Exército volta os olhos para o Nordeste

O empreendimento ficará localizado na mata do Campo de Instrução Marechal Newton
Cavalcanti (CIMNC), pertencente ao Exército, no interior da Área de Proteção Ambiental (APA)
Aldeia Beberibe, região de Mata Atlântica - FOTO: Reprodução

Nova divisão e projeto bilionário colocam o Nordeste no foco do Exército

Luis Kawaguti*
Desde a Segunda Guerra Mundial, o Nordeste do Brasil não recebia tanta atenção do Exército. A região, que ficou conhecida como o “Trampolim da Vitória” durante o conflito contra os nazistas, ganhou em 2021 uma nova Divisão de Exército e receberá nos próximos anos um projeto de pelo menos R$ 1 bilhão para a construção de uma escola de sargentos.
Historicamente, a maior concentração de tropas das Forças Armadas sempre esteve nas regiões central e Sul do Brasil. A partir da aproximação entre Brasil e Argentina nos anos 1980, as preocupações militares começaram a se voltar para a região amazônica. O motivo era principalmente a presença de grupos armados como as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) operando nas fronteiras e pressões geopolíticas de nações estrangeiras relacionadas à questão ambiental.
Na década de 1990, unidades militares que estavam sediadas no Sul do país começaram a ser transferidas para a Amazônia – como a Brigada das Missões, que saiu do Rio Grande do Sul, com destino a Tefé (AM). Hoje, a região amazônica tem dois comandos militares.
Já a região Nordeste, apesar de possuir grandes efetivos militares, não era foco de atenção estratégica significativa desde a entrada do Brasil na Segunda Guerra Mundial, em 1942. Segundo artigo do historiador militar Carlos Daróz, a possibilidade de invasão inimiga do chamado “Saliente Nordestino”, região formada por Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco (incluindo o arquipélago de Fernando de Noronha) e Alagoas, “apresentava-se em cores vivas e reais”.
Temia-se que as forças do Eixo invadissem a América do Sul partindo da África para o Nordeste do Brasil. A região também era considerada de grande importância estratégica para o controle do Atlântico Sul.
Com apoio americano, unidades do Exército e da Marinha foram deslocadas para a região e bases aéreas e navais foram construídas. Uma das que ganharam maior notoriedade foi a base aeronaval de Natal, que trouxe centenas de americanos para o Rio Grande do Norte.
Por estarem no ponto mais próximo entre o Brasil e o continente africano, essas bases foram usadas em rotas aéreas e marítimas especialmente para Dakar, no Senegal. O objetivo era suprir as tropas aliadas que lutavam no norte da África. A estratégia foi apelidada de “Trampolim da Vitória”.
Atualmente, o Nordeste volta a ser foco de atenção militar, mas não devido à possibilidade de uma invasão ou guerra, como há cerca de 80 anos. Um dos elementos dessa nova estratégia é a valorização da presença do Exército na região Nordeste do país.
O processo já começou neste ano com a recriação sob o Comando Militar do Nordeste (CMNE) da 7ª Divisão de Exército, que estava desativada há quase dez anos. A Divisão é uma unidade militar que engloba unidades menores, como Brigadas, Regimentos e Batalhões – reunindo milhares de militares.
Não houve deslocamento de novos efetivos para a Divisão, mas a mudança libera uma grande quantidade de militares de funções administrativas e logísticas. Eles agora poderão se dedicar exclusivamente a operações no terreno. Isso torna as tropas do Exército na região mais robustas e melhor treinadas.
Com a mudança será mais fácil, por exemplo, que militares atuem no terreno com agências de Estado e órgãos de segurança pública, como as polícias. Isso pode ocorrer em operações de Garantia da Lei e da Ordem (que precisam de autorização específica dos governos federal e estadual).

Nova escola de sargentos terá investimento de pelo menos R$ 1 bilhão
A estratégia também inclui a criação da Escola de Formação e Graduação de Sargentos de Carreira do Exército, na Grande Recife (PE). Ela será instalada no Campo de Instrução Marechal Newton Cavalcanti, uma área do Exército, de 73 quilômetros quadrados, localizada a cerca de 15 quilômetros da capital pernambucana.
Os estudos técnicos, sondagens e levantamentos topográficos devem começar em janeiro de 2022. Eles serão necessários para a elaboração de um Plano Diretor. As obras de construção serão divididas em três fases e devem durar cerca de oito anos.
Os investimentos no projeto devem passar de R$ 1 bilhão, segundo estimativa de 2021 do Exército. No ano que vem, deve ser assinado ainda um protocolo de intenções entre a força armada e o governo de Pernambuco – que afirmou estar disposto a investir R$ 323 milhões na escola.
O plano tem ainda um componente ambiental: a escola deve ser alimentada por uma usina de energia solar e terá sistemas independentes de tratamento de esgoto e reuso da água.
Além disso, serão evitados cortes de morros e aterros para preservar a topografia original do terreno. Todos os materiais de construção da obra terão que possuir certificação de procedência ambiental. O projeto prevê ainda um sistema de compensação ambiental.
A nova escola vai abrigar simultaneamente, em regime de internato, 2,2 mil alunos, que passarão por dois anos de cursos. Incluindo instrutores, o efetivo total da unidade será de cerca de 5 mil militares, segundo o Exército.
Atualmente a Escola de Sargentos das Armas (ESA) fica sediada na cidade de Três Corações, em Minas Gerais. Mas o Exército avaliou que o local já estava pequeno demais para todas as atividades da escola e começou a avaliar sua transferência. Além disso, parte do curso é hoje ministrado em diversas unidades espalhadas pelo país além da ESA.

Mas por que o Exército centraliza seu ensino em grandes escolas?
Da mesma forma que todos os oficiais da força são formados na Academia Militar das Agulhas Negras (Aman), todos os sargentos passarão pelos bancos de escola e campos de treinamento da futura escola de sargentos.
Atualmente, os sargentos do Exército fazem o primeiro ano de treinamento em 13 unidades escolares espalhadas pelo país. Só depois vão para Três Corações. A ideia é unificar todo o processo de formação em um só local, em Recife.
A ideia está relacionada a uma doutrina que já é aplicada aos oficiais: todos devem receber uma formação padronizada e centralizada, sendo submetidos às mesmas oportunidades e dificuldades.
Diferente do que ocorre em empresas, os militares dos mais altos escalões conhecem todos os seus colegas de trabalho desde os bancos de escola – fato que fortalece a cultura corporativa de unidade e pertencimento, além de facilitar o processo de comunicação.
A escola nova ensinará habilidades práticas para as diversas especialidades de sargentos, como o combate propriamente dito, logística e mecânica de helicópteros. Além disso, eles serão treinados para usar armas individuais e coletivas, fazer acampamentos e usar os equipamentos necessários à vida militar.
Pelo menos 18 cidades concorreram para receber a nova escola de sargentos, oferecendo obras de infraestrutura e isenção de impostos. As outras finalistas foram Santa Maria (RS) e Ponta Grossa (PR).
A decisão por Recife foi divulgada em outubro pelo presidente Jair Bolsonaro, após dois anos de estudo do Exército. A decisão foi baseada não apenas em questões econômicas, mas na estratégia da força em valorizar sua presença no Nordeste, segundo apurou a coluna.
* Luis Kawaguti é jornalista especializado nas áreas de Defesa, Segurança e Política Internacional. Trabalhou na BBC World Service e prestou serviço para agências internacionais de notícias. No Brasil passou pelas redações de Veja, Diário de S.Paulo, Folha de S.Paulo e UOL. É autor do livro “A república negra” (Ed. Globo, 2006) sobre a missão de paz da ONU no Haiti.
GAZETA DO POVO/montedo.com

8 respostas

  1. O nordeste de fato é a porta de entrada e ponto fraco do Brasil, mas não é carência de exército e sim de marinha.

    De modo geral, se acirrarem uma guerra fria o nordeste crescerá cada vez mais em importância

    Litoral gigante é bom ver a marinha que temos antes de colocar uma lupa no exército. Mas isso seria política de defesa e até pouco tempo cada força fazia o que queria e pedia o que queria. O rádio da marinha não se comunicava com o EB e a aeronáutica …diziam..

  2. “Retorno estratégico ZERO”.
    A ESA é um EE (Estabelecimento de Ensino).
    Aeronáutica:
    EPCAR- Barbacena – MG.
    AFA- Pirassununga-SP.
    EEAR- Guaratinguetá – SP.
    Marinha:
    Colégio Naval- Angra dos Reis-RJ.
    Escola Naval- RJ (numa área, num entorno altamente privilegiado).
    Exército:
    EPCEx- Campinas-SP.
    Aman- Resende-RJ.
    ESA- cidade cinematográfica de ‘Breaking Bad’.
    Araçoiaba fica a 60 Km do Recife, e não 15 quilômetros.
    Herança maldita desse desgoverno.
    Sem comentários.
    Patético.
    Mito.

    1. De fato, arocoiaba é próximo ao mar. Mar de cana de açúcar. Recife e região metropolitana é muito sujo, talvez presença militar ajuda. Bons sub podem dar jeito

  3. Desperdício de dinheiro.

    Os militares temporários formados no CPOR/NPOR, com ensino médio, formados em 42 semanas, ocupam os mesmos cargos e exercem as mesmas funções dos oficiais da AMAN de nível superior, portando não precisa da academia, economiza uma boa grana.

    Os sargentos temporários com ensino fundamental/médio ocupam os cargos e exercem as mesmas funções que os militares com o curso superior da ESA, não precisa da Escola, mais economia.

    Os oficiais temporários de medicina, engenharia, etc, formados 45 dias ocupam os mesmos cargos e exercem as mesmas funções dos formados na EsSEx, ESAEX, IME, não precisam dessas escolas, mais economia.

    Pelo princípio da economia e eficiência é melhor não ter escolas ou academias nas forças armadas, não precisa gastos excessivos na formação militar.

  4. Na real, os formadas das escolas, academias de oficiais e os com curso de habilitação de oficiais de carreira já seriam promovidos a capitão e os praças de escola já saíram promovidos a segundo-sargentos.

    Os postos e graduações iniciais seriam providos por temporários, formados em âmbito regional.

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