Ruben Barcellos
Lembra do que estava fazendo às 6 da manhã do dia 15 de janeiro de 1965? Eu lembro.
Estava tomando banho pra ir no 3º. R Rec Mec, convocado pra servir e inspecionado no 25 GAC, 6 meses antes. A inspeção foi sob o comando do Major Collares, marido da maestrina Gilca Collares. Ele me perguntou onde eu queria servir e porque. Respondi que ficava “perto” da minha casa. Perto, perto não era, mas meus dois irmãos já tinha servido na Artilharia. Tudo pra Mallet e nada pra Osório? Pronto: escolhi a Cavalaria.
Ali, em meio a centenas de outros “guris” de 18\19 anos, fizemos fila, atentos à chamada de nossos nomes, correndo, uns pra cá e outros pra lá, aos cuidados do Can 37 do Minuano e das Mtr feitas com canos galvanizados, pra manter a aparência intimidadora da sua potência de fogo.
O chão da barbearia desapareceu debaixo dos cabelos claros, escuros, lisos e crespos, enquanto as cabeças reluziam à máquina quatro zeros. Ficamos estranhos com o novo visual. Em questão de segundos, a gente passaria de conscrito a recruta. E só depois das marchas a pé de 8, 12, 16, 24 e 32 km, só depois do exercício do período básico, só depois de sabermos a diferença entre uma divisa de cabo e uma de primeiro sargento, só depois de estremecer ao cantar Arma de Heróis, só depois de tomar muito chá de alfafa, também conhecido como chá brochante, só depois de fazer a poeira levantar com uma cadência marcial tipo “passo de ganso”, só depois de “pegar as andarolas” com o Subtenente, só depois de ralar na corda do rapel, da falsa baiana e do comando crown, só depois de varar a madrugada no posto de sentinela, só depois dos serviços de cavalariça, só depois de arrumar a cama durante 40 noites, só depois de suar em bicas no calorão do rancho, só depois de receber o catanho e iniciar o consumo pelo ovo cozido, só depois de atirar com o lança rojão, com a .30 e a .50, com o can 37, com o Mrt 81, com a Mtr Madsen, com o Mauser 7mm, com a Pst Colt .45. com o Rv Smith Wesson . 45, só depois de praticar os métodos do rastejo e os truques da camuflagem, só depois de desaparecer no terreno e em tocas individuais abertas com pá e picareta Mod Inf, só depois de frequentar e ser aprovado no CFC, só depois de responder com presteza ao ouvir seu número e responder seu nome de guerra…só depois chegava no dia 25 de agosto, dia do Juramento à Bandeira, dia de finalmente passar a ser – soldado!
Nunca mais deixei de ser.
Fui por um dia, fiquei dois. Quando se passou um ano, fiquei mais um pouco. Quando vi, tinham se passado 26. Quando vi, estava no QG. Quando me dei conta, fui promovido ao primeiro posto. E quando me disseram: agora é a hora de ficar, saí!
Foi bom enquanto durou. Fiz muitos amigos. Muitos mesmo. Tantos, que sem sair de Bagé, os tenho pelo Brasil todo. Tem até um na Jordânia. Tem aqueles que serviram em outros países: França, Israel, Haiti, Angola, México. Tenho amigos que eram atletas olímpicos de vôlei, natação, futebol, tiro, equitação, pista de obstáculos, orientação, judô…tem uns que foram comigo pra EsSA se aperfeiçoar. Tem uns que foram ao Ibaré. Outros foram a Saicã. Outros pra Serrinha e pro Tabuleiro. Outros foram até o Portão das Armas, só pra nos abraçar porque iam “simbora”!
Meus amigos de caserna são fiéis. Moram em Fortaleza, Salvador, Shangri-Lá, Joinvile, Pelotas, Brasília, Santa Maria, Santa Rosa, Santo Ângelo, Rosário, Rio Negro, Dourados, Porto Alegre, Capão da Canoa, Florianópolis, São José dos Campos, Natal, João Pessoa, Curitiba, Santos…outros, enraizados, moram em Bagé. Estamos sempre em contato, ratiando, falando em quartel e aos gritos de “e aí loco véio”…nunca nos despedimos pra sempre.
Meus amigos, muitos deles se foram. E no lugar onde estão, se perfilam todos os dias, pra cuidar de quem os teve na mesma barraca, na mesma formação, unidos pelo mesmo amor à Pátria Amada Brasil.
Dia do soldado – 25 de agosto. Dia de todos nós.
23 respostas
Parabéns, Ten Barcellos lindo texto que retrata a vida de um Excelente e Exemplar Soldado!!! Feliz Dia do Soldado!!!
Este texto reflete as palavras que todo soldado gostaria de pronunciar. Para isso ter, é preciso ter a memoria viva e o domínio do idioma para reviver tantos fatos. Qianta sensibilidade e amor ao Exercito e ao Brasil!Comovente! Receba a continência de um velho soldado de Piratinimga. Cel PM Arruda
Obrigado, Cel Arruda. Eu respondo a sua continência com igual respeito. Em Bagé, em Piratininga, seja em que canto for – deixaremos uma semente
Obrigado, somos o que somos porque antes de nós alguém fez o que fizemos; muitos o farão depois de nós. Fraterno abraço.
Obrigado, Anônimo. Infectados pelo mesmo vírus patriótico, em estado terminal ainda estaremos vibrando pelo EB.
PARABENS IRMÃO !!!
Obrigado, irmão de Armas. Sempre vigiando, sempre atentos é o que estamos. Abraço forte.
Uma vez soldado, sempre soldado, ainda mais com o risco de assalto a ônibus e invasão feita por corona vírus. Em vez de apertar as mãos, todo mundo tem que fazer continência.
Obrigado, Psiquê. O EB ainda é uma instituição permanente das mais confiáveis. Abraço.
Abraço não, continência sim.
Mando abraço, Psiquê, pra quem não assina seu nome; continência é outra coisa – precisa identificar a quem é feita. Abraço.
Essa história e um pouco de todos nós Soldados, que saudades.
Obrigado Claudemir. O sangue verde-oliva é altamente contagioso. Abraço.
ARTIGO JORNAL DO COMÉRCIO/PA-RS
BOLETIM DAS BAIAS DO ÚLTUMO BIMESTRE
Paulo Ricardo da Rocha Paiva
Soldo… soldado, dicionários costumam definir o primeiro termo como vencimento do militar, retribuição ao seu serviço. Ao segundo, os mesmos se reportam ao que se liga pela solda, preso, colado, homem alistado nas fileiras do Exército. Em verdade, soldado vem de soldo e seus significados se complementam de tal modo que formam argamassa una e indivisível, definindo de forma ideal os que juram defender a pátria, se preciso for, com o sacrifício da própria vida. Nesta hora, o valor de seus vencimentos não conta. O povo sabe, não será um salário alto ou baixo pago: a um oficial do Exército, que vai demovê-lo da missão de liderar homens em combate, mesmo que seja com um “bacamarte” modelo 1965; a um piloto de caça, que vai impedi-lo de fazer decolar o seu “teco-teco” obsoleto; a um comandante naval, que vai acovardá-lo de fazer-se ao mar, com sua “piroga” mal artilhada.
Aqueles que os desprezam dizem que militares só sabem cumprir ordens, marchar, fazer faxina, pintar meios fios. Quem sabe daí o desprezo pelos salários que recebem. E o que dizer do soldado que ocupou no Império, por três vezes, a então pasta da Guerra, com real e inquestionável conhecimento de causa, de fazer inveja a todo e qualquer ministro da Defesa dos tempos atuais? A que fez jus o desempenho do soldado que comandou o Exército Imperial em operações, de novembro de 1866 a janeiro de 1869? Teria o Duque de Caxias aumentado o seu patrimônio, da noite para o dia, como é tão “natural” acontecer hoje em dia pela ocupação de cargos/funções públicas? A verdade é que ninguém conseguiu tirar do sério aquele oficial-general, pois, muito mais do que as benesses, ele considerava o respeito pela instituição e a admiração de seus subordinados. Mas a vida é assim mesmo para os verdadeiros soldados. Hoje eles engolem tudo em nome da disciplina. Um dia, entretanto, vão ter que se posicionar, posto que, muito mais do que soldos, importa para eles, sim, que a lealdade à pátria e a própria sobrevivência das Forças Armadas sejam, sempre, postas acima de tudo!
Coronel de Infantaria e Estado-Maior
Obrigado, Cel Paulo Roberto da Rocha Paiva. Resenha preciosa sobre a caserna que nos abrigou e nos fez cidadãos de bem. Forte abraço.
SOLDADOS!
Nossos cumprimentos!
O mundo não seria o mesmo sem vocês ao serviço d e nossa Pátria.
Nossa GRATIDÃO!
Preces aos falecidos, desejo da Paz na Eternidade, os que honram o Santuário Eterno.
Obrigado, Gessy familiares. Lembrar dos que nos antecederam é uma forma de gratidão das mais nobres. Forte abraço.
parabens pelas palavras, saudades desse tempo, saudades, felicidades a todos os soldados. sentimos saudades dos nossos amigos soldados que incorporaram com a gente e com aqueles que fizeram a formação na escola.
Obrigado, Carlos Alberto Amaral de Souza. A saudade que nos castiga é a mesma que nos sustenta. Abraço forte.
Com algumas modificaçoes de datas e lugares essa é a minha historia e a de muitos outros, mas contada de uma forma impecavel. Relembrei fatos “escondidos” a tempos. Obrigado. Força e Paz.
ST 89, obrigado. Temos mais em comum porque fomos irmanados pelos mesmo ideais. Forte abraço.
Me orgulho de ter sido soldado e ainda ser soldado.
SGT QE, obrigado. Partilhar dos mesmos sentimentos faz parte da grande irmandade militar. Forte abraço.