Por “ruptura do preceito hierárquico”, Marinha tenta impedir reconhecimento do “Almirante Negro” como Herói da Pátria

Grafite de Pedro Rajão e Cazé na rua em que viveu João Cândido, em São João de Meriti | Márcia Foletto

Depois de 111 anos, Marinha açoita memória de João Cândido

Bernardo Mello Franco
A Comissão de Educação e Cultura do Senado aprovou a inscrição de João Cândido Felisberto no Livro de Heróis e Heroínas da Pátria. O marujo morreu há 52 anos, foi anistiado duas vezes e é reconhecido como um ícone da luta contra o racismo. Ainda assim, a Marinha tenta barrar a homenagem.
Filho de escrava, João Cândido liderou a Revolta da Chibata, movimento de marinheiros que parou o Rio em 1910. Os rebeldes tomaram quatro navios na Baía de Guanabara e apontaram os canhões para a cidade. Ameaçavam abrir fogo se as punições físicas não fossem abolidas.
Às vésperas do motim, o marujo Marcelino Rodrigues Menezes havia sido castigado diante da tripulação do encouraçado Minas Gerais. Foi amarrado ao mastro e levou 250 chibatadas.
A rebelião mobilizou 2.379 praças aos gritos de “Viva a liberdade” e “Abaixo a chibata”. Em mensagem ao presidente Hermes da Fonseca, eles protestaram contra a rotina de maus-tratos:
“Pedimos a V. Exª. abolir a chibata e os demais bárbaros castigos pelo direito da nossa liberdade, a fim de que a Marinha brasileira seja uma Armada de cidadãos, e não uma fazenda de escravos que só têm dos seus senhores o direito de serem chicoteados.”
A Lei Áurea, assinada em 1888, ainda não havia chegado aos navios de guerra. Os marinheiros, quase todos negros, continuavam a ser açoitados pelos superiores, quase todos brancos.
O motim instalou o pânico na então capital da República. Os rebelados mataram seis oficiais que tentaram reprimi-los. Um tiro de advertência matou mais duas crianças no Morro do Castelo.
A imprensa defendeu os marujos e apelidou João Cândido de Almirante Negro. No Senado, Ruy Barbosa cobrou o fim dos castigos e exaltou “o homem do povo, preto ou mestiço, que veste a nobre camisa azul da nossa Marinha”.
O governo ofereceu uma anistia para encerrar o movimento, mas descumpriu o trato e expulsou a maioria dos rebeldes. João Cândido foi preso e confinado numa solitária. Absolvido, passou a sobreviver como estivador e vendedor de peixes na Praça XV. Na velhice, morava numa rua sem luz e sem asfalto na Baixada Fluminense.
“Ele comeu o pão que o diabo amassou”, conta o historiador Álvaro Pereira do Nascimento, da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro.
Morto em 1969, João Cândido viraria herói popular. Inspirou músicas, peças de teatro e desfiles de carnaval. O Congresso aprovou uma nova anistia há 13 anos, mas os chefes militares insistem em açoitar sua memória.
Nos últimos dias, a Marinha tentou convencer os senadores a desistirem da homenagem. Em nota, definiu a Revolta da Chibata como “um péssimo exemplo e um episódio a ser lamentado”. “A Marinha não reconhece o heroísmo das ações daquele movimento e o considera uma rebelião”, sentenciou. O texto admite que os castigos físicos não eram “corretos”, mas condena a “ruptura do preceito hierárquico”.
A proposta foi aprovada na sexta-feira e seguirá para a Câmara, onde a pressão deve recomeçar. “Os militares querem apagar a História. João Cândido morreu há 52 anos e continua a ser perseguido”, critica o professor Nascimento. Somando o tempo de banimento em vida, já são 111 anos de perseguição.
O Globo/montedo.com

34 respostas

  1. Não existe hierarquia contra a legalidade.
    Pra cima deles, sociedade civil. Quem escolhe os heróis da nação são vocês. A nação é de vocês e não de nenhuma instituição. Obrigado Joao Cândido, graças a ti a chibata cessou, apesar de ser uma prática ilegal desde a república

    1. Lembro que tal desprezível prática a qualquer tempo não era exclusividade da MB.
      Outros países ocidentais utilizavam desta mesma prática.

    2. Que não se repita mais, que sirva de exemplo para que nunca mais aconteça castigo físico nas Forças Armadas. Que João Candido seja sempre lembrado pelas injustiças que sofreu.

    1. Muito mais digno e corajoso do que muito coronel, general e almirante. Sem sombras de dúvidas é um herói. Marinha do Brasil é uma instituição preconceituosa até os dias atuais. Até os oficiais do EB ficam chocados da segregação que existe entre Oficiais e praças na Mainha. Tomara que passe pela câmara. Vai ser um tapa na cara desses almirantes soberbos. A MB sempre foi aristocrática e o Exército sempre foi mais republicano. e vou além: deveria ser dado o nome do João Cândido a um centro de instrução da Marinha, justa homenagem. Tá na hora do congresso botar esse almirante que praticou aquele desfile afrontoso contra o congresso no devido lugar dele.

  2. Deixo meu questionamento para marinha, se para manter hierarquia e regulamento a instituição achava “normal´´ os castigos físicos e de cunho racista, visto que a massa dos marujos na virada do século XIX eram em sua maioria negra.

  3. Outra reviravolta e traição vergonhosa da História brasileira se deu no caso dos Lanceiros Negros
    O escravocrata e traidor David Canabarro, que substituiu o presidente da República Rio-Grandense Bento Gonçalves e Cmt do Exército Farroupilha, fora avisado que as tropas do Moringue (Coronel Francisco Pedro de Abreu, militar do Império) estavam pelos arredores do acampamento farroupilha, desarmou propositadamente o 1.º Corpo de Lanceiros Negros.
    A Tropa farroupilha formada por escravos, foi dizimada pelo exército imperial no chamado Massacre de Porongos (próximo a Cruz Alta).
    A chacina pode ter sido resultado de um acordo entre um chefe dos farrapos, o traidor David Canabarro, e o comandante do exército legalista, Barão (futuro Duque) de Caxias.

    Os Lanceiros Negros, foram excelentes combatentes de cavalaria, manejam como grande habilidade suas armas prediletas, as longas lanças.
    Eram armados também com adaga ou facão e, em raríssimas oportunidades, algumas armas de fogo em determinadas ocasiões, nunca armados de espadas.
    Como lanceiros não utilizavam escudos de proteção, mas sim seus grosseiros ponchos de lã, bicharás, que serviram-lhes de cama, cobertor e proteção do frio e da chuva.

    Estima-se a morte entre 600 a 700 negros farroupilhas, outras versões falam de menos.
    Dos Lanceiros Negros restaram mais de 120, que após a Paz de Ponche Verde foram mandados incorporar pelo Barão de Caxias aos três Regimentos de Cavalaria de Linha do Exército na província do hoje RS.

    Uma coisa deve ficar clara, a figura de Canabarro, sempre apresentado como um dos heróis da Revolta dos Farrapos nunca deve-se estar comparada a verdadeiros soldados como Bento Gonçalves, do italiano Giuseppe Garibaldi (que não era italiano, nasceu em 4 de julho de 1807, Nice, França) e a Antônio de Sousa ‘Neto’, o Cel Neto que foi o segundo maior líder farroupilha.
    Esse merece atenção especial por ter sido Cmt de legião da Guarda Nacional de Bagé, quando participou da reunião que decidiu pelo início da Revolução Farroupilha em 18 de setembro de 1835, na “Loja Maçônica Filantropia e Liberdade”.
    Após a Batalha do Seival, proclamou a República Rio-Grandense, no Campo dos Menezes, a 11 de setembro de 1836.
    Cel Neto merece destaque porque era como Bento Gonçalves ‘Abolicionista ferrenho’, foi morar no Uruguai após a guerra, com os negros que o acompanharam por livre vontade e onde continuou com a criação de gado.
    Voltou a peleja em 1851, na Guerra contra Rosas, com sua em Brigada de Cavalaria Ligeira.
    Voltou ao combate na Guerra contra Aguirre e depois, juntamente com seu exército pessoal, na Guerra do Paraguai.
    Fez a vanguarda do general Osório na invasão do Paraguai, na Batalha do Passo da Pátria, em 16 de abril de 1866.
    Mesmo em combate com o Exército de Caxias/Osório sua tropa empunhava o pavilhão tricolor da República Rio-Grandense.
    Ferido na batalha de Tuiuti, morreu um solo argentino. Em 1966, no centenário de sua morte, seu corpo foi exumado e transferido para um mausoléu em Bagé.
    Esses os principais personagens que deram suas vidas pelas causas Farroupilha e na guerra do Paraguai, na causa da unidade territorial.
    No caso de Bento Gonçalves, perdeu seus bens materiais no financiamento de suas lutas, por ideais Absolutistas e no combater pela causa sagrada de seu povo, a Liberdade da Província de São Pedro do Rio Grande do Sul.
    Não sou da Arma Ligeira, porém conhecendo os primórdios da Cavalaria nos diversos conflitos, revoltas e guerras do Brasil Imperial, passei a diferencia-los.
    Antes que comecem essa coisa insuportável de norte-sul, de sudeste-nordeste, digo, a primeira Revolta bem sucedida de Independência foi a Insurreição pernambucana, a REVOLUÇÃO DE 1817 – PERNAMBUCO.

    1. Os integrantes do 1.º Corpo de Lanceiros Negros foram traídos duas vezes.
      Pelo traidor David Canabarro que substituiu o já cansado e de saúde debilitada pelos combates Bento Gonçalves (retirou-se a sua estância).
      E pelo não cumprimento da promessa de liberdade após duros combates.
      Nem os lideres Farroupilha e nem o então Barão de Caxias os libertaram da escravidão.
      Apenas após a Abolição da Escravatura em 1888.
      Lutaram pela promessa de liberdade, e por ela foram traídos e dizimados em Porongos.
      Nem Canabarro e Caxias queriam libertos aquela época, por isso morreram desarmados.
      Mais uma mancha em nossa história de sangue e suor pela liberdade.
      Esse Corpo de Tropa era organizado em frações e comandadas pelos próprios lanceiros, chegavam no máximo a graduação de Sargento.
      Respeitados pela bravura, ferocidade no ataque organizado a pé e a cavalo, nas táticas de choque e combate aproximado.
      Bravos soldados.

      1. Por fim, Cel Neto foi baleado na batalha de Tuiuti e faleceu num hospital de campanha em solo argentino, porque além de sua Tropa fazer a vanguarda desta batalha, ele sempre combateu a frente de seus comandados.
        Aproveitando, Osório tinha essa característica. Era o “predileto” da Tropa para comandar o Exército, era tropeiro, abolicionistas como Neto e Bento Gonçalves.
        Diferentemente de Caxias que era imperialista.
        Logo após o tratado de Paz de Ponche Verde em 1842, Dom Pedrito, o governo imperial nomeou Caxias comandante-chefe do Exército em operações e presidente da província de São Pedro do Rio Grande do Sul, a pedido dos farroupilhas.
        Mal Duque de Caxias, o Pacificador do Brasil.

          1. Grande Anônimo a partir do 14:34
            Aula de história ‘mais ou menos’ companheiro.
            Ao conversar com a velha guarda da Arma ligeira (uns beiçudos Raízes) da Guarnição histórica de Bagé-RS, fiquei sabendo desta triste passagem desses verdadeiros Soldados de Cavalaria, aproveitei a oportunidade e a passei a frente.
            Aprendizado oral, sim, e obviamente, num daqueles baitas churrascos da fronteira.
            Mais especificamente no 3º RC Mec, conhecido como Regimento Forte de Santa Tecla.

            Sou de Infantaria, mas, a Cavalaria tem belíssimas passagens em nossa historia de sangue e suor.
            Um abraço.

          2. Grande Anônimo a partir do 14:34
            Segue Link abaixo do filme ‘Netto perde sua Alma’.
            “Antônio de Souza Netto é um general brasileiro que é ferido na Guerra do Paraguai e …”.

  4. As forças armadas são seculares e infelizmente cometeu ações que atualmente não são bem vistas na sociedade, mas era comum na época, o reconhecimento do “marechal negro” revive momentos tensos que podem manchar “o bom nome” da instituição e ser vista com ressalvas pela população.

    1. Exatamente. Mas o povo que defende “cegamente” o tal reconhecimento parece sequer pensar nisso. Todavia, acho válido defender que o “Almirante Negro” teve um importante papel histórico e não deve ser esquecido pela sociedade.

  5. João Cândido nunca teve a oportunidade de cursar os
    – Altos Estudos – mas o sangue militar nato, de líderar a tropa o elevou ao livro dos heróis!!! Salve salve Almirante João Cândido!!minhas fraternas continência!!

  6. A punição, as penas com determinado número de chicotadas dependendo da transgressão, o Açoitamento, não era exclusividade da Marinha.
    Nas Unidades militares do Exercito fundadas no final do século XIX, encontra-se publicações em sua ‘4ª P A R T E. IV – Justiça e Disciplina’, punições com açoitamento, devido ao grande número de deserções, muito comum aquela época.

  7. A anistia do almirante negro merece uma indenização para seus descendentes e um reconhecimento da união das atrocidades cometidas pelas suas instituições e seus representantes, independente da época.

    1. Bom, segundo a Marinha as
      praças tinham que apanhar quietinhos sem reclamar e sem gemer. Pois o “regulamento” assim determinava. Acho senhores q esses tempos estão revelandoa a verdadeira faceta da nossa instituição q andava escondida. “Algo sempre esteve errado e fingimos estar certo”.

    2. Amigo, pra com esse pensamento paternalista e terceiro mundista de que o estado tem que indenizar tudo. Imagine se o estado Egipicio tivesse que indenizar toda a civilização judaica! Imagine se a Alemanha tivesse que indenizar as famílias dos mais de 6 milhões de judeus mortos no holocausto! E olha que esses só precisaram respirar para serem escravizados/mortos. É lamentável o que aconteceu no passado, mas esse papo de indenização é só pra quem pensa em teta de estado mesmo, igual os bonitinhos da época do regime militar, como Dilma, Dirceu e Genuíno e tantos outros, que se deram polpudas indenizações pro resto da vida.

  8. Foi justamente essa “ruptura do preceito hierárquico” que deu fim às chibatadas na Marinha de então.

    Há muito que as FA usam a hierarquia e a disciplina para continuar tratando as praças como cidadãos de segunda classe.

  9. Interessante e de valor, por ter lutado contra os maus tratos.
    Questões:
    1) só os marinheiros negros eram chibateados quando erravam ou os brancos também?
    2) o que de errado ele fez para ter sido condenado a 250 chibatadas?

    1. Respostas:
      1) não, mas a maioria dos marinheiros era negra sim, alforriados sem qualquer perspectiva, e poderiam sentar praça mediante contratos de 15, 12 ou 9 anos, a depender da idade. Com a abolição, essas pessoas não tinham outras ocupações senão essas.

      2) o que ele fez para merecer as chibatadas não importa, pois as chibatadas haviam sido banidas desde a proclamação da república. Então ele poderia ter feito qualquer coisa, só não poderia ter sido condenado a uma pena de suplício.

      Que peguem o maior navio da marinha e o rebatizem de João Candido, o Almirante.

      É o desejo do povo. A interpretação da marinha sobre a nobreza de nossos heróis é insignificante. O povo manda, a marinha obedece (ao menos hj em dia, já que na época da chibatazzz)

  10. O pedido de indenização amparado na constituição federal de 1988.

    Os crimes de injúria racial e racismo são imprescritiveis.

    Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

    V – é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem;

    X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;

  11. Enquanto você praça babão! não tomar uma atitude, sempre levarás a mala de seu chefe e pronto. Uma cambada de Subtenentes que vedem até a família para alcançar seus objetivos pessoais. Quando se pergunta como está sua família, logo mudam de assunto, o negócio é falar do QA, pois sabem tudo da vida de seus companheiros. Vivo isso diariamente aqui no QG. Depois voltam PTTC, pois ainda tem seus encargos com seus entes, se lamentando que esqueceram de fazer algo no passado. “Balela!”. Se preocuparam mais com sua pessoal “carreira”, para fazer para de círculo que jamais serão aceitos e ganância financeira, sendo essa última de pouca valia, pois com a idade avançada, nunca farás como se jovem fossem. Existe suas exceções, raridade, mas existe.

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