Exército aponta erros, mas livra militares por morte de paraquedista; veja vídeo do salto

Alynne Soares, mãe do soldado Pedro Chaves, 19 - Ricardo Borges/Folhapress

Pedro Chaves morreu após tenente e sargento não terem enganchado paraquedas de salvamento; família teve pensão negada

Italo Nogueira
Júlia Barbon

RIO DE JANEIRO – Uma sequência de três erros cometidos por dois mestres de salto sem nenhuma punição. Esse foi o resultado da investigação da Justiça Militar sobre a morte do paraquedista Pedro Chaves, 19, ocorrida há um ano.
A apuração conduzida pelo Exército, com base em imagens do interior da aeronave, manuais de salto e depoimentos, chegou à conclusão de que, apesar das falhas apontadas, a morte foi uma “fatalidade”.
Homenageada pelo presidente Jair Bolsonaro no enterro do corpo do jovem, a família também foi comunicada pela Força que teve a pensão negada. Eles receberam apenas um seguro de vida de R$ 4.500 e atendimento médico.
“É muita injustiça, um corporativismo. Eles se defendem entre eles o tempo inteiro. E a gente é como se não fosse nada. Como se meu filho não fosse nada. É o que o meu marido fala: ‘São oficiais envolvidos’. O Pedro era só um soldado. Ele tinha acabado de chegar”, disse Alynne Soares, 37, mãe do soldado.
Chaves havia entrado no Exército três meses antes, pelo serviço militar obrigatório. Conseguiu ser selecionado para o Centro de Instrução Paraquedista, seu sonho desde criança.
Em seu terceiro e último salto de formação, o soldado ficou preso por cinco minutos à aeronave. Três paraquedas foram insuficientes para evitar a queda livre de 13 segundos até o chão.
O paraquedas usado naquele salto era o semiautomático. Nele, a fita de abertura fica enganchada no cabo de ancoragem instalado dentro da aeronave. O paraquedas se abre após a distensão completa da fita e, com o peso do corpo do saltador em queda, a ligação se rompe.
A família levou três meses para ser oficialmente comunicada sobre algo que os militares dentro da aeronave souberam logo após o acidente: eles haviam esquecido de enganchar a fita de abertura do paraquedas de salvamento no cabo de ancoragem do avião, essencial para que o equipamento fosse acionado.
Esse foi o terceiro e mais grave erro identificado nos vídeos gravados dentro da aeronave.
A primeira falha apontada pela comissão de investigação foi o fato de a fita de ligação do soldado (usada para prender a mochila de equipamento ao militar) estar totalmente solta, tocando o chão.
Um colega de Chaves notou a falha e tentou recolhê-la. O terceiro-sargento Alex Ribeiro, auxiliar do mestre de saltos, também notou e prendeu rapidamente a fita.
A comissão de investigação apontou que o sargento deveria ter retirado o soldado da fila de saltos para que a fita fosse guardada de forma adequada (sanfonada) dentro do compartimento destinado a ela.
“Não há como negar a esta altura que o procedimento mais correto a ser adotado, naquela circunstância, seria a retirada do soldado Chaves da equipe, haja vista que a fita de ligação, no estado em que se encontrava, colocava em risco o saltador e que a tentativa de prender novamente o equipamento não se mostrou exitosa”, afirma o relatório final do inquérito policial militar.
Após o sargento recolocar a fita de maneira inadequada, ela volta a cair. Logo depois, o soldado que está atrás de Chaves, inadvertidamente, pisa na fita. Ao pular, ela fica esticada e enrola na fita de abertura do paraquedas presa à aeronave.
O entrelaçamento das cordas faz com que Chaves passe os cinco minutos seguintes sobrevoando o Campo dos Afonsos, na zona oeste do Rio de Janeiro, pendurado ao avião.
Ele não poderia ser puxado de volta porque poderia bater na fuselagem da aeronave e se ferir gravemente. Havia também risco de o paraquedas abrir durante o processo e desestabilizar e derrubar a aeronave.
O segundo erro ocorre no início da tentativa de salvamento.
Os responsáveis foram o sargento Ribeiro, auxiliar de mestre de saltos, e o primeiro-tenente Callebe Souto, operador do interfone e substituto do mestre de salto principal, que havia deixado a aeronave para recebê-los no chão, como prevê a norma militar.
As imagens mostram que o operador de interfone assume o protagonismo do salvamento, ao realizar os principais procedimentos. O manual do Exército, porém, afirma que esse papel é do auxiliar de mestre de saltos, no caso o sargento.
Em seus depoimentos, os dois se contradizem. O tenente afirmou que o sargento “ficou paralisado” quando tentou lhe entregar o equipamento que permitiria a “costura” do paraquedas de salvamento em Chaves.
O sargento, por sua vez, disse que o operador de interfone assumiu o protagonismo do resgate por conta própria.
A troca de funções fez com que ambos acreditassem que o outro seria o responsável por enganchar a fita de abertura do paraquedas de salvamento ao cabo de ancoragem. Contudo, nenhum dos dois fez o procedimento, essencial para que ele funcionasse.
Chaves ainda tentou utilizar o paraquedas reserva, que fica preso no peito e é acionado pelo próprio saltador. O material, porém, se embolou com o que estava preso ao soldado e não abriu.
A existência desse paraquedas reserva foi o argumento para o Exército, o Ministério Público e a Justiça Militar considerarem que não houve crime nas falhas do resgate.
“O equívoco cometido pelo operador de interfone e pelo auxiliar de mestre de salto no procedimento de salvamento, ao não terem enganchado o paraquedas auxiliar de salvamento, não teria o condão, por si só, de impedir que o soldado Chaves se salvasse, haja vista que este ainda dispunha de outro meio eficaz para proporcionar uma aterragem segura, consistente no paraquedas reserva”, afirma o relatório final do inquérito, assinado pelo coronel Cromwell Medeiros.
O coronel é subcomandante do Centro de Instrução Paraquedista, responsável pelo treinamento dos soldados e superior dos investigados.
“No caso presente, nos riscos inerentes à atividade de salto, a equipe de salvamento confiava que, mesmo que esse último equipamento falhasse, o saltador ainda teria o paraquedas de reserva para acionar”, escreveu a promotora Najla Palma, ao concordar com o arquivamento.


Para o advogado da família do soldado, Márcio Hippólito, o entendimento faria com que nenhum caso pudesse ser enquadrado como crime de homicídio culposo.
“Se essa tese do Ministério Público prosperar, não vai haver mais homicídio culposo. Para que haja homicídio culposo, tem que haver imprudência, negligência ou imperícia. Basta você ler o relatório que fica caracterizado o homicídio culposo. Houve negligência e imprudência”, afirmou ele.
A investigação foi concluída em agosto, dois meses após a morte do soldado. A família foi oficialmente informada sobre o resultado em setembro pelo general Helder Braga, comandante da Brigada Paraquedista. Em outubro, ele foi arquivado pela juíza Mariana Campos.
“O general narra isso [as conclusões do inquérito] para a gente, não entrega o documento, e diz assim: ‘Eles não tiveram a intenção. Vou fazer de tudo para proteger eles’. Eles não foram nem indiciados. Só foram como testemunhas do caso”, afirmou Alynne.
A família teve de pedir o desarquivamento do processo para saber, em janeiro, detalhes do que ocorreu.
Os documentos mostram que o soldado se manteve com as mãos na cabeça e no peito durante todo o período em que ficou preso à aeronave, procedimento para mostrar aos tripulantes estar consciente durante o salvamento.
Também não há indicação de erro no acionamento do paraquedas reserva. “O Pedro não erra em nada. Mesmo que ele errasse, ele era aluno. Tinha todo o direito de errar. Mas ele nem desmaia. Fica ali o tempo todo. Ele foi muito forte até o final”, afirmou a mãe.
Alynne disse ter ouvido de militares e do próprio presidente Jair Bolsonaro que a família seria amparada, com uma pensão militar. Um ano depois, foi comunicada de que a pensão foi negada porque não provou a dependência financeira.
“Não é o dinheiro que vai trazer felicidade, mas ajuda. Já que eles estão defendendo tanto eles, porque também não apoiaram a família? Foi o que ele conquistou, o que ele queria”, disse a mãe de Chaves.
Em nota, o Comando Militar do Leste afirmou que o inquérito apurou todas as circunstâncias do acidente e que o Ministério Público Militar concordou com o arquivamento.
“O Comando Militar do Leste e a Brigada de Infantaria Paraquedista permanecem consternados pela perda e solidários à família do militar”, afirmou o Exército.
FOLHA DE SÃO PAULO/montedo.com

17 respostas

  1. Infelizmente isso é mais uma prova do amadorismo no EB. Brevê no peito não é sinônimo de profissionalismo.

    O 3° é PQD e MS, daqui a pouco assume uma seção enquanto o ten daqui a pouco é promovido a Cap e começa a virar um semi-deus.

    1. Sem contar que esse oficial será Major e após 10 anos pobre ainda será 3 Sgt com salário de 4 mil e com a mancha da morte do Soldado.

      Acabou a Carreira de Sargentos

      Todos são QE

  2. Lamentável esse parecer. Óbvio que ha culpa, infelizmente. A responsabilidade é um peso muito grande, mas ela é intimamente ligada ao teor da atividade. De qualquer maneira o reserva ele é… RESERVA! Qualquer justiça séria, entenderá que só chegou a esse ponto por incompetência ( pra não falar imperícia, imprudência e negligência)….
    Sabemos que o of é o sgt jamais iriam querer isso, mas aconteceu é são responsáveis sim.
    Quanto ao PR , fez seu palanque com a família no enterro, agora vida que segue.
    Quanto ao EB, bom primeiro tem esse parecer ridículo e safado, e segundo: lendo a nota de falecimento (mais uma genérica do eb), causa náuseas a parte: a falta está recebendo todo apoio…..

    Vai com Deus pqd.

  3. No Haiti,vi soldados americanos que eram Veteranos do Afeganistão, o que impressionou é que na farda só usavam a tarjeta com o nome,sem brevês {técnica desconfigurado)
    ou FIRULAS estampadas no uniforme,nunca mais usei breves,aquilo me marcou profundamente,a humildade daqueles caras que eram Veteranos de guerra.Espero que a justiça seja feita em relação a morte trágica desse soldado.

    1. É isso ai meu amigo, comecei a me questionar isso, orações, boinas multicoloridas, brevets dos cursos mais rolha possivel, EGO INFLAMADO, VAIDADE A MIL. Só serviria para a visada do caçador tantos penduricalhos, como uma ave de clima tropical orgulhosa de sua plumagem… e tudo isso para 0 (zero) ações de COMBATE.

      Fiquei contente em ver que não estou sozinho nesse pensamento. Um dia evoluiremos, seremos maioria. A vaidade precede a queda

    2. Já aqui no Brasil o cara ganha brevê até para cursos administrativos ou logísticos do tipo Auxiliar de Ensino, Identificador, Auxiliar de Depósito, Manutenção de Microcomputador (já extinto), Eletricista (curso Avançado de Eletricidade) ou os cursos logísticos … Brevê deveria existir somente para cursos operacionais e olhe lá.

      Temos um Exército de homens com vários brevês com pouco profundidade de conhecimento nas áreas correspondente a cada brevê. “Montanha” que só escalou uma vez na vida; “Caçador” que só atirou com arma de precisão durante o curso e nunca mais tocou numa; “Guerra na Selva” que fez o curso e depois foi operar computador e impressora numa seção de um colégio militar ou QG de Brigada; “Caatinga” que só fez o curso, conheceu o mandacaru e depois foi servir à beira da praia etc etc…

      Já viram os militares israelenses, que vivem missão real à décadas ostentando uma penca de brevês ?

  4. A familia deve processar a união , e individualmente em processos separados os militares envolvidos (oficiais e sargentos). parece uma piada o Exército negar pensão e vir pagar um seguro de vida de 4.500 reais…….Civis não conhecem como é hipocrita o Exército Brasileiro, e o teatro que é.

    1. Você fez uma boa observação, Anônimo. “Civis não conhecem como é hipocrita o Exército Brasileiro, e o teatro que é”.

      É fato que a marcialidade das instituições militares, quando vista de fora, encanta os olhos do civil. Por isso as forças armadas são, recorrentemente, tão bem avaliadas nessas pesquisas de opinião que fazem de vez em quando.

      Entretanto, por trás dessa aparência de ordem, reina a hipocrisia, o abuso de poder, o corporativismo, o carreirismo. É um nojo.

      1. Jonas no 12 de junho de 2021 a partir do 10:41… Falou tudo companheiro… Essa é a verdade que hipócritas querem esconder… Ou por bairrismo barato… Ou por medo do futuro dessa instituição que na prática… Com raríssimas exceções… atualmente presta um desserviço ao país…

    2. Amigo, também acho muito triste a morte de um irmão paraquedista, porém, não podemos fugir dos fatos… seguro é pago pela POUPEX, não pelo Exercito…a atividade de salto de paraquedas é perigosa e NENHUMA seguradora quer fazer seguro para paraquedistas….além disso, para se habilitar à pensão por morte, se faz necessário a dependência econômica e o recruta NÃO PODE TER DEPENDENTES…é trágico e injusto, mas é legal

  5. Alguém sabe se ainda tem chance de isso ser revertido?

    É de deixar qualquer um anojado profundamente, todo esse corporativismo e essa hipocrisia.

    Na publicidade oficial, o Exército é íntegro, honesto, ama o povo, ama a pátria. Mas quando é pra colocar esses valores em prática, o que a gente vê é isso.

  6. As causas e acidentes em cursos operacionais sāo a prepotência e a arrogância daqueles já formados, que deveriam ensinar.
    Quem já fez cursos, sabe disso. Entāo cabem uma mudança de pensamentos e comportamentos. Em uma palavra?
    Profissionalismo.

  7. Dito muito…. mas…. sendo erro da equipe ou erro do militar ou falha do material….
    O Sd era casado ou tinha filho pra deixar pensão??????????
    Por mais q haja risco na atividade militar, pensão pra quem???? Se não é filho nem esposa????
    Se alguém é dependente do SMO, ele é arrimo, e arrimo não serve….
    Por essas coisas, q tentam acabar com a integralidade e paridade.
    Não existe banco de horas…
    Não existe hora extra, adicional de periculosidade ou a hora noturna mais cara… ou plantão….
    O q tem é a integralidade e paridade, mas ficam em risco por conta de pensões q não deveriam existir.

    1. Bom dia. Até onde sei, senhor “anônimo no sanha”, a mãe do jovem pode ser a pensionista. Ora, para entender um pouco a situação, ao menos por empatia, é só pensar no seguinte: o soldado estava prestando o Serviço Militar Obrigatório. Não é possível que, vergonhosamente, os pais entreguem seu filho jovem e saudável à Nação, e receba em troca pela sua vida, perdida por culpa alheia, uma bandeira e um seguro de R$ 4.500,00. Não, de forma nenhuma, sem falar que existem Leis para isso.

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