De Marechal.Bittencourt para Pazuello: ‘Vosmicê está sendo frito’

Bitencourt e Pazuello

Elio Gaspari
O senhor está numa situação rara nos anais militares, responde a um comando confuso e a um Estado-Maior inerte

Estimado general Eduardo Pazuello
O senhor sabe que sou o patrono da arma da Intendência, mas só alguns oficiais lembram quem fui. Menos gente recorda que sou o único marechal do nosso Exército que morreu literalmente defendendo o poder civil.
Na tarde de 4 de novembro de 1897 acompanhei o presidente Prudente de Moraes ao desfile da tropa que voltava vitoriosa de Canudos. Um anspeçada avançou com uma garrucha, ela falhou e ele avançou com uma faca contra Sua Excelência. Interpus-me, embolamo-nos e ele me feriu no peito, na virilha e numa das mãos. Morri pouco depois.

Atentado contra a vida do Presidente Prudente de Morais, que acabou vitimando o Marechal Bittencourt

O lugar onde caí, em frente ao Arsenal de Guerra, que hoje é o Museu Histórico Nacional, foi demarcado com uma placa de bronze e dois mourões. Puseram um busto meu do outro lado da rua e minhas luvas ensanguentadas ficavam numa vitrine do museu.
O busto saiu de lá, os mourões foram derrubados e hoje a placa fica embaixo dos chassis dos carros que lá estacionam. O Exército pouco fala do meu gesto. Marechal-ministro que morre defendendo um presidente civil é coisa esquisita. Afinal de contas, desde 1897, generais depuseram três presidentes. A memória das gentes é bastante seletiva.
Deixemos de velharias, general Pazuello. Escrevo-lhe para dizer que vosmicê está sendo frito, como se diz hoje. Consigo fritam-se os militares. O senhor substituiu dois médicos e levou pelo menos 20 oficiais para o Ministério da Saúde. No dia da sua posse os mortos da pandemia eram 15 mil. Hoje passaram dos 170 mil. Nossa Arma não tem parte nisso, mas fomos metidos na fabricação de cloroquina e acompanhamos um negacionismo irracional. A máquina da administração civil estoca testes que arriscam perder a validade dentro das caixas.
Seu comandante já disse que a pandemia talvez seja “a missão mais importante de nossa geração”. Que seja.
Conheci os casacas dos primeiros anos da República. Quando disseram que eu era o “Marechal de Ouro”, queriam contrapor-me ao Floriano Peixoto, o “Marechal de Ferro”, com que me dou muito bem. Os casacas não mudam e digo-lhe que muitos colegas nossos, deixando o serviço ativo, encasaqueiam-se.
Não me cabe dizer como, mas digo-lhe que deve impedir o prosseguimento de sua fritura. Na semana passada o mundo bateu o recorde de mortes provocadas pela pandemia. Vem aí o desafio logístico da aplicação de uma vacina. Não vislumbro um dedo de racionalidade no planejamento dessa operação.
O senhor está numa situação rara nos anais militares. Responde a um comando confuso, a um Estado-Maior inerte e tem que aguentar fogos inimigos e dos amigos.
Na Revolta da Vacina de 1904, na qual meteram-se alguns generais atraídos pelos casacas, o presidente da República deu mão forte ao doutor Oswaldo Cruz. Rodrigues Alves engrandeceu a medicina brasileira apoiando seu colaborador. Vossa fritura não tem motivo para apequenar nossa arma.
Outro dia estive com meu colega Cordeiro de Farias. Ele me contou o que disse ao presidente Castello Branco quando ele decidiu aceitar a candidatura do marechal Costa e Silva à Presidência: “Não quero ter parte nisso” (A frase só foi conhecida décadas depois).
Atenciosamente, do seu companheiro de Arma
Marechal Carlos Machado Bittencourt
FOLHA/montedo.com

13 respostas

  1. Um jogo de interesses de todos.

    Bolsonaro tira um médico pra não discordar de sua ignorância e põe um poste pra não incomodá-lo.

    O político o usará pelo tempo necessário e o descartará como fez com outros.

    E o general mau o bem provavelmente se não sair 4 estrelas será no futuro contratado por uma grande empresa.

    Puro jogo de interesses, o militar não está nem aí para constrangimentos públicos que seu chefe lhe proporciona.

  2. Sampaio antes de ser imortalizado .nos campos do Paraguai tinha no currículo – 40 combates – vindo de soldado, conquistando os postos por bravura,razão de tanta dedicação que foi casa-se depois dos 40 anos!! Antes do matrimônio a vida era o EB.hoje temos generais embrevetados, de altos estudos e pouca tropa,omissos,obesos,distantes da tropa,pobre exército de Caxias.

  3. O jornalista se esqueceu que o STF deu o poder de combater a epidemia aos estados e municípios (parece que os jornalistas se “esquecem” deste detalhe) esvaziando o poder do governo federal que apenas passou a repassar recursos aos municípios e estados…o roubo de dinheiro público foi e ainda é grande! Muuuuitos desvios de verbas! Empresas fictícias…laranjas…compras superfaturadas…respiradouros sem certificação da Anvisa só testados em porcos…EPIs de péssima qualidade…leitos de UTIs fantasmas…hospitais de campanha acochambrados…profissionais da saúde sem receberem salários…e, agora, a “segunda onda” pode ser colocada na conta destes mesmos políticos que fizeram passeatas, shows, comícios, churrascões na periferia gerando enormes aglomerações! Não era nem para ter eleições! Porque o jornalista não faz uma série de reportagens sobre as roubalheiras em estados e municípios? Ah…é mais facil atacar o governo federal que cumpriu a sua parte! Se tem culpados pelas 170 mil mortes são prefeitos e governadores! Esta imprensa é uma vergonha!

    1. STF? O SUS existe desde 1988 e é do governo federal! O STF apenas julgou a procedência de os estados e municípios serem responsáveis pelo funcionameno do comércio, além do que, só na educação federal são mais de 4 milhões de estudantes que não estão tendo aulas por decisão do governo federal, sem interferência dos estados ou municípios.

  4. Imprensa, STF, Bolsonaro e generais …todos uma vergonha. Srs Generais as custas do ego e dos cargos estão denegrindo a imagem das FA e dividindo a tropa.

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