Escola nova e pedido de 32 imóveis: militares ampliam domínios em Brasília

Fachada da extinta ESAF (Escola de Administração Fazendária), agora ocupada pela ESG (Escola Superior de Guerra), em Brasília
Imagem: Sindifisco Nacional / site na internet

O conjunto de prédios projetado pelo arquiteto Pedro Paulo de Melo Saraiva (1933-2006) e inaugurado há mais de 40 anos, admirado por alunos de arquitetura pela leveza das edificações misturadas às árvores, inclui 96 apartamentos triplos para visitantes, 14 salas de aulas, três auditórios, um centro desportivo, refeitório, cozinha, lavanderia, almoxarifado e dois salões nobres. O complexo é avaliado em R$ 38,5 milhões.
Durante décadas, desde 1975, funcionou ali a ESAF (Escola de Administração Fazendária), vinculada ao Ministério da Economia, que promovia o treinamento para servidores federais, estaduais e municipais nas áreas de planejamento, orçamento e gestão e realizava concursos públicos em áreas sensíveis do governo, como a Receita Federal.
Pelas salas de aula e alojamentos da ESAF passaram praticamente todos os servidores públicos federais dessas áreas técnicas nas últimas quatro décadas e milhares de servidores dos Estados e prefeituras. Os novatos no Tesouro Nacional e na Receita tinham que passar por um curso de três meses ou mais na escola.
A partir da eleição de Jair Bolsonaro e da ascensão de vários militares ao primeiro escalão do governo, tudo mudou e rapidamente o prédio passou para o controle do Ministério da Defesa, em uma velocidade invejável para o serviço público. Agora são ministrados cursos para militares e civis “no campo da defesa nacional, incluindo o que concerne à segurança e ao desenvolvimento”.
Entre servidores públicos civis, a perda da ESAF é considerada um símbolo da militarização do governo Bolsonaro.
Primeiro, em janeiro de 2019, a ESAF foi declarada extinta e incorporada à ENAP (Escola Nacional de Administração Pública), vinculada ao Ministério da Economia. Em 20 de novembro, após o assunto tramitar desde setembro entre ESG e AGU (Advocacia Geral da União), o ministro da Defesa, Fernando Azevedo, enviou um ofício para seu colega Paulo Guedes, da Economia, a fim de pedir a cessão de parcela do campus do Jardim Botânico.
Azevedo argumentou, no ofício, que uma “parte significativa” da ESG (Escola Superior de Guerra) seria transferida do Rio de Janeiro para Brasília e, por isso, precisava de espaço. Até então, segundo a Defesa, as aulas da ESG eram dadas numa sala de 856 m² do MD na Esplanada.
A ESG, um núcleo de estudos estratégicos frequentado por oficiais militares e civis, foi criada nos anos 40 e desde então ocupa um histórico prédio dentro da Fortaleza de São João, no bairro da Urca, no Rio. A ESG formulou doutrinas de segurança nacional e outras linhas de atuação dos militares dentro e fora da caserna, como políticas de desenvolvimento econômico, tendo um papel na definição e discussão sobre os “objetivos nacionais” a serem alcançados durante a ditadura militar (1964-1985). A partir da redemocratização, em 1985, seguiu elaborando teses e fundamentos sobre poder nacional, defesa, soberania nacional e segurança internacional, entre outros tópicos, com cursos, palestras e trabalhos acadêmicos.

Apartamentos funcionais
A transferência dos prédios para a ESG não foi o único pedido de Azevedo a Guedes. O ministério pretende obter outros 32 apartamentos funcionais no Plano Piloto, área nobre de Brasília, “que estejam atualmente desocupados”, segundo Azevedo, a fim de atender “diversos militares e servidores” que foram ou serão transferidos da ESG do Rio.
A questão dos apartamentos ainda está sob análise na SPU (Secretaria do Patrimônio da União), mas o campus foi liberado em tempo recorde para Azevedo e os militares da ESG.
O ofício de Azevedo é de novembro. Apenas 12 dias depois, em 2 de dezembro, Fernando Azevedo participou da “cerimônia de inauguração do Campus Brasília da ESG”, ao lado do ministro Ernesto Araújo (Relações Exteriores) e dos três comandantes militares, conforme anunciado pela ENAP em seu site na internet.
A ENAP informou que estava cedendo para a ESG parte do seu campus no Jardim Botânico e que, a partir de janeiro de 2020, passaria a “concentrar suas atividades presenciais no campus Asa Sul”, outro prédio da escola. Poucos meses depois, em maio, já durante a pandemia do novo coronavírus, o Ministério da Economia emitiu o termo e a certidão de entrega do prédio para a ESG.
No texto divulgado em seu site na internet em dezembro, a ENAP argumentou que iria economizar R$ 7,6 milhões com a cessão do imóvel. A conta não levou em consideração os novos gastos que deverão ser suportados pela Defesa para a instalação e manutenção da ESG na capital federal.
No “projeto de utilização do imóvel da União” produzido pela Defesa em janeiro passado, há a informação da estimativa de R$ 5,7 milhões anuais com as despesas de “manutenção predial, limpeza e conservação, jardinagem, vigilância, energia, água e esgoto, coleta de lixo, fornecimento de água e UTI móvel”. Nesse cálculo também não entraram as despesas com deslocamentos e alojamento dos servidores que virão da ESG do Rio.
Em mensagem à coluna, o Ministério da Defesa informou que trabalha com uma estimativa de custo mensal, com energia elétrica, água e manutenção, de cerca de R$ 350 mil, o que projetaria um custo anual de R$ 4,2 milhões.

‘Tristeza e implosão’
Diretor-geral da ESAF de 2011 a 2016, o economista Alexandre Motta, mestre e doutorando em desenvolvimento econômico pelo Instituto de Economia da Unicamp, lamentou o fim melancólico da ESAF após “uma epopeia de 46 anos de grandes serviços prestados ao país”.
“Eu confesso que vi tudo com uma profunda tristeza. Sei que a ESG tem uma tradição de formação e qualificação vinculada à Forças Armadas e podemos prever que a estrutura física do campus vai ser bem cuidada, mas acho que não se trata muito disso. A ESAF era uma referência, tinha um impacto grande na formação do servidor público.”
Segundo Motta, a ESAF foi pensada pelo então ministro da Fazenda Delfim Netto como “um centro de formação de quadros de excelência para gestão de recursos públicos”.
O governo chegou a enviar para a Alemanha um grupo de servidores da Receita Federal para que o modelo alemão fosse implantado no Brasil. “A ESAF era quase uma cópia nos trópicos da escola alemã, a ideia era ser um centro de formação e de difusão do conhecimento. E de fato a escola fez isso, por décadas”, segundo o economista.
“A transferência da ESAF para a ESG traz uma questão central: o que o governo quer da formação dos seus servidores. É uma pergunta que precisa ser feita. A ENAP já não dava mais conta de toda a complexidade e tamanho de qualificação e treinamento. Com o fim da ESAF, não sei como vai ser. Outra atividade que a ESAF fazia eram todos os concursos de alta sensibilidade, como Receita, Tesouro Nacional, PGFN [Procuradoria Geral da Fazenda Nacional]. Essa expertise acabou e não há mais nenhuma estrutura dentro do governo federal capaz de fazer isso. O governo precisará contratar uma estrutura externa para isso, e quanto custará, quem fará, são questões em aberto.”
Rudinei Marques, presidente do Fonacate (Fórum Nacional Permanente de Carreiras Típicas de Estado), uma coalizão de associações de servidores públicos, disse que a cessão do campus da ESAF para a ESG foi “como ver um símbolo da formação do servidor público em Brasília ser implodido”.
“Vimos com muito pesar essa cessão porque a ESAF ficou caracterizada ao longo de sua vida como um centro de excelência na formação de quadros. E utilizada bastante por outros ministérios com uma proposta muito técnica, acadêmica. O serviço público vê isso com pesar. Uma história de êxito da ESAF findar assim… A ENAP está absorvendo uma parte dessa formação mas tem que ver se vai dar conta. A ENAP não tinha muita tradição nessa área fazendária e economia e não sabemos se tem condições de ampliar suas atividades.”

Defesa e Economia
Em nota à coluna, o Ministério da Defesa afirmou que “o Campus Brasília da Escola Superior de Guerra (ESG), atualmente com sede própria nas antigas instalações da ENAP, foi inaugurado em 04/12/2019 e incorporado ao patrimônio do Ministério da Defesa em 03/06/2020, por meio da assinatura do Termo de Entrega Patrimonial”.
“Desde a data de sua inauguração as atividades da ESG são desempenhadas no local. Seis cursos são sediados no campus de Brasília: Curso de Altos Estudos de Defesa (CAED), Curso de Análise de Crises Internacionais (CACI), Curso de Diplomacia de Defesa (CDIPLOD), Curso de Direito Internacional dos Conflitos Armados (CDICA), Curso de Extensão em Logística e Mobilização Nacional (CLMN) e Curso Superior de Inteligência Estratégica (CSIE).”
Segundo a Defesa, a ESG, “quando expandiu suas atividades para a capital federal, em 2011, não possuía sede própria e utilizou, durante oito anos, as instalações do próprio Ministério da Defesa na Esplanada dos Ministérios. Em 2019, após tratativas entre o MD e o Ministério da Economia, responsável pelo ENAP, as instalações que não eram mais utilizadas pelo órgão foram cedidas para uso da ESG”.
A ENAP informou, via assessoria do Ministério da Economia, que a partir de 2019, “centralizou as suas atividades no campus Asa Sul (Brasília/DF). Em dois anos, com a suspensão das atividades no campus Jardim e a cessão do campus para a Escola Superior de Guerra (ESG), em janeiro de 2020, foram economizados R$ 17 milhões”.
“A mudança integra uma série de ações que visam promover a eficiência no uso dos recursos públicos, maior racionalidade organizacional e gestão otimizada de estruturas e espaços públicos que está em curso desde a integração das duas maiores escolas de governo: Enap e Esaf. Em 2019, a Enap reduziu em R$ 12 milhões/ano seus gastos com contratos de serviços e 18,8% seu orçamento de despesas correntes e de investimento. O campus da Asa Sul possui capacidade de comportar até 1,4 mil pessoas, com um auditório, quatro anfiteatros, quatro laboratórios de informática e 19 salas de aula, além de duas salas de alta performance (SAP) – o Espaço Inovatio e Nexus”, informou a Economia.
UOL/montedo.com

5 respostas

  1. O projac- groubo— tentaram ser o quarto poder.

    Afasta do estado, devolvem o dinheiro do roubo no Brasil e Suíça (FIFA).
    XÔ GLOBOSTA!

    1. Prq não?? Possibilitem que os QEs possam fazer a ESG e verão Generais Guerreiros!!! Os últimos Generais Guerreiros foram para a Reserva na década de 80, de lá pra cá, só gravatice e altos estudos!!!

  2. Seria muito bom se o problema de pnrs para graduados fosse resolvido com essa rapidez, a União tem milhões de hectares ociosos que poderiam ser permutados por pnrs para graduados, exemplo a guarnição da Alegrete RS, tem vários campos de instrução e em média 10 pnr por OM. Esse é um dos motivos daquela guarnição ser pouco piruada.

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