Militares assinam contrato sigiloso de R $ 175 milhões para comprar satélite

Satélite tipo SAR (Imagem ilustrativa)

RUBENS VALENTE
No apagar das luzes de 2020, o Comando da Aeronáutica assinou nesta quarta-feira (30) um contrato sigiloso de US $ 33,8 milhões (cerca de R $ 175 milhões ao câmbio de ontem) com uma empresa da Finlândia para adquirir um satélite, sem licitação, sobre o qual especialistas levantam dúvidas a respeito da necessidade e da eficácia.
O contrato foi assinado após a dispensa do processo de licitação sido autorizada pelo comandante da Aeronáutica, o brigadeiro do ar Carlos Moretti Bermudez. A Aeronáutica se recusou a fornecer ao UOL uma cópia do contrato, sob o argumento de que ele foi classificado como reservado.
De acordo com a Lei de Acesso à Informação, documentos reservados têm prazo de cinco anos de sigilo. Assim, o contrato sobre a compra milionária feita pelo governo de Jair Bolsonaro só seria conhecido a partir de dezembro de 2025.
Foi tornado público, no “Diário Oficial” do último dia 22, apenas um extrato da decisão sobre a dispensa de licitação. Segundo o extrato, uma justificativa para não haver licitação foi a “segurança nacional”.
A contratada pela Aeronáutica foi a Iceye, uma empresa finlandesa fundada em 2014 que trabalha com satélites do tipo SAR (do inglês, Radar de Abertura Sintética). Chamado de satélite-radar, é usado para observação da Terra. Ele emite pulsos que, em tese, permitem captar imagens mesmo em dias nublados. Sua capacidade de detecção de desmatamentos na Floresta Amazônica, contudo, é contestada por especialistas.
Em agosto, a coluna divulgou que o Ministério da Defesa adquiriu um satélite por R $ 145 milhões nos mesmos moldes da atual aquisição. O valor apareceu em um empenho, ou seja, um compromisso de gasto, publicado pelo ministério em benefício do Censipam (Centro Gestor e Operacional do Sistema de Proteção da Amazônia), órgão vinculado à pasta.
Quando foi revelada a primeira intenção do negócio, o Ministério da Defesa afirmou que o empenho iria utilizar os recursos recuperados pela Operação Lava Jato.
A princípio, a pasta disse que o novo satélite iria “aprimorar a proteção da Amazônia” e serviria para “complementar o sistema Deter do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) no período de maior cobertura de nuvens, já que o Deter utiliza imagens óticas “. O Deter é um dos dois métodos usados ​​pelo Inpe para identificar desmatamentos na Amazônia – o outro é o Prodes.
Com o passar dos dias, contudo, o ministério ampliou sua resposta e passou a dizer que o satélite também ajudaria no monitoramento da “Amazônia Azul”, ou seja, a zona econômica exclusiva do Brasil no oceano Atlântico.
No contrato fechado nesta quarta-feira, o Censipam saiu de cena e apareceu o Comando da Aeronáutica.
Nesta quarta-feira, em resposta ao UOL , a Aeronáutica ampliou ainda mais a área do novo sistema, ao dizer que ele integra um plano maior, o Pese (Programa Estratégico de Sistemas Espaciais), cujos objetivos envolvem “o Sistema de Gerenciamento da Amazônia Azul (Sisgaaz), o Sistema Integrado de Monitoramento de Fronteiras (Sisfron), o Sistema de Defesa Aeroespacial Brasileiro (Sisdabra), o Sistema de Proteção da Amazônia (Sipam) e afins “.

Para especialista, compra é “absurda” e o sigilo no contrato quer “esconder a verdade”
Como o acesso ao contrato foi barrado, não foi possível saber qual a banda usada pelo equipamento e todos os outros detalhes sobre uma execução contratual. A banda é essencial para o sentido de qualidade de um satélite-radar, segundo os especialistas. Pelo valor do contrato, os especialistas compreendem que se trata da banda X, a mais barata e de qualidade mais discutível para o ambiente amazônico.
No final de agosto, o UOL pediu, por meio da Lei de Acesso à Informação, acesso a todos os documentos e dados técnicos que embasaram o empenho para a compra do satélite, mas nenhum documento foi encaminhado pelo Ministério da Defesa. Após dois meses de deslocamentos e adiamentos, o pedido do UOL foi encaminhado ao Comando da Aeronáutica. Ao final, o comando argumentou que “o processo inicia-se com a definição de requisitos e não com dados técnicos” e também não encaminhou nenhum documento sobre o negócio.
O cientista Gilberto Câmara, que dirigiu o Inpe de 2005 a 2012 e é o diretor atual do GEO (em português, Grupo de Observação da Terra), uma parceria intergovernamental entre mais de cem países-membros, a Comissão Europeia e 115 organismos internacionais, disse que esse tipo de satélite pode ser bom para “diferenciar gelo de água, como na Finlândia”, mas é inadequado para observar a Amazônia, já que não consegue diferenciar, por exemplo, árvores de gramíneas. Satélites do tipo radar são estudados há muitos anos pelo Inpe, segundo Câmara.
Ele considera a decisão da compra “absurda e injustificável”. “É uma conversa mal explicada e que só tem, para mim, uma justificativa: os militares querem dizer que também têm a capacidade de medir o desmatamento para eventualmente desconsiderar o dado do Inpe. Para mim é a mesma história, que já vem de algum tempo. O dado do desmatamento incomoda os militares, que querem ter o controle sobre ele. Esse gasto não se justifica, é um absurdo. No país da covid-19, estamos jogando fora R $ 175 milhões quando o governo não tem nem seringa para dar vacina. ”
Para Câmara, a decisão de estabelecer sigilo sobre o contrato “é um subterfúgio para os militares não darem explicações ao Brasil e ao mundo”. Para o especialista, os militares pretendem “transformar uma informação que hoje é pública, que está no site do Inpe, em secreta para controlar toda a informação sobre a Amazônia”. Órgão especializado no tema dos satélites, o Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), não participou do processo e enfrenta cortes no seu orçamento para o ano que vem.

Aeronáutica diz que busca “cumprir objetivos da estratégia nacional de defesa”
Em nota, a Aeronáutica afirmou à coluna, na íntegra:

“Buscando cumprir os objetivos da Estratégia Nacional de Defesa, foi desenvolvido o Programa Estratégico de Sistemas Espaciais (PESE), que elencou capacidades a serem adquiridas no segmento aeroespacial brasileiro, para atender às necessidades estratégicas das Forças Armadas e da sociedade brasileira.
A aquisição de um microssatélite SAR, sendo operado pelo Centro de Operações Espaciais (COPE) da FAB, promove a soberania do país no monitoramento satelital por meio de imagens de radar.
Conforme publicado no Diário Oficial da União (DOU), de 22 de dezembro de 2020, foi instaurado um processo de dispensa de licitação enquadrado no artigo 24, inciso IX da lei 8.666 / 93 para a Aquisição de Sistema de Sensoriamento Remoto. Para selecionar o fornecedor, foi utilizado um processo de seleção previsto no DCA 400-6, do qual participaram 15 empresas. Este será o primeiro sistema do Projeto Lessonia-1, previsto no Programa Estratégico de Sistemas Espaciais (PESE), cujo principal objetivo é prover infraestrutura espacial para ser usada estrategicamente, e de modo potencializador, no Sistema de Gerenciamento da Amazônia Azul (SisGAAz), no Sistema Integrado de Monitoramento de Fronteiras (SISFRON), Sistema de Defesa Aeroespacial Brasileiro (SISDABRA), Sistema de Proteção da Amazônia (SIPAM) e afins.
O objeto do processo de contratação se refere à aquisição de um Sistema Espacial, compreendido por microssatélite, equipamentos de solo para a operação do sistema, integração dos equipamentos existentes ao sistema espacial, suporte logístico, serviços de lançamento e comissionamento, além de treinamento. A previsão de início da operação do sistema é no segundo semestre de 2022.
O contrato de aquisição, com grau de sigilo Reservado, foi assinado no dia 30 de dezembro de 2020.”

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.
UOL/montedo.com

18 respostas

  1. O editor (dono do blog), para atacar o governo, cada vez mais se alinha à extrema imprensa. Tenho visto aqui publicações advindas do Estadão, Folha, UOL, Globo e até matérias do Intercept já vi publicadas em seu blog.

    Como o espaço é de sua propriedade, ele pode publicar o que quiser, porém chama cada vez mais a atenção, sua gana em desprestigiar as ações do atual governo, bem como estabelecer ferrenha crítica às decisões e às ações no âmbito dos assuntos militares.

    Os incautos e desavisados pensarão que o dono do blog é algum desses jornalistas, oriundo de alguma universidade pública, formado durante o governo militar. Ledo engano, o cidadão em questão, pode até ter formação universitária, mas tem a formação militar e a vivência na caserna como fatores preponderantes da sua forja.

    Então, temos duas questões intrigantes:
    – Onde estava o distinto blogueiro nos anos em que as bestas vermelhas arrasavam a economia do país e se locupletavam com o dinheiro público?
    – Quais são suas reais intenções?

  2. Assuntos estratégicos, consequentemente são assuntos “secretos”. Essa imprensa 5a. coluna (à serviço de interesses estrangeiros contrários ao Brasil e ao povo brasileiro) que vá lamber sabão ou que vá a pqp. Aliás, deveriam ser questionados do porquê desse “interesse” todo por assuntos que envolvem segurança nacional do Brasil!

    1. Patriotismo é o último argumento do canalha”

      Na falta de argumentos lógicos, ou de domínio do idioma pátrio, fica fácil falar de milho e cenoura, assuntos que naturalmente mais lhe atraem…sempre levando em reconsideração que a Bolívia tem meios e pessoal especializado para barrarem nossas pretensões bélicas.

    1. Dependendo do próximo governo que ganhar a eleição, o mundo vai saber de todos os dados desde satéllite em nome da corrupção que é comum, desculpe, em nome do desenvolvimento das populações mais carentes, preservação das terras indígenas, diminuição do aquecimento global….O resultado vai parar nos bancos da Suíça e nos paraísos fiscais em nome de alguns líderes do povo. Abramos os olhos, minha geração tem uns 20 anos na Terra ainda, mas vamos evitar deixar para nossos filhos e netos uma porcaria de mundo e um Brasil retalhado de vários países. Viva a ggeopolítica .Orando

      1. O EB ama todo o tipo de SIS… Enquanto isso seus RH… Recursos humanos SIS Fu… Projetos que levam nada a lugar nenhum e que se perdem no tempo são comuns em nossa volátil instituição… Lamentável ver s falta de bom senso de nossas cabeças pensantes… Vivemos uma crise global para jogarmos dinheiro no lixo… É preciso estabelecer prioridades… No dia de hoje foi publicado o valor do salário mínimo no país… R$ 1.100,00… Será que é preciso desenhar… Que o Senhor dos Exércitos nos perdoe…

    2. Com todo esse dinheiro era melhor ter comprado um satélite exclusivo para o Brasil, esse negócio de ficar utilizando tecnologia estrangeira para os planos estratégicos de defesa é uma furada. As mesmas informações que o Brasil está comprando serão repassadas para outros interessados que podem pagar mais.

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