STF julga limites da Justiça Militar e pode criar novo embate com Forças Armadas

Patrulha do Exército em operação GLO no Ceará

Ministros irão decidir quem deve julgar crimes cometidos por integrantes do Exército em operações de segurança pública

Matheus Teixeira
BRASÍLIA

O STF (Supremo Tribunal Federal) julgará duas ações que podem limitar os poderes da Justiça Militar e criar um novo embate com as Forças Armadas.
Uma delas visa retirar desse segmento do Judiciário a atribuição de analisar crimes cometidos por integrantes do Exército em operações de GLO (Garantia da Lei e da Ordem), como nos casos de ocupações em favelas e de ações de proteção às fronteiras.
A outra diz respeito a um pedido para que seja reconhecida a incompetência da Justiça Militar para julgar civis em tempos de paz.
As Forças Armadas estiveram recentemente no centro de uma crise institucional alimentada pelo presidente Jair Bolsonaro.
Em agosto, ele promoveu um desfile de blindados em frente ao Palácio do Planalto horas antes de a Câmara rejeitar proposta de voto impresso, ato lido na ocasião como tentativa de intimidar o Congresso.
Além disso, o ministro da Defesa, Braga Netto, defendeu a discussão sobre a mudança no sistema de votação, ampliando a crise.
No 7 de Setembro, em discursos diante de milhares de apoiadores em Brasília e São Paulo, Bolsonaro fez ameaças golpistas contra o STF (Supremo Tribunal Federal), exortou desobediência a decisões da Justiça e disse que só sairia morto da Presidência da República.
A escalada golpista de Bolsonaro, no entanto, arrefeceu após o envolvimento direto do ex-presidente Michel Temer, que foi acionado pelo Planalto numa tentativa de debelar a crise institucional com o STF e o Congresso.
Desde então, o chefe do Executivo vem moderando o discurso em relação aos demais Poderes.
As duas ações sobre a Justiça Militar a serem julgadas pelo STF foram apresentadas pela PGR (Procuradoria-Geral da República) em 2013, quando se intensificou a atuação do Exército em operações de segurança pública. A PGR quer limitar o alcance da Justiça Militar.
Já o STF tem evitado concluir a análise dos dois casos por se tratar de tema sensível e com possível repercussão na relação com as Forças Armadas.
O presidente do STF, Luiz Fux, porém, está decidido a levar a plenário o debate sobre o tema. Ele já chegou a incluir os dois processos em pauta, mas outros casos acabaram ganhando prioridade. A intenção, porém, é concluir os dois julgamentos em breve.
A análise da ação que discute quem deve julgar integrantes do Exército que atuam em GLO começou em 2018, com os votos dos ministros Marco Aurélio e Alexandre de Moraes a favor da competência da Justiça Militar.
O ministro Edson Fachin se posicionou no sentido contrário, e o caso foi interrompido por pedido de vista (mais tempo para analisar) de Luís Roberto Barroso.
Em fevereiro deste ano, o julgamento foi retomado no ambiente online e Barroso deu o terceiro voto contra o pedido da PGR. O ministro Ricardo Lewandowski, todavia, retirou o caso do plenário virtual para que seja debatido presencialmente.
Esse tipo de decisão costuma ocorrer quando ministros entendem que a matéria é muito importante e merece ser debatida pelo plenário físico.
Na outra ação, que ainda não teve apreciação iniciada, a Procuradoria afirma que o Supremo deveria dar nova interpretação a uma lei de 1969 para que ela se adeque às regras estabelecidas na Constituição de 1988.
De acordo com a PGR, atualmente para definir o responsável por julgar determinado ato se investiga qual a intenção do agente civil e, se de qualquer modo atingir a instituição militar, já é atraída a competência da Justiça Militar.
O órgão, porém, diz que esse segmento do Judiciário só deveria ter poder para julgar civis “em caráter excepcional” e quando houver “ofensa à pátria, à garantia dos poderes constitucionais
“A submissão de civis à jurisdição da Justiça Militar, em tempos de paz, viola o estado democrático de direito”, afirma ação assinada pelo então procurador-geral da República, Roberto Gurgel.
Diversas entidades ligadas aos direitos humanos se habilitaram no processo como amicus curiae, o que permite uma participação mais ativa no processo.
No início deste mês, nove associações desta natureza, dentre elas a Comissão Arns, enviaram um documento ao Supremo solicitando que seja restringida a atuação da Justiça Militar.
As entidades argumentam que os casos são julgados majoritariamente por membros das Forças Armadas vinculados à instituição, o que retiraria a imparcialidade do órgão.
Além disso, depois da primeira instância, o caso segue direto para o STM (Superior Tribunal Militar), composto por 15 magistrados, sendo apenas cinco de origem civil.
As entidades afirmam ainda que boa parte dos julgamentos de civis nesse ramo do Judiciário são crimes de desacato, desobediência ou resistência a integrantes das Forças Armadas que atuam em operações de segurança pública.
Além disso, dizem que os juízes “não estão isolados da hierarquia militar, o que contribui para a impunidade e violação de direitos” e que, por isso, esses magistrados não são independentes e imparciais.
Ainda em 2013, o Ministério da Defesa encaminhou parecer ao Supremo em que afirma que a PGR partiu de “premissas equivocadas” ao apresentar a ação ao STF.
A legislação que trata do tema, segundo a pasta, “presta-se também para prevenir e reprimir condutas que tenham o intuito de atingir as Forças Armadas para as finalidades constitucionais a que se destina, ou seja, que visem a lesionar os bens e interesses vinculados à destinação constitucional das instituições militares”.
Segundo o parecer, a legislação é aplicada “aos agentes civis que agirem com tais desígnios”.
Na outra ação, a PGR pede que seja revogado trecho de duas legislações, uma aprovada em 2004 e outra em 2010, que trata da atuação do Exército em operações de garantia da lei e da ordem.
A Procuradoria afirma que a ampliação e o fortalecimento das Forças Armadas no combate ao crime não é incompatível com o Estado Democrático de Direito, mas faz uma ponderação.
“Todavia o é [inconstitucional] a transferência, para Justiça Militar, da competência para o julgamento dos crimes cometidos no exercício das atribuições subsidiárias acometidas às Forças Armadas”, diz.
A PGR classifica a restrição do alcance desse segmento do Judiciário como “de extrema relevância para caracterização do sistema constitucional atual, de controle civil sobre o poder militar”.
Nesse caso, o placar está 3 a 1. O relator, ministro Marco Aurélio, que se aposentou em julho deste ano, classificou o tema como “sensível” e que “afeta diretamente as estruturas do Estado democrático de direito.
“Seja no combate ao crime organizado nas favelas, nas fronteiras, nas eleições livres ou em ações de defesa civil, as Forças Armadas desempenham papel constitucionalmente atribuído na garantia da soberania e da ordem democrática, em dimensão qualitativamente diversa daquela realizada pelas forças ordinárias de segurança”, assinalou.
O ministro Edson Fachin, no entanto, divergiu. “Apenas os crimes próprios, cuja realização só é possível pelo militar, é que são alcançados pela jurisdição militar, e não cabe ao legislador ampliar o escopo da Justiça Militar”.
O professor e doutor em Direito Constitucional Ademar Borges afirma que não é correto um civil ser julgado por um órgão majoritariamente composto por integrantes das carreira militar.
“Esse desenho institucional que privilegia a formação militar, e não a formação jurídica, tem uma razão de ser: preservar a lógica da hierarquia e da disciplina nas Forças Armadas”, diz.
“É preocupante verificar que, ao permitir que civis sejam julgados pela Justiça Militar em tempos de paz, o Brasil caminha na contramão do sistema internacional de proteção dos direitos humanos nessa matéria, não apenas na América Latina como também na Europa”, afirma o professor.

RAIO X

Composição do STM
4 generais de Exército
3 almirantes de esquadra
3 tenentes brigadeiros
5 juízes civis

FOLHA/montedo.com

10 respostas

  1. 1) “GLO, como nos casos de ocupações em favelas”:
    – essa ação só por tropa especializada e excepcionalmente.
    – apoio ordinariamente em logística.
    – destaca-se a quase iniciativa exclusiva de tropa e blindados dos Fuz Navais.
    – pode ser impressão, mas, acredito que o CML tem sido bem criterioso no emprego da Força Terrestre nos morros do RJ (acertada posição).
    – paisano envolvido ‘diretamente’ numa ação das FA, comprovada ação ilícita pelo civil, sim, julgado pelo STM, outras ações tipicamente inflacionárias, na justiça comum.
    – missão a priori dos órgãos estaduais.
    – na missão de defesa interna constitucional, excepcionalmente, o uso de tropa das FA.
    – Inteligências das FA, logística e assessoramento de pessoal militar nesse cenário de conflito urbano.
    – Braga Netto depois de sua experiência no Cmdo Op no Rio, fez a cabeça do ‘meçias’ o qual já fez declarações que essa “guerra” é do estado do Rio de Janeiro.
    – acredito que oportunistas das FA com objetivos pessoais ‘meteram’ a Tropa algumas vezes nestas inapropriadas ações.
    – como por exemplo na segurança das obras no morro da Providência que levou a morte de 4 jovens (tenente Vinícius Ghidetti).
    – esses generais deveriam serem também responsabilizados.

    2) “incompetência Justiça Militar p/ julgar civis em tempos de paz”:
    – paisano envolvido ‘diretamente’ numa ação das FA, comprovada ação ilícita pelo civil, sim, julgado pelo STM, outras ações tipicamente inflacionárias, na justiça comum.

    3) Poucos militares e Unidades tem preparo mental e técnico para esse tipo de campo de conflito urbano (favelas).

    4) “Dez militares são presos após ação do Exército que fuzilou carro de família no Rio com mais de 80 tiros”,
    – segue link abaixo:
    https://g1.globo.com/rj/rio-de-janeiro/noticia/2019/04/08/dez-militares-sao-presos-apos-acao-do-exercito-que-fuzilou-carro-de-familia-no-rio-com-80-tiros.ghtml

  2. Retificando:
    – Inteligências das FA, logística e assessoramento de pessoal militar das FA especializado em missões tipo polícia nos Centros de Cmdo e Controle dos órgãos de Segurança Pública Estaduais, nesse cenário de conflito urbano.
    – e o que tem de militantes com dezenas de estágios e cursos dessa área é uma grandeza.
    – quando na ativa chequei no almanaque dados de militar recém transferido para OM, o moço tinha umas cinco ou seis linhas de códigos de cursos e estágios, pensei é o ‘pica das galáxias.
    – leso engano, nenhum, repito, nenhum curso de combate, apenas esses estágios e cursos ‘tipo polícia’, de missão de Paz e outras rolhas (nova geração).
    – pessoal “perfeito” para ambientes refrigerados de Centros de Cmdo e Controle para suas elucubrações teóricas.
    Novos tempos.

  3. Ja passou da hora de extinguir essa justiça e especializar uma vara federal. Pouca demanda, julgamentos que todo mundo discute a parcialidade, gasto injustificável e ingerência descabida na nossa instituição. FFAA são uma coisa, poder judiciário é outra. Quem defende isso parece que não usa uma farda.

    1. Ta maluco amigo? Acabar com uma boquinha destas. Acabar com o STM, Petrobras, BB, Caixa, itaipu etc é matar a galinha dos ovos de ouro do governo, em termos de boquinha.

      1. Um tribunal, não militar. Será mais justo e isento do que um tribunal militar.
        É a velha história do caldeirão de militares no inferno. (Entendedores entenderão)

    2. Corporativismo total (STM).
      Como é o no Judiciário, pra eles ‘meterem um juiz na cadeia é fato raro (STF, STJ, STE e outros tribunais).
      Me remeteu ao caso dos salários duplex do Judiciário, 2 férias anuais, salários integrais ao se aposentarem, etc.
      Então, com o ‘meçias’ no palácio do Planalto, os generais equiparam seus vencimentos aos dos ministros do Supremo.
      Os generais do centrão militar inovaram, criaram os salários “tríplex” do funcionário pública federal (70.000 reais), super salários arromba tetos.
      Todos generais, mais o STM, resolveram, ‘já que há corporativismo lá, cá, também, terá’.
      Principalmente quando houver denúncias contra o Alto Escalão FA, vide os casos:
      – da “Bandalheira fardada”.
      – a PGR analisa uma representação encaminhada pelo MPM. Trata-se de um pedido de investigação “em desfavor” do ex-comandante do Exército, general Enzo Martins Peri, citado num espinhoso escândalo de corrupção.
      – ao todo, 25 oficiais de variadas patentes, incluindo “sete generais” e oito coronéis, são suspeitos de integrar um esquema que fraudou licitações, superfaturou contratos, fez pagamentos em duplicidade e pode ter desviado dos cofres públicos ao menos 15 milhões de reais entre 2003 e 2009, segundo os cálculos do Tribunal de Contas da União (TCU).
      Ressalto, “incluindo sete generais”.
      Se não fossem protegidos pelo STM, talvez, teriam sido responsabilizados.
      E lembrando que o possante Enzo Peri é oriundo da proba ENGENHARIA.
      Precisa dizer mais alguma coisa.
      Não!
      Vergonha.

  4. “Reportagem de Vinicius Sassine, na Folha de São Paulo (4/7/2021), sobre os últimos dez anos de atuação do Superior Tribunal Militar (STM), mostra que nenhum militar da mais alta patente foi punido por envolvimento em corrupção.
    De acordo com o levantamento, apenas um oficial general foi punido pelo órgão ao longo dessa década e por crime de lesão corporal culposa.
    Com dois meses de detenção e a possibilidade de suspensão da execução da pena, que permitiu ao militar recorrer em liberdade.”

  5. O ESCÂNDALO DE R$ 600 MILHÕES EM LICITAÇÃO FRAUDADA

    Os milhões acima citados dos contratos das duas fundações referem-se apenas a contratos com o governo federal. Valendo-se do aval do exército sempre, as fundações arrebataram também contratos diversos em órgãos estaduais, municipais e ainda com instituições privadas. E vários casos de fraudes também foram registrados. Contratos milionários.
    Como na licitação de R$ 600 milhões vencida pela Fundação Trompowsky.

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