Memento mori

O triunfo de Tito e Vespasiano - quadro de Giulio Romano

”A população, como árbitro supremo da atividade política, será obrigada a demarcar um rio Rubicão cuja ilegal transposição por um governante piromaníaco será rigorosamente punida pela sociedade”

OTÁVIO SANTANA DO RÊGO BARROS*
Legiões acampadas. Entusiasmo nas centúrias extasiadas pela vitória. Estandartes tomados aos inimigos são alçados ao vento, troféus das épicas conquistas. O general romano atravessa o lendário rio Rubicão. Aproxima-se calmamente das portas da Cidade Eterna. Vai ao encontro dos aplausos da plebe rude e ignara, e do reconhecimento dos nobres no Senado. Faz-se acompanhar apenas de uma pequena guarda e de escravos cuja missão é sussurrar incessantemente aos seus ouvidos vitoriosos: “Memento Mori!” — lembra-te que és mortal!
O escravo que se coloca ao lado do galardoado chefe, o faz recordar-se de sua natureza humana. A ovação de autoridades, de gente crédula e de muitos aduladores, poderá toldar-lhe o senso de realidade. Infelizmente, nos deparamos hoje com posturas que ofendem àqueles costumes romanos. Os líderes atuais, após alcançarem suas vitórias nos coliseus eleitorais, são tragados pelos comentários babosos dos que o cercam ou pelas demonstrações alucinadas de seguidores de ocasião.
É doloroso perceber que os projetos apresentados nas campanhas eleitorais, com vistas a convencer-nos a depositar nosso voto nas urnas eletrônicas, são meras peças publicitárias, talhadas para aquele momento. Valem tanto quanto uma nota de sete reais.
Tão logo o mandato se inicia, aqueles planos são paulatinamente esquecidos diante das dificuldades políticas por implementá-los ou mesmo por outros mesquinhos interesses. Os assessores leais — escravos modernos — que sussurram os conselhos de humildade e bom senso aos eleitos chegam a ficar roucos.
Alguns deixam de ser respeitados. Outros, abandonados ao longo do caminho, feridos pelas intrigas palacianas. O restante, por sobrevivência, assume uma confortável mudez. São esses, seguidores subservientes que não praticam, por interesses pessoais, a discordância leal.
Entendam a discordância leal, um conceito vigente em forças armadas profissionais, como a ação verbal bem pensada e bem-intencionada, às vezes contrária aos pensamentos em voga, para ajudar um líder a cumprir sua missão com sucesso.
A autoridade muito rapidamente incorpora a crença de ter sido alçada ao olimpo por decisão divina, razão pela qual não precisa e não quer escutar as vaias. Não aceita ser contradita. Basta-se a si mesmo. Sua audição seletiva acolhe apenas as palmas. A soberba lhe cai como veste. Vê-se sempre como o vencedor na batalha de Zama, nunca como o derrotado na batalha de Canas.
Infelizmente, o poder inebria, corrompe e destrói! E se não há mais escravos discordantes leais a cochichar: “Lembra-te que és mortal”, a estabilidade política do império está sob risco.
As demais instituições dessa república — parte da tríade do poder — precisarão, então, blindar-se contra os atos indecorosos, desalinhados dos interesses da sociedade, que advirão como decisões do “imperador imortal”. Deverão ser firmes, não recuar diante de pressões. A imprensa, sempre ela, deverá fortalecer-se na ética para o cumprimento de seu papel de informar, esclarecendo à população os pontos de fragilidade e os de potencialidade nos atos do César.
A população, como árbitro supremo da atividade política, será obrigada a demarcar um rio Rubicão cuja ilegal transposição por um governante piromaníaco será rigorosamente punida pela sociedade. Por fim, assumindo o papel de escravo romano, ela deverá sussurrar aos ouvidos dos políticos que lhes mereceram seu voto: — “Lembra-te da próxima eleição!”
Paz e bem!
*General de Divisão do Exército Brasileiro. Doutor em ciências militares, foi o porta-voz da Presidência da República, nomeado pelo governo Jair Bolsonaro
CORREIO BRAZILIENSE/montedo.com

15 respostas

  1. Texto cheio de indiretas e ironias, próprio de quem, quando em atividade, por sobrevivência, assumiu uma confortável mudez a qual também pode ser definida como uma omissão desleal.
    Estaria preservada a essência do texto se o missivista tivesse a hombridade de demitir-se preservando o compromisso solene de defender a democracia, com o sacrifício do próprio cargo.
    No entanto, por sua conduta ou pela falta dela, quedou-se restando saber se estará inserido no universo dos que deixaram de ser respeitados, dos que foram abandonados ao longo do caminho, feridos pelas intrigas palacianas, ou como nos parece, por sobrevivência, naqueles que assumiram uma confortável mudez.

  2. O Presidente nomeia e demite quem ele quiser. O povo não votou nesses generais que sairam atirando. No passado, eles rejeitavam o Mito.

    Atenção Jair Bolsonaro: Volte para as Praças que o elegeram e estavam com V. Exa, desde o início nos idos de 1988/1989.

    Pense nisso !!!

  3. Perdeu a boquinha e sai atirando…qual a surpresa neste fato? Quem dá ouvidos à generais de pijama? Na ativa, NENHUM, moveu uma palha enquanto os politicos saqueavam o país e sucateavam as forças armadas! Não deram um pio nos oito anos, sem reajustes salariais, do período FHC! Depois aceitaram, candidamente, a esmola parcelada e os palavrões do presidente de “alma mais honesta” do Brasil…e aceitam qualquer coisa desde que continuem com alguma boquinha!

  4. Legal é ver os apoiadores (escravos modernos de última patente) atacando o General que outrora foi endeusado pela bela e sapiente retórica. Kkkkk

  5. Ninguém está seguro absolutamente diante da insegurança coletiva e ou pessoal. Mais cedo ou mais tarde a imprensa noticia a queda do avião, o assassinato, o sequestro. Dezenas de milhares de crianças e adultos DESAPARECEM todos os anos, sem solução.

    De um lado brasileiros cansados de reclamar dos serviços e exigências publicas para trabalhar e empreender; do outro, um Estado elefante que não abre mão de suas mordomias, desmandos, burocracias, elitização.

    Quando é eleito um candidato cujas promessas de campanha revigoram as esperanças de mudanças de um povo é natural que o povo se agarre à esse fio de esperança com um certo endeusamento, ingenuidade e um tanto de incredulidade. Mas a democracia nos remete à culpar-nos por nossas escolhas: é uma narrativa.

    Habituamo-nos a ser críticos, de todas as formas, sobre tudo. E se observarmos bem, o que acontece na civilização acontece de modo semelhante dentro das instituições do Estado: disputa por poder, espaço, territórios. No final, queremos a intervenção divina para resolver os problemas que criamos e ajudamos a criar.

  6. Sem entrar no mérito dos motivos, o que ele fez atenta contra atitude militar. É indisciplina para com o Comandante Supremo das Forças Armadas. Deveria ser chamado a responder disciplinarmente. Se fosse um subalterno (menos grave já estaria preso. Inadmissível uma atitude imatura de um Oficial General que deve dar o exemplo de conduta, saindo como criança rebelde.

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