Caveira… Ops! Suprir!!!

almox

3 respostas

  1. Quem te matou, caveira?

    por Natalia Amoreira

    era uma vez, há muitos anos atrás, um vilarejo à beira rio e seu mistério indefassável.

    Era sabido de todos que um Seu Mino, velho garimpeiro, dedicou a vida de mina em mina acumulando ouro e pedras preciosas.

    Mas ninguém sabia onde o sábio Mino guardava seu tesouro.

    Seus lábios jamais vacilaram com este segredo e o velho o guardou com tanto afinco que acabou por aprender a língua dos sabiás e, aos sussuros, suplicou-lhes que depois de sua morte escolhessem com a ponta do bico e o coração afiado as pessoas mais necessitadas do vilarejo e plantassem, como sementes, um pequetito rubi, uma lasca de diamante, um pedacito d’ouro…

    E foi assim que mal a alma de Mino descolou do corpo e Dona Isaura foi surpreendida com uma farta pepita dourada que boiava no balde que acabara de puxar do poço e pode finalmente largar o Zé Poceiro que tinha o costume de afundar sua cabeça no mesmo balde e de queimar seus braços já queimados de sol de roça com bituca de fumo de rolo.

    Foi assim que mal o ar de Mino saiu de seus pulmões para nunca mais voltar e Nanda, que era orfã há três anos, mantida como criada em sua própria casa há seis e que acabara de dar um ponto no vestido rasgado ontem por seu primo mais velho, sangrou, derramou uma lágrima e pensou ter chorado esmeraldas, pois foram estas que caíram pendendo como gotas por seus cílios e foram estas também que pagaram sua passagem de trem aquela noite e todos os vestidos que usou até a velhice.

    Foi assim, coicidiu com a chegada do primeiro corvo a pousar ao lado de Mino o momento exato no qual Tia Rosa engasgara com um rubi que pousara na salada feito tomate cereja. Reformou seu bar, seu lar e a estudantina.

    Foi assim que a primeira pá de terra foi plantada nevando de negro o negro mais negro ainda do caixão negro do negro Mino e o negro Tião foi expulso do restaurante por estar “sem traje e sem trato”, tropeçou num naco de prata e tratou de dar o troco comendo o prato mais caro da tratoria, com truta e tudo.

    Foi assim e seria assim, enquanto houvessem sabiás no mundo, gente necessitada e renda bruta a distribuir.

    Até que o vento sibilasse entre as costelas de Mino.

    Até que os ossos do garimpeiro virassem pó.

    E além.

    Caiu a noite na Taverna da Estrada Posse. Um forasteiro estalado ouviu contar a história da riqueza farta. Tão, tão brilhantes ficaram seus olhos! Competiam com o fogo estalando na madeira. A cobiça deu até febre.

    Sonhou que colhia ouro ao invés de laranja das árvores…

    Antes do meio dia do dia seguinte já era sabido por todos que um novo pretendente a dono do tesouro havia se colocado em busca da rota de Seu Mino.

    – Desta empreitada jamais ninguém voltou. Cuidado! – todos disseram.

    Mas ele não ouviu. Não havia espaço para ouvir, pois o som de sua própria voz preenchia cada espaço vazio contando vantagens, contando as moedas que haveria de achar.

    – O que é de Mino é de todos e o que é de todos não pode ser de um! – todos disseram.

    O coro desencorajador do povo parecia lenha na fogueira dos seus olhos, que viam tudo que poderiam comprar.

    – Nesta caça ao tesouro vosmicê pode acabar virando a caça! – todos disseram.

    Mas novamente ele não ouviu. Já tomava distância caminhando para dentro da mata em direção às minas surdo às súplicas e cego pela cobiça.

    Nada parou o forasteiro.

    Quando sentiu fome, roubou o robalo do pescador de sua rede.

    Quando sentiu sede, tomou o coco doutro forasteiro que descansava embaixo das palmeiras.

    Quando suas botas furaram, cauçou escondido as do Severino e sumiu.

    Quando foi pego sequestrando o pangaré do Tibúrcio deu com a peixeira no bucho no pobre homem.

    Dias e dias sem pistas, entre trapaças, contendas e desavenças.

    Nada encontrou o forasteiro. Mas o sabiá dourado o encontrou. E seu canto era dourado. Cantou, cantou e as notas da melodia dourada caíram nos ouvidos do forasteiro como moedas de ouro. Cantou, cantou e no ritmo da música os pés do forasteiro acharam a trilha da gruta de Mino, ladrilhada de brilhantes vermelhos como sangue. Cantou, cantou e pousou no batente das portas cravejadas de diamantes. Sabiá sustou e silêncio. Sibilava o vento e o resto em silêncio. Silêncio de tumba.

    O forasteiro chegou ao seu destino.

    E além.

    Depois de muito mentir e enganar, latrocinar e ladrar chegou ao tesouro.

    Não havia ouro e sim um esqueleto que sorria para ele.

    As portas da caverna se fecharam às suas costas e tão infeliz foi ao ver seu destino ir do sonho da riqueza eterna ao osso e ao pó.

    Tomado de terror, perguntou ao crânio sorridente à sua frente:

    -Quem te matou, Caveira?

    E ela respondeu, enquanto escaravelhos brotavam cortando as teias de aranha em seus fundos olhos:

    – Foi a língua

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