A liberdade de expressão dos veteranos e positivismo em xeque

LIBERDADE DE EXPREESSÃO

João Batista dos Reis Moreira*
No Brasil colonial para proteger tão vasto território a Coroa portuguesa mobilizou antes dos colonos as tropas regulares, provindas do Reino, as semi-regulares e ainda as irregulares, sendo exemplos destas últimas as famosas bandeiras – responsáveis pelo avanço das fronteiras brasileiras. “Cada latifúndio desbravado, cada sesmaria povoada, cada curral erguido, cada engenho ‘fabricado’, tem como preâmbulo necessário, uma árdua empresa militar.” (Oliveira Viana).
Por ocasião das invasões holandesa e francesa ao Brasil, o Exército inegavelmente colaborou na criação da alma nacional, amalgamando nos campos de batalha o branco já definitivamente destacado de Portugal, o índio e o negro que unidos contra o inimigo comum lançavam as bases do patriotismo e da semente do que viria a ser o povo brasileiro.
Tendo sido a ponta de lança no golpe republicano que resultou na derrocada da Monarquia imperial, o Exército batizou o novo regime sob o influxo do positivismo que bem poderia ser chamado hoje de cientificismo.
Discreta ou ostensivamente os militares sempre permearam aqui e ali a história brasileira. Agora, mais de trinta anos depois da reabertura democrática, eis que novamente os fardados estão na berlinda. Mas a que custo?
É irreal negar que existam pólos ideológicos e filosóficos em qualquer segmento social. As Forças Armadas não são exceção. Afirmar que os militares são apartidários é temerário e beira à ingenuidade ou à má-fé. Parece que aquilo que mais se aproxima de uma consciência “política” militar seja o já mencionado positivismo. Aparentemente anódino e inodoro, o positivismo pode ser uma espécie de iluminismo meia-boca para inglês ver. Divorciando Estado de Religião, e renegando a carga de experiência metafísica da humanidade, ele parece ser uma política de terra arrasada em que nada nem nenhuma ideologia poderia vicejar… Mas vale lembrar aqui o ditado popular “cabeça vazia é oficina do diabo”… Talvez por isso mesmo, diversos instrumentos legais e regulamentares dão conta de silenciar as inclinações políticas, ideológicas e filosóficas dos militares na caserna. Porém, ao pendurar o coturno, nova vida bate à porta…
Pouca gente sabe que vige a Lei no 7.524, de 17/07/1986Lei no 7.524, de 17/07/1986, que dispõe sobre a manifestação, por militar inativo, de pensamento e opinião políticos ou filosóficos. Ressalvados “os assuntos de natureza militar de caráter sigiloso” e “respeitados os limites estabelecidos na lei civil” tal diploma legal faculta “ao militar inativo, independentemente das disposições constantes dos Regulamentos Disciplinares das Forças Armadas, opinar livremente sobre assunto político, e externar pensamento e conceito ideológico, filosófico ou relativo à matéria pertinente ao interesse público.” Sendo lei ordinária, específica sobre o tema, a Lei no 7.524 automaticamente derruba quaisquer dispositivos regulamentares que pretendam cercear a liberdade de pensamento dos veteranos.
Ultimamente nos quartéis têm sido oferecidos aos militares que estejam a ponto de se desligar do serviço ativo, palestras, cartilhas, orientações diversas que objetivam preparar os candidatos ao pijama para o longo sono dos justos no além do apartidarismo positivista. Mas como é de se esperar não se toca no assunto da liberdade de expressão pós-ativa. Nenhuma palavra sobre um tema tão sensível ao cidadão carregado de experiências que está para retornar ao dinâmico campo do debate público. Sobre o novo horizonte da liberdade de pensamentos que se descortina perante o veterano, o silêncio dos inocentes. Sobre a Lei no 7.524, é provável que nem se conheça tal dispositivo legal nos quartéis. Ninguém pergunta ninguém responde nem que sim nem que não.
Não será essa situação fruto da “ideologia” positivista invisivelmente presente nos quartéis!? Será realmente o positivismo uma postura tão inerme assim ou será talvez o contrário!? Quem sabe, devido ao achatamento mental que provoca na caserna, esta pseudofilosofia não colabore para obnubilar a percepção política dos militares, deixando-os presas fáceis de ideólogos e políticos profissionais?
Parece que hoje a História vem cobrar dos militares um posicionamento firme, mas principalmente transparente. Num momento em que os ideários globalizadores acossam as Nações livres com força renovada, os soldados começam a ser chamados a assumir seus lugares, primeiramente num teatro de operações intelectuais. Que estejam habilitados a lutar essas novas batalhas à luz da revelação pós-moderna, da qual não se poderão esconder usando escudos surrados de velhas teorias moribundas.
*Suboficial da reserva da FAB

15 respostas

  1. Finalmente, Montedo. Para além dos textos que afagam os egos das elites militares, a publicação deste esclarecedor e oportuno artigo precisa ser uma mudança de paradigma. Um grande passo rumo à plena liberdade de expressão e cidadania. Continue assim e vivencie a consideração e a credibilidade da Família Militar.

  2. O pior é que os militares não sabem que seguem máximas positivistas, verdadeiras diretrizes tácitas e imperceptíveis dessa “religião” Comtista.

    Por exemplo: em algumas atividades castrenses não se dá o direito do “por que” ao subordinado, mas tão somente lhe é ensinado o “como”.

    Especialmente nas escolas de formação de oficiais, mas não somente nelas, são ensinados os princípios positivistas e, pasmem, sem que os instrutores e alunos o saibam. Simplesmente, ensino a “como” fazer e você aprende a “como” fazer. O “por que” se restringe a reflexões individuais de raríssimas mentes que raciocinam!

    Simples assim.

  3. Nos quartéis não se fala sobre pessoal na reserva, igual ao tabu que é para o veterano falar sobre como agir para conseguir a pensão aos seus familiares. Nos quartéis só se fala em como o militar será punido por isso ou por aquilo, ou seja, o terrorismo do medo.

  4. Não existe nenhuma lei, mesmo por ser impossível que vise coibir a liberdade de pensamento dos veteranos, nem mesmo entre os militares da ativa. Por quê deveria ser lembardo aos militares que stão passando para inatividade que eles tem liberdade de expressão? Existe alguma tutela dis militares sobre isto? Não é um direito assegurado por lei? E o positivismo não se opõe a liberdade, mas procura um ordenamento social através das ciências ditas positivas, as quais só podem existir junto à liberadade. A opressão não gear revolta, gera acomodação…

  5. Está bem claro na CF que o militar na reserva pode se expressar si. É que os cabeças, acostumados a intimidar os subordinados dentro dos quartéis acham que podem continuar fazendo o mesmo quando estamos na reserva. As coisas mudaram! São poucos os que, na reserva, ainda vivem com o “pesadelo” da ditadura interior da caserna.

  6. Eu tinha um amigo que, quando um praça ia para a reserva, usava um termo muito adequado à situação: “ESTE CONSEGUIU SUA CARTA DE ALFORRIA!”. Era a expressão que mais se aproximava do que estava ocorrendo naquele momento.

  7. A influência do positivismo na nossa história está representada parcialmente na nossa Bandeira (ordem e progresso). Porém, outro pilar defendido por Auguste Comte, que é o entendimento da sociedade como norte das ações, acabou ficando convenientemente esquecido. Por isso, acho q em terras tupiniquins, conhecemos uma nova variação dessa ideologia. O IMpositivismo ( genuinamente brasileiro).

  8. A influência do positivismo na nossa história está representada parcialmente na nossa Bandeira (ordem e progresso). Porém, outro pilar defendido por Auguste Comte, que é o entendimento da sociedade como norte das ações, acabou ficando convenientemente esquecido. Por isso, acho q em terras tupiniquins, conhecemos uma nova variação dessa ideologia. O IMpositivismo ( genuinamente brasileiro).

  9. Pura realidade. A mente do militar da reserva e do militar da ativa caminham em sentidos contrários. Para manter as atividades da caserna se faz necessário o aprisionamento da mente do militar da ativa, cabendo a ele o tão somente ¨sim senhor¨ e ¨não senhor¨, expressão de liberdade para os ativos somente entre pares e bem longe do quartel, e que ninguém saiba do assunto comentado. rs..rs..rs….

  10. Boa noite!
    Fomos doutrinados a somente dizer “sim senhor”. Prezo pela hierarquia e disciplina. É fundamental em qualquer órgão, público ou privado. Só que o regulamento nas FFAA só beneficia um lado. Hoje, na reserva vejo quão boa é a vida aqui fora da farda. Mas serei grato sempre pelos 30a de caserna. Carrego comigo só o que ficou de bom.
    Os Cmt viraram as costas para os graduados; orgulhosos só olharam para o próprio umbigo. Quando surgem as redes sociais, que, graças a Deus vieram a socorrer os desassitidos, bom, daí uma parcela de graduados virou rebelde, comunista. A política está lá dentro da caserna. Tem de direita e tem de esquerda. São novos tempos. Senhores Cmt aproximem-se dos subordinados. Ainda há tempo.

  11. Muitos militares, principalmente os temporários (reservistas) reclamam do tratamento nas forças Armadas, desde a remuneração, alojamento, comida até escala de serviço, entretanto, esses mesmos cidadãos quando são licenciados das fileiras militares ocupam cargos importantíssimos no mundo civil, cargos privados, públicos, políticos, etc, mas não se organizam para melhorar as leis para beneficiar os futuros reservistas, mesmo sendo seus filhos e de seus amigos, se omitem, apenas se lembram que serviram mas não fizeram mais nada para ajudar os próximos militares.

    Cabe a reflexão, “que forças armadas que os brasileiros querem no futuro”, é um caso a ser pensado por todos os brasileiros que querem o bem para o país.

  12. Sempre defendi que o Exército é uma ditadura que defende uma democracia. Nada de perguntas, nada de explicações é só o sim senhor e pronto.
    E ainda põe como pauta de avaliação a coragem moral, que dependendo do comandante ( aconteceu comigo) leva para o lado da insubordinação pois o mesmo não quer ouvir verdades, apenas aquilo que lhe é conveniente.

  13. Aprendam com a PM, aprendam com a PRF, aprendam com a PF.
    Se quiserem melhorar, é claro!
    Alguns Estados, como àqueles quebrados, mostram que podem melhorar os vencimentos dos seus militares.
    Nas FFAA, por enquanto, melhorias só para os GEN, OF e seus babões com chacaus. Os estamentos inferiores e pensionistas foram penalizados.

    Senado analisa sugestão popular de piso salarial para PM.
    Fonte: Agência Senado
    Para autor da sugestão legislativa, referência salarial nacional é o mínimo reconhecimento que sociedade pode dar para quem arrisca a vida pela segurança pública
    Com mais de 20 mil apoios populares no Portal e-Cidadania, segue para análise da Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH) do Senado a ideia legislativa que propõe um piso salarial nacional para policiais militares (PMs).
    A ideia de implantação do piso nacional foi apresentada pelo cidadão Claudemir Cabrera, do Paraná, sob o argumento de que é “o mínimo de reconhecimento profissional necessário para um segmento que coloca a vida em risco para defender a população”. A justificação também chama atenção para a elevada taxa mortalidade dos PMs, salientando que a vida do policial não tem mais valor ou menos valor em decorrência do estado em que atua. Ainda não há data estabelecida para a CDH analisar a ideia legislativa.
    Iniciativa popular
    Todos os cidadãos podem enviar ideias legislativas através do Portal e-Cidadania. Cada ideia permanece publicada por quatro meses aguardando recebimento de apoios de outros usuários cadastrados no portal. As ideias que recebem 20 mil apoios no período são encaminhadas para a CDH e recebem o mesmo tratamento das Sugestões Legislativas, que são formuladas por associações, órgãos de classe, sindicatos e organizações da sociedade civil: se receberem parecer favorável da CDH, são transformadas em proposições legislativas e encaminhadas à Mesa do Senado.
    Atualmente, entre projetos de lei e propostas de emendas à Constituição, tramitam 25 propostas derivadas de ideias legislativas. A que obteve maior número de apoios é a que extingue o auxílio-moradia para parlamentares (PEC 222/2019).

  14. Excelente texto ,retrata uma realidade que não podemos fugir ,primeiramente uma coisa que atrapalha é o condicionamento de ser executor submisso visto aos olhos dos outros ,como alguém secundário ,sem poder de decisão ,sem voz ,ou uma voz delimitada a um pequeno grupo .Essa situação faz-se necessária para que o sistema funcione e facilite sua execução amarrado a regras punitivas ,mas isso vem se modificando ao longo do tempo com acesso a educação transformando essa visão .

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