Militares querem deixar operação que acolhe venezuelanos

Reprodução: YouTube do EB

Para Defesa, Forças Armadas devem diminuir responsabilidades na ‘Acolhida’, considerada modelo para atender fluxo de imigrantes

Felipe Frazão, O Estado de S.Paulo
BRASÍLIA – O Ministério da Defesa discute no governo Jair Bolsonaro como retirar as Forças Armadas da Operação Acolhida, criada para receber e atender venezuelanos. Considerada modelo pelas Nações Unidas e um dos raros trunfos internacionais do governo, a operação está prestes a completar três anos e sofreu mudanças de dinâmica por causa da redução do fluxo de imigrantes provocado pela pandemia da covid-19. Há quem defenda que ela seja apresentada para concorrer ao prêmio Nobel da Paz.
Oficiais generais do Ministério da Defesa e das Forças Armadas já manifestaram internamente o desejo de sair da operação ou ao menos reduzir ao máximo o engajamento das tropas. É corrente entre eles a avaliação de que chegou a hora de “passar o bastão” e diminuir as responsabilidades, assumidas em março de 2018. A operação é coordenada pela Casa Civil, comandada pelo general Walter Braga Netto.
Entre os militares, a Operação Acolhida é classificada como Força Tarefa Logística Humanitária. O comando é do Exército, que cede espaços no 3º Pelotão Especial de Fronteira em Roraima para receber os imigrantes. Eles também trabalham em Boa Vista, capital do Estado, e Manaus (AM), cidades que concentram os venezuelanos e têm abrigos.
A cada três meses, militares da Marinha, da Aeronáutica e principalmente do Exército são deslocados de vários comandos do País para assumir como o contingente da vez. Em janeiro, está prevista a décima troca de pessoal. Ao todo, 650 militares serão enviados a Boa Vista e Pacaraima e Manaus.
Além da logística, os militares cuidam da segurança e atendimento de saúde. Outros órgãos do governo prestam atendimento psicossocial, do qual também fazem parte cerca de uma centena de entidades da sociedade civil e da ONU. Os migrantes e refugiados são vacinados, passam por avaliação clínica, entrevistas e podem solicitar emissão de documentos como CPF. Eles recebem refeições, são alojados num dos 12 abrigos temporários, e recebem kits de higiene e limpeza, podendo participar de atividades de lazer e aulas de português.
Um almirante da Marinha e um general do Exército, ambos da ativa e, por isso, ouvidos reservadamente, confirmaram a intenção de deixar a Acolhida. Um comandante da Força Terrestre comparou as Forças Armadas a uma espécie de “Posto Ipiranga” no governo Bolsonaro.
Nos bastidores, militares afirmam que a operação deve se concentrar mais na interiorização dos imigrantes para desafogar a região Norte, menos estruturada – e que o Ministério da Cidadania, que cuida dessa estratégia e tenta encontrar empregos e elos familiares bem como abrigo no destino aos venezuelanos por todo o País, deveria assumir mais protagonismo.
Cerca de 44 mil já foram transportados a outras cidades do País, tendo como destinos principais São Paulo, Amazonas, Santa Catarina, Rio Grande do Sul e Paraná. O ritmo, no entanto, está aquém do desejado. Neste ano, 16,7 mil foram deslocados até novembro, menos do que os 22,2 mil em todo o ano passado. Cerca de 3,5 mil permaneciam nos abrigos, segundo dados do governo.
Nos últimos meses, aumentaram as queixas de oficiais com o envolvimento das Forças Armadas. Ao mesmo tempo, os militares passaram a ser enviados para mais operações de Garantia da Lei e da Ordem, como a Verde Brasil, e o suporte da Operação Covid, durante a pandemia do novo coronavírus.
Os generais dizem que esse “desvio” de função, como classificam, ocorre por pressão política e social, além da falta de pessoal e organização em outros órgãos de governo.
Apesar da vontade de sair da Acolhida, os militares preveem dificuldades em encontrar outro órgão capaz de assumir as principais tarefas operacionais – o atendimento na ponta aos refugiados e imigrantes que escapam da crise generalizada na Venezuela.
Há um outro fator. A cúpula do Ministério da Defesa teme, ao abandonar ações subsidiárias e de assistência, um dano de imagem, pois passaria uma mensagem negativa e perderia prestígio. Esse é um receio que as Forças Armadas têm, na avaliação de um general da ativa que acompanha os debates internos. De acordo com esse general, ainda que a operação seja considerada importante para segurança humana, ela consome efetivo e orçamento.

Pandemia
Antes da pandemia, chegavam cerca de 500 venezuelanos por dia a Roraima. Depois, o fluxo foi praticamente interrompido com o fechamento da fronteira – sempre há possibilidade de ingresso clandestino por meio de trilhas abertas na mata, as “trochas”, como dizem os venezuelanos.
O orçamento previsto para o ano que vem é de R$ 90 milhões, ligeiramente abaixo do proposto em 2020 – R$ 91,2 milhões. Os recursos foram ampliados em 2020, e a dotação atual é de R$ 283 milhões, conforme dados do Painel do Orçamento Federal. Desses, R$ 254 milhões foram empenhados e R$ 114 milhões efetivamente pagos.
O rumor da vontade de sair dos militares chegou ao conhecimento do Ministério Público Federal. Em setembro, a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC) questionou os militares sobre a redução orçamentária e a possibilidade de acabar com a Operação Acolhida. O Ministério Público Federal apurou que o plano era usar apenas 25% do orçamento atual em 2021 e encerrar a operação ao fim do ano, transferindo a assistência aos governos locais, organizações não governamentais e agências internacionais.
O general Antonio Manoel de Barros, comandante da operação, disse em reunião com a PFDC, Defensoria Pública da União e Conselho Nacional dos Direitos Humanos, em outubro, que a Acolhida não vai acabar. “Mesmo com a redução de recursos, não vai acabar. Já estamos buscando novas estratégias e colaboradores. A ideia do Exército é readequar a coordenação com a parceria de Ministérios”, afirmou o general Barros.
Questionada sobre mudanças na Acolhida, a Casa Civil disse que “os trabalhos de assistência emergencial aos refugiados e aos migrantes venezuelanos continuam atuando no mesmo modelo”. “Quando for necessário e oportuno algum tipo de reestruturação, o ajuste será feito de maneira gradual, responsável e de forma que mantenha o trabalho qualificado e eficaz desenvolvido”, disse o órgão que coordena os trabalhos no âmbito do governo federal.
A secretaria executiva do Comitê Federal de Assistência Emergencial informou que durante a pandemia as ações principais têm sido prestar saúde e proteção social aos venezuelanos. O comitê disse que deve permanecer o foco em interiorizar os imigrantes abrigados em Roraima. Atualmente, a média é de 1,3 mil venezuelanos transportados para outras cidades por mês. Há duas semanas, o comitê assinou um protocolo de intenções para ampliar a interiorização com a Confederação Nacional dos Municípios, o Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR Brasil), a Organização Internacional para as Migrações (OIM) e o Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA).
O governo Bolsonaro afirma que campanhas para indicação da Acolhida ao Nobel de Paz “demonstram o reconhecimento, a relevância e a efetividade da gestão de governança feita pelos órgãos públicos e demais parceiros”. O órgão ressaltou que, por regra da premiação, a indicação deve partir de terceiros – o governo não pode, portanto, concorrer por iniciativa própria. “Caso essa indicação espontânea ocorra permitirá, principalmente, que o povo brasileiro seja reconhecido pelo seu espírito e esforço de ajuda humanitária”, disse a Casa Civil.
Desde o início da Operação Acolhida, em 2018, 265 mil venezuelanos ingressaram no Brasil e foram regularizados para permanecer pela Acolhida, segundo dados do governo. O Brasil é o quinto principal destino do êxodo na América do Sul. / COLABOROU TÂNIA MONTEIRO
ESTADÃO/montedo.com

11 respostas

  1. Operação inútil que não serve para nada… Com certeza deve ter um fim, pq os generais não vêm mais interesse nisto, pois se não fosse teria muito mais.

  2. O Ministério da Defesa discute, há quem defenda, oficiais generais do Ministério da Defesa e das Forças Armadas já manifestaram, é corrente entre eles, um almirante da Marinha e um general do Exército, ambos da ativa e, por isso, ouvidos reservadamente, o governo Bolsonaro afirma, o órgão ressaltou, a secretaria executiva do Comitê Federal de Assistência Emergencial informou, o Ministério Público Federal apurou, etc, etc.

    Quem vai dar crédito nessas matérias abarrotadas de “sujeitos ocultos”? Quanta pobreza na informação na tentativa constante de depreciar o grandioso trabalho que está sendo feito.

  3. A missão não acabou , agora que estão bem remunerados devem dar o retorno a sociedade ,tem que sentir o desconforto da linha de frente para valorizar seus comandados ,isso é importante para aumentar não só o bolso mas o espirito de corpo .

  4. Os militares brasileiros tem que parar e fazer uma reflexão. Um país que a última vez que participou de uma guerra foi há 80 anos atrás, com os vizinhos tem uma relação amistosa e o último conflito foi mais longe ainda a Guerra do Paraguai. Qualquer atividade interna de apoio à população civil, reclamam como se fossem os severinos da nação. Ao participarem de uma ação humanitária com a chancela da ONU reclamam porque tem muito trabalho. Uma missão da ONU na África, desistiu porque a missão era real demais e risco de combate e com possibilidade reais de perdas de vida, não pode. Enquanto isso. O efetivo das FA chega a 350 mil mitares, com salários acima da média do mercado, benefícios que boa parte da população não tem. Certo vão dizer que estão presentes nas fronteiras, concordo plenamente, mas apenas uma pequena parcela dos militares que servem nos PF, e por um período transitório. Não querem participar da segurança interna. Afinal porque a população brasileira deve manter uma estrutura tão grande, com salários tão altos, para tão pouco retorno. Eu sei que as FA sao importantes para todos os países do mundo, e faço parte também dela. Mas é necessário uma estrutura tão grande é ineficiente. Outros países possuem FA menores e mais eficientes que só são mobilizadas caso seja necessário, vide Israel, Suécia.

      1. Já saí. Estou na reserva. Fui com 29 anos de serviço e 47 anos. Montei uma empresa, ganhei um sócio, o governo. Estava com tempo livre, fiz novo concurso para ser professor universitário do mesmo governo. Se esforça que quando vc passar para a reserva pode vir a ganhar a metade do que eu ganho.

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