A polêmica do leite condensado: o gado que muge à direita também muge à esquerda

UMBERTO ECO

Nota do editor:
O Blog não embarcou na onda do “leite condensado”. Este artigo demonstra que tratou-se de uma canalhice explícita, pacote pronto para os “idiotas da aldeia”*. O gado que muge à direita também muge à esquerda.

A polêmica do leite condensado expôs como cada ideologia usa os dados em busca de um viés
A revelação do Metrópoles sobre gastos do governo federal com alimentação evidenciou o jornalismo de dados e alimentou o debate ideológico

LILIAN TAHAN
Na esteira da polêmica do leite condensado, item de supermercado tão consumido pelos brasileiros e que se tornou estrela da recente controvérsia envolvendo gastos do governo federal, surge um produto de prateleira exposto na gôndola da comunicação: o jornalismo de dados. Artesanal, custoso e por vezes sofisticado, entrou, recentemente, no cardápio das redações brasileiras.
O levantamento de dados pode ser um dos mecanismos mais eficientes para ajudar as pessoas a compreenderem contextos, interpretarem circunstâncias, compararem realidades. Quando bem utilizada, essa ferramenta é poderosa, porque parte de fatos incontestes: os números. E costumamos aprender nas primeiras séries escolares que não há o que tergiversar quando a conta é matemática. O clássico dois mais dois somam quatro.
Mas o redemoinho da política de extremos em que nos metemos relativizou até os conceitos cartesianos.
No último domingo (24/1), o Metrópoles publicou a seguinte reportagem – Mais de R$ 1,8 bilhão em compras: “carrinho” do governo federal tem de sagu a chicletes.
A matéria foi produzida pelo núcleo de dados do Metrópoles: uma editoria que poucos veículos de comunicação mantêm sistematicamente em suas estruturas, porque é cara, trabalhosa e difícil de reunir gente especializada.
A base da reportagem que pautou as redes sociais nas últimas 72 horas são os números. Não quaisquer números. Mas os oficiais, disponíveis no Portal de Compras, que fica abrigado na página do Ministério da Economia.
O volume de informações de uma burocracia do tamanho do governo federal é gigantesco. Há uma infinidade de consultas e de recortes possíveis. E, por isso mesmo, o próprio sistema oficial oferece uma série de filtros e caminhos que qualquer cidadão pode percorrer até encontrar os números.
Com experiência em jornalismo de dados, a perspicaz e competente repórter Rafaela Lima garimpou as informações que viraram base para a matéria sobre o carrinho de compras do governo federal.
A jornalista tem como rotina esse tipo de pesquisa. Dedica-se sistematicamente a buscar dados em plataformas oficiais. Já produziu, ao lado de seus colegas de editoria, centenas de matérias a partir dessas planilhas.
Muito bem, o que se viu nos últimos dias é democrático. Cada um lê o que quer, interpreta como quer e faz uso como achar mais conveniente. O que não significa que seja honesto.
A matéria do Metrópoles contém dados inquestionáveis. Todos devidamente comprovados com prints do próprio sistema do governo. A reportagem explica didaticamente que os valores achados referem-se a todos os gastos pagos pelo governo federal com alimentação nos anos de 2019 e de 2020.

Disputa ideológica
Mas como na disputa ideológica dois e dois não são quatro, a reportagem virou uma bandeja de canapés servida aos críticos do governo. E aí vieram os recortes ao gosto do freguês. O mais indigesto dá conta de que Jair Bolsonaro teria consumido, sozinho, R$ 15 milhões em leite condensado. É mentira. E ele vomitou a indignação na imprensa, mandando os repórteres tomarem (o leite condensado) no rabo.
O correto, e isso está explicitamente na matéria, é que esse produto foi comprado para abastecer diversos órgãos do governo federal. O Ministério da Defesa justificou, e está publicado na reportagem também, que o leite condensado e os demais produtos citados no levantamento fazem parte da dieta de milhares de soldados. Está tudo lá. Em resumo, o governo apontou que as despesas com alimentação abrangem grandes grupos, como os de militares, estudantes, beneficiários de programas sociais, servidores públicos.
Os políticos surfaram na onda, pedindo a CPI do Leite Condensado. Mais interessados na piada, muitos internautas foram à loucura, produzindo uma enxurrada de memes, como se Jair Bolsonaro tivesse sozinho se empanturrado do doce no café da manhã. Não foi isso o que dissemos. Não é isso o que está escrito. E, honestamente, não é este o debate que contribui para uma sociedade mais atenta aos gastos públicos e um governo mais transparente.
De tudo o que foi pontuado na reportagem que deu origem a toda esta polêmica, é preciso compreender se os gastos foram realizados dentro de um contexto de economicidade, de necessidade e de bom senso. Nós puxamos o fio desta meada. Desde então, muitos colegas se juntaram na meta para ir mais fundo. Saudável, necessário e absolutamente previsível em um país de imprensa livre.
Ninguém espera que um exército seja alimentado a pão e água. Não é isso. Mas é absolutamente razoável que os brasileiros possam conhecer os suprimentos que eles próprios bancam para alimentar suas tropas. Afinal, quem paga este boleto de supermercado são todos os cidadãos.
A partir da repercussão da matéria, notamos que muitos jornalistas não tinham familiaridade com os caminhos e possibilidades que os portais oficiais oferecem em termos de dados. Desde o dia da publicação, houve aumento significativo das consultas. E o governo decidiu aplicar mudanças para tornar, segundo afirmam técnicos, o processo mais amigável. Se as alterações forem no sentido de abrir, tornar mais fácil e mais transparente todo o processo, terá valido a pena.
O Portal da Transparência é uma conquista dos brasileiros desde 2004. A reportagem, como tantas outras realizadas pelo Núcleo de Dados, reforça o que sempre quisemos mostrar: existe um rico universo de dados que a população tem acesso e direito a consultar. É missão do jornalista fazer a ponte entre um sistema pouco amigável e a população. Mais do que isso: chamar a atenção para possíveis excessos e questionar as autoridades quando for necessário. Quanto mais gente conhecer a plataforma, mais transparente será a dinâmica dos gastos públicos.
METRÓPOLES/montedo.com

Nota de rodapé:
Quem defendeu a “CPI do Leite Condensado” foi, nada mais, nada menos, do que o “paladino dos militares injustiçados” – ele mesmo! – Marcelo Freixo, do PSOL.

23 respostas

  1. Que seja 1 real. Pra que dinheiro público gasto com essa porcaria supérflua, enquanto muitos brasileiros não tem nem feijão no armário? Quer pudim? Compre com seu dinheiro na padaria.

    1. Em resumo, o governo apontou que as despesas com alimentação abrangem grandes grupos, como os de militares, estudantes, beneficiários de programas sociais, servidores públicos. Programas sociais para pessoas que não possuem leite in natura nem geladeira.

    2. Então robô, o soldado come leite condensado na sobremesa? Chiclete?

      Querer fazer os outros de idiota é o PIOR desrespeito que

      O fato de mandar meter no rabo o leite…É prova inequívoca da falta de argumentos lógicos que poderiam explicar algo moralmente injustificável.

    3. Enquanto vc está aí no conforto de seu lar, muitos brasileiros estão lutando nas fronteiras, muitas delas na amazonia enquanto vc está aí no seu conforto. Vc quer que esses soldados para te dar segurança aí da tem que comprar comida. Vc só pode estar e com diarréia mental.

  2. Vale pensar que os “idiotas da aldeia”, até pouco tempo, não tinham espaço, não eram ouvidos e nem constatados. Sem essa atenção, muitos falavam por eles, manifestações que passavam longe do que desejavam, das suas necessidades e realidades. De repente, surge uma ferramenta que interrompe esse ciclo. E os donos daquela “verdade” ficaram desamparados e sem o resguardo da unicidade ficaram expostos. Sem amenizar os radicalismos, suscito aquele jargão: explica mas não justifica.

  3. Primeiro lugar os praças foram injustiçados sim por esse governo composto principalmente por oficiais superiores. Essa nota de rodapé é política e ideológica, infelizmente, deixo claro que os militares ditos por um general “os estamentos inferiores” foram sim bastante prejudicados por essa reestruturação maldosa ficando apenas uma minoria de praças da ativa beneficiados e claro os estamentos superiores. E por fim a maioria dos servidores civis recebem auxílio alimentação em $$, por isso criticam, mas não se avaliam. O engraçado são esses políticos carregados de beneces estando preocupados com a alimentação dos soldados, porque não se preocuparam com os soldo dos mesmos quando votaram aquela aberração da lei do mal. Agora vão aparecer aqui os leões de alojamento, também conhecidos como lambe botas para criticar.

    1. Então só vc tem o direito de manifestar tua opinião? Manifesta opinião e lacra o “resto” como leão de alojamento e lambe botas? Quem te obrigou a ser militar? Não está satisfeito, peça as contas, seja um civil ou politico.

  4. As pessoas já vão com um “entendimento anterior” aos fatos que procuram ajustar à sua visão compartimentada do mundo. Embora os dados sempre estivessem disponíveis, é muito “trabalhoso” se debruçar sobre eles e daí ficam adequando os mesmos à suas expectativas. Outro caso notório é o “tratamento preventivo” da Covid-19 ou repetição de notícias que se sabe já pelo o enunciado, que pouco provavelmente são verdadeiras.

    1. AUSTRALIA 10/JUL/2020 protocolo de tratamento triplo com IVERMECTINA

      O Professor Borody continuou:

      “Temos uma terapia que pode combater o COVID-19. Os medicamentos de mais de 60% das prescrições na Austrália são” off-label “e existem há 50 anos, são baratos, aprovados pela FDA e TGA e têm um perfil de segurança excelente.

      Professor Borody continued:

      “We have a therapy that can fight COVID-19. The medications more than 60% of prescriptions in Australia are “off-label” have been around for 50 years, they are cheap, FDA and TGA approved and have an outstanding safety profile.

      https://www.bloomberg.com/press-releases/2020-08-19/ivermectin-triple-therapy-protocol-for-covid-19-to-australian-gp

      1. Mais uma notícia falsa, espalhada pela médica Cecília Maria Pimenta. No texto do Dr Borody ele cita que “a conexão ivermectina foi descoberta pela primeira vez pela Dra. Kylie da Equipe de Wagstaff na Monash University”. De fato a Dra Lyllie fez estudos na Universidade de Monash, mas sequer fez testes em humanos e desconhece o uso da droga pelo governo da Austrália. O único tratamento contra a doença aprovado pela Austrália foi o Remdesivir, que só deve ser prescrito para pacientes graves. Antes disso, o país adotou medidas como distanciamento social, higienização das mãos, restrição de viagens e lockdown. A médica Cecília Pimenta costuma dar palestras como ” “A razão da superação à luz da ciência e da Bíblia”, notícia semelhante foi publicada em relação à Etiópia.

          1. Nem um pouco, a matéria é do início da pandemia e não trata de nenhum estudo, mas de opinião, que ganhou espaço devido ao autor ser um médico conhecido. Como está acima, a própria médica citada na matéria já desmentiu o publicado. Nenhum país baixou o índice de contaminação ou letalidade com qualquer kit ou tratamento antecipado.

  5. “…que associado ao pão forma uma das comidas favoritas do presidente.”

    Sem dúvidas é um levantamento técnico inquestionável, trabalhoso. Não foi e não é obrigação da jornalista informar que esse gasto em 2020 equivale a um custo de alimentação em torno de R$ 9,00 (nove reais) por pessoa, por dia, o que é muito pouco. Se eu fosse o Presidente dobraria esse valor e pagaria em dinheiro aos interessados. Tenho certeza que quem come fora de casa gasta mais do que isso, R$ 18,00.

    Mas a jornalista, “sem viés ideológico” do Metrópoles, não deixou de colocar uma pitada de veneno em sua matéria.

    1. Na década de 1990 aventou-se de pagar as refeições via ticket-alimentação para os militares, ficando o “rancho” somente para as atividades em campo e para o pessoal de serviço. A ideia não vingou pois significava perda de dinheiro para as Unidades e as etapas a R$ 9 são para a compra somente de itens não estocáveis ou perecíveis não para a totalidade do que é consumido pela tropa. Lembrando que existe a prática do arranchamento “quente” e do arranchamento “frio”. Um diz respeito aos militares que vão efetivamente fazer suas refeições e o outro ao pedido como se todos fossem fazê-las …

  6. A questão vai muito além do “leite condensado derramado” mas sim que foi prometido durante a campanha como coisas básicas que não estão sendo cumpridas com apoio cego de apoiadores alienados que não querem admitir seus erros ,tudo isso somado a traição que está se tornando uma marca registrada bastante presente na história dessa administração ,começando pelo seu entorno de sustentação ,realmente houve uma perda da confiança .

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