarias, em caráter liminar, em setembro do ano passado.
O Comando do Exército e o Comando Logístico do Exército têm até o dia 7 de fevereiro para dar explicações que convençam o TCU antes que um processo formal contra os servidores militares seja aberto. Mesmo com a decisão do STF, afirma o TCU, a conduta deles merece ser investigada e, em caso de ilegalidade, punida.
Quando o Exército foi cobrado pelo Ministério Público Federal, pelo STF e pelo TCU apresentou versões diferentes para a decisão de revogar as portarias. Ao TCU, segundo relatório de monitoramento assinado por Ivan Botovchenco Sobestiansky, da Secretaria de Controle Externo da Defesa Nacional e da Segurança Pública, foram pelo menos duas histórias diferentes. A coluna teve acesso ao documento, que instrui o processo de investigação, e ainda é sigiloso.
Na primeira explicação, dada ainda em 2020, o Exército afirmou que as portarias teriam que ser extintas por uma razão técnica. O compartilhamento de informações sobre armas e lotes de munições dos bancos de dados da Polícia Federal, da Secretaria Nacional de Segurança Pública e do Exército não estavam plenamente compatíveis, inviabilizando o cumprimento das regras.
No ano passado, porém, a Diretoria de Fiscalização de Produtos Controlados do Comando Logístico do Exército deu outra versão. Informou que a falta de comunicação das plataformas não foi objeto de análise quando decidiram revogar as portarias.
Agora, o TCU quer que o Exército apresente provas que demonstrem a limitação técnica alegada inicialmente.
“Caso não haja lastro comprobatório para as informações repassadas ao TCU, os atos podem caracterizar tentativa de obstrução ao exercício das atividades fiscalizatórias exercidas por esta Corte ou sonegação de informação, sujeitando os responsáveis a aplicação de multa pelo TCU”, afirma o relatório, que foi endossado pelo ministro relator, André de Carvalho.
Em 15 de setembro do ano passado, na véspera do julgamento marcado pelo STF para avaliar a questão – em ação provocada por partidos de oposição -, o Exército baixou três portarias que substituiriam as que haviam sido extintas em 2020. Mas o ministro Alexandre de Moraes decidiu, no dia seguinte, sustar a revogação, alegando não ver justificativas para a mudança legal.
A sobreposição de decisões deixou especialistas no escuro sobre quais são efetivamente hoje as regras que devem ser seguidas para a marcação de armas e de munição. Se as que estavam em vigor até abril de 2020 ou se as que foram baixadas pelo Exército em 15 de setembro de 2021.
O advogado Bruno Langeani, do Instituto Sou da Paz, que é amicus curie no processo que tramita no TCU e no STF, diz que as novas portarias são menos rigorosas em pelo menos dois pontos. Foi excluída a possibilidade de identificação de lotes de munição com 1.000 unidades de projéteis, comprados por forças de segurança, mantendo a exigência apenas para lotes de 10.000 unidades.
Além disso, sumiu da legislação a exigência de marcação com código de rastreabilidade dos estojos de recarga para colecionadores e atiradores amadores. Eles já haviam sido atendidos, pelo governo Bolsonaro, com o aumento da autorização para a compra de até 5.000 projéteis por ano, para cada arma.
Entidades como o Sou da Paz e até integrantes das forças de segurança, como a Polícia Federal, temem que essa munição acabe desviada para o uso do crime organizado.
No mesmo processo de instrução, o TCU questiona o Exército sobre o motivo da demora na edição das novas portarias. Na prática, o país ficou sem regras de marcação de armas e munição por 17 meses, entre abril de 2020 e setembro de 2021.
Mas tanto o TCU quanto o Instituto Sou da Paz constaram, por meio da tramitação de documentos oficiais, que desde dezembro de 2020 estavam prontas, dentro do Comando do Exército, minutas das novas portarias.
O TCU quer que o Exército explique por que esperou até setembro, na iminência de uma decisão do STF, para baixar novas normas.
Langeani afirma que, na prática, o Exército vem atendendo à vontade de Bolsonaro, de afrouxar controles sobre armas, por quase dois anos.
As portarias que foram revogadas começaram a ser discutidas em 2018, após o assassinato da vereadora Marielle Franco. A investigação sobre a morte dela descobriu que os projéteis usados para matá-la e o motorista Anderson Gomes pertenciam a um lote de balas para pistola 9 mm vendidas à Polícia Federal, em dezembro de 2006.
O lote registrado pelo Exército tinha quase 2.000.000 de projéteis, muito acima das regras fixadas pelos próprios militares, de marcar cada lote com o limite de 10.000 unidades.
Balas desse mesmo lote foram encontradas em outros crimes, como registrou o TCU, em um assalto a uma agência dos Correios na Paraíba em 2018.
Provocada pelo TCU, a Polícia Federal afirmou que “caberia no mínimo um processo administrativo sancionatório contra a empresa pelo descumprimento da norma”, referindo-se à Companhia Brasileira de Cartuchos, que é privada e fiscalizada pelo Exército.
Na época da morte de Marielle, o Exército afirmou que iria investigar como um lote tão fora do padrão foi expedido, mas nada foi feito até agora.
No atual processo, o TCU quer que o Exército explique como monitora a separação dos lotes pela CBC e quer saber ainda a quantas anda a punição da empresa pelo descumprimento das regras no caso deste lote e de outros sete identificados como também fora do padrão.
“Evidente que não é possível garantir a eficácia de um sistema de fiscalização de produtos controlados se não houver sanção àqueles que desrespeitarem as suas normas”, afirma o TCU no processo de instrução.
O Comando do Exército foi procurado pela equipe da coluna e informou que “quaisquer esclarecimentos solicitados pelo Tribunal de Contas da União serão prestados, de maneira oportuna, exclusivamente àquele órgão. Cabe destacar que esse é o procedimento que tem pautado a relação de respeito do Exército Brasileiro com as demais instituições da República.”
O Globo/montedo.com

10 respostas

  1. Quero saber como o TCU e Sou da Paz pretendem fiscalizar as recargas. Nos locais de treinos o pessoal civil/militar tem que receber instrução sobre legislação. Criminosos têm esse treino e sabem o que fazer na audiência de custódia.

  2. Resumo disto tudo, ou seja, um fiscaliza TCU e outro cumpre EB. Simples assim! Muitos militares tem uma mania de se acharem melhores que os outros e o pior de tudo que se acham intocáveis perante outras instituições.

  3. Fazia tempo que não acessava este blog. Vejo que ele está cheio de “vermelhinhos”, os mesmos que encontro nos comentários do Jornal Extra.

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