“Guerra dos Bêbados”: conflito assolou país que mais bebe álcool no mundo

Soldados participam de cerimônia do Dia da Independência da Transdnístria
Imagem: Corbis via Getty Images

Felipe van Deursen
De todas as drogas, o álcool é comprovadamente uma das que mais abre as válvulas da violência em humanos. Mas, por outro lado, a vida nos ensina que uma mesa de bar também é um bom lugar para resolver desavenças.
Foi mais ou menos o que aconteceu em 1992, na Guerra da Transdnístria, uma estreita faixa de terra, menor que o Distrito Federal, no extremo leste europeu, espremida entre duas ex-repúblicas soviéticas, a Moldávia e a Ucrânia. “De dia, soldados dos dois lados lutavam de modo tradicional, um tentando matar o outro. À noite, no entanto, a luta parava e os inimigos se encontravam para uma bebida”, diz Andrew Vinken no livro “The Forgotten Past” (“o passado esquecido”, sem edição brasileira).

Soldados da Guarda Nacional da Transdnístria durante a guerra, em 1992 Imagem: TASS via Getty Images

“Acontece que eles se davam bem. Tão bem que decidiram parar de tentar atirar um no outro durante o dia. Depois de quatro meses de animosidade cada vez menor, a paz estourou. É uma pena que ambos os lados tenham sofrido centenas de baixas antes que a coisa basicamente se extinguisse por conta própria. Tecnicamente, as hostilidades acabaram com um cessar-fogo, mas a maioria dos combatentes havia parado de atirar bem antes”, narra o autor.
É possível que essa seja uma versão romanceada do conflito. Há relatos em primeira mão sobre o consumo de álcool na guerra. Só que não de maneira tão amistosa.
A bebedeira era disseminada entre voluntários em Bendery, uma das cidades envolvidas no conflito, segundo Erika Dailey, Jeri Laber e Lois Whitman em “Human Rights in Moldova: The Turbulent Dniester”, relatório produzido pela ONG Human Rights Watch pouco após a guerra, em 1993. Os autores contam que soldados bêbados abriam fogo indiscriminadamente em bairros civis. O álcool chegou a ser proibido entre as tropas, mas ainda se viam soldados de porre nas ruas.
Um médico de origem gagauz (minoria de língua túrquica e religião majoritariamente cristã ortodoxa), foi forçado a lutar contra seu próprio povo. Ele conta, em um relato publicado no livro “Bullets on the Water: Refugee Stories” (“Balas na água: histórias de refugiados”, sem edição brasileira), de Ivaylo Grouev, sua experiência traumática:
“Uma noite, nas trincheiras, depois de uma festa de bebedeira, um dos soldados moldavos colocou a arma na minha testa e gritou para mim: ‘Agora você vai morrer como um cachorro!’ Ele engatilhou a arma. Naquele momento, outros soldados que me conheciam bem tentaram detê-lo. Eles disseram a ele que eu tinha acabado de ajudá-los, que estava salvando vidas. O soldado estava tão bêbado que acho que ele não entendeu nada do que foi dito. Eu pensei: ‘Eu vou morrer.’ Uma arma estava na minha testa. E o soldado estava completamente bêbado. Eu apenas tentei ficar calmo. De repente, ele perdeu o interesse por mim. Desta vez eu tive sorte.”

Trans o quê?

Soldados russo, moldávio e transdnístrio em zona de segurança durante a guerra Imagem: Getty Images

Em 1992, havia outros conflitos no mundo além da Guerra da Bósnia e da rixa entre Nirvana e Guns N’ Roses. Em dezembro de 1991, quatro meses após a Moldávia declarar independência, estourou a Guerra da Transdnístria. É nessa região, a leste do rio Dnister, que se concentra a minoria russa da Moldávia.
A guerra durou pouco e matou menos de 2 mil pessoas. O território rebelado conseguiu autonomia após um cessar-fogo assinado com a Moldávia e a Rússia. Mas a situação não se resolveu por completo. Em 2006, a população local aprovou, em um referendo não autorizado, a independência e uma possível união com a Rússia.
Desde o ano passado, analistas internacionais voltaram a prestar atenção à Transdnístria. Isso por causa da reedição da Guerra de Nagorno-Karabakh, entre Azerbaijão e Armênia. Essa região azeri, de maioria armênia, também esteve em guerra no começo dos anos 1990, logo após a dissolução da União Soviética. Em 2020, durante um mês e meio, a região voltou a ser um campo de batalha.

Tropas da Transdnístria Imagem: Getty Images

O país que mais bebe no mundo
Não é à toa que a Guerra da Transdnístria ganhou o apelido, na região, de “guerra dos bêbados”. A Moldávia é, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), o país com o maior consumo de bebidas per capita do planeta. São 15,2 litros de álcool puro por pessoa ao ano, quase o dobro da média brasileira, segundo o último relatório, de 2018 (em inglês). Mas é difícil precisar esses dados, pois mais de dois terços das bebidas consumidas no país são de produção caseira.
Mesmo assim, a fabricação regulamentada é uma das principais forças da economia local. Cerca de 10% da força de trabalho nacional está na indústria do álcool e 15% do orçamento do governo vem das bebidas.
Diferentemente da maioria das ex-repúblicas soviéticas, a Moldávia não é uma nação de bebedores de vodca, mas de vinho – o que ajuda a explicar as diferenças culturais entre a minoria russa da Transdnístria e os moldavos, um povo que fala romeno e que tem, assim como a Geórgia, vinícolas de renome internacional.
O país celebra o Dia Nacional do Vinho, mas desde a independência o consumo de destilados vem aumentando, segundo um estudo de 2017 que saiu na publicação científica European Journal of Population. O que é sempre um perigo maior quando se luta contra o alcoolismo endêmico. Essa guerra está longe de acabar.

Álcool e guerra
O consumo exagerado de álcool é algo que acompanha as guerras desde sempre. Os tártaros conquistaram Moscou facilmente em 1382 porque os russos estavam bêbados de hidromel e se preocuparam mais em subir as muralhas e provocar os inimigos.
No século 18, a bebida fazia parte do cotidiano das Forças Armadas britânicas. O alcoolismo foi um problema comum na Guerra dos Sete Anos (1756-1763) e na Guerra de Independência dos Estados Unidos (1775-1783). A ração diária dos soldados ingleses incluía doses de rum ou de vinho.
Também não faltam exemplos de casos curiosos de camaradagem alcoólica entre inimigos. Em 1812, britânicos e americanos bebiam amigavelmente às margens do rio Niágara, na fronteira entre Canadá e Estados Unidos, quando chegou a mensagem dizendo que os EUA eram, mais uma vez, inimigos dos ingleses. Terminaram o drinque antes de retornarem a seus postos.
Isso sem deixar de esquecer a famosa Trégua de Natal. Na ocasião, alemães e ingleses baixaram as armas para trocar presentes, cantar e jogar futebol durante o Natal de 1914, o primeiro da Primeira Guerra Mundial.
NOSSA(UOL)/montedo.com

2 respostas

  1. A cultura da bebida alcoólica explode nos filmes americanos….e se espalha….em qualquer festa há bebida….homens, mulheres….agora jovens adolescentes tb. A participação dos jovens tem que ser em locais, de preferência, longe da bebida e de tudo mais…Grupo de Igrejas evangélicas, católicas, academias organizadas, escolas que tem uma gestão participativa….na família no jantar e café. Podem não crer em Deus, mas creiam na moral cristã.. reto agir e pensar… Quanto aos homens adultos….vivemos uma guerra social, um vazio existencial, sobreviver….a bebida, seu convívio social noturno que cobre o vazio e o vício, onde se ri e depois se deita para dormir, pode ser substituido nos tempos da internet por um curso noturno, uma academia e principalmente uma igreja evangélica, um grupo de casais evangélicos ou católicos. Na guerra, nas ações policiais, nos hospitais, na bolsa há uma grande pressãi psicológica, na guerra e na polícia vc ainda pode morrer….ficar aleijado, sentir dor.. Físicas e morais….a bebida é um caminho de esquecimento momentaneo das dores e das pressões…há caminhos melhores…procure-os agora, mais cedo possível…orando

  2. As dores humanas devem ser substituídas pela fé. A Psicologia, história, ciência, remédios são o piso de ponte forte sobre o rio caudaloso em tempestades fortes…mas os pilares são feitos de Cristo e a fé em Deus….muitas nações grandes desapareceram .. Mas os Israelenses vivem pois é promessa de Deus.

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