Santos Cruz: ‘Não há como o Exército tomar uma decisão ilegal’

General Carlos Alberto Santos Cruz disse que Bolsonaro não tem o apoio institucional das Forças Armadas
Imagem: RENATO COSTA /FRAMEPHOTO/FRAMEPHOTO/ESTADÃO CONTEÚDO

Ex-ministro-chefe da Secretaria de Governo de Bolsonaro diz que a Força não se submeterá a esse tipo de pressão e que dinheiro público não pode pagar fake news

Entrevista com
General Carlos Alberto dos Santos Cruz

Marcelo Godoy, O Estado de S.Paulo
O general Carlos Alberto dos Santos Cruz, ex-ministro-chefe da Secretaria de Governo do presidente Jair Bolsonaro, é uma das mais importantes vítimas das fake news. Ele teve diálogos de WhatsApp fraudados para indispô-lo com o presidente. Santos Cruz defende a investigação e punição dos criminosos. O general afirma ainda que o Exército não tomará decisão fora da lei, como pretende quem quer fechar o Supremo Tribunal Federal e o Congresso. Apela para a pacificação do País e se diz contrariado com a aproximação do governo com o Centrão. Eis a entrevista.

Como deve ser o comportamentos dos atores desta crise para se preservar as instituições?
As pessoas públicas, que fazem parte dos Poderes, têm de cumprir a legislação, independentemente de suas características. Educação, harmonia e trato das diferenças de maneira educada devem ser regra. O bom exemplo é obrigação de todos.

O presidente compareceu a manifestação em frente ao quartel do Exército. O que o sr. achou dessa manifestação?
Eu acho imprópria pelo objetivo da manifestação (fechar o Supremo e o Congresso). Não tem ilegalidade, as pessoas que estavam na manifestação podem ir até lá, mas daí achar que o Exército vai se envolver tem uma distância muito grande. Tinha gente ali com placas AI-5, fora STF, uma variedade de objetivos. São manifestações manipuladas e estimuladas por alguém. Mas, para pressionar o Exército a tomar uma decisão fora da legislação, não tem como. O Exército não funciona baseado nesse tipo de pressão.

O sr. foi vítima do submundo das fake news. Agora, Congresso, via CPI, e STF, por um inquérito polêmico, buscam os responsáveis por esses esquemas. Como sr. vê as investigações?
Espero que cheguem à autoria. Liberdade de expressão não é injúria, calúnia e difamação. Ninguém é livre para fazer isso. Os recursos da mídia social não eliminaram o Código Penal. Deve-se ter toda liberdade, assim como deve ser responsabilizado se infringir a lei, atacar a honra com notícias falsas. Linchamento virtual, assassinato de reputação e mentira não têm nada a ver com defesa da liberdade. Alguns falam que se trata de liberdade de expressão, que ela está sendo cerceada. Ninguém está cerceando nada disso. Tem de ser penalizado quem é criminoso.

Há suspeita do uso de dinheiro público para financiar esses esquemas. O que o sr. acha disso?
É absurdo. Dinheiro público não pode ser usado para financiar notícias falsas. Tem de ver se tem pessoas que são pagas, recebem salários do setor público ou veículos que recebem dinheiro público.

Pela sua história, o sr. crê que as pessoas têm ideia da importância de combater as mentiras para preservar a democracia?
O problema não é isso me afetar, não é pessoal. Esse tipo de atividade ilegal, de mentiras e calúnias, de baixíssimo padrão de palavreado, atrapalha a educação, atrapalha o desenvolvimento da sociedade e o próprio governo, quando é feito em defesa do governo, pois a sociedade não gosta disso, ela gosta de paz social e informação válida. O ambiente fica prejudicado por esse tipo de ação.

O sr. reafirma a importância de se buscar dentro da lei os aperfeiçoamentos necessários às instituições. Ou seja, não existe saída possível fora da Constituição?
Não se pode decidir as coisas na força, no peito, na arrogância, no conflito. Você pode ter discordâncias, mas tem a legislação, em que há mecanismos para alterar as leis. Tem de ser feito tudo dentro desse sistema. Não se pode querer fazer pela força o que depende do consenso social, da convivência política. Se um Poder não está funcionando bem, sugira aperfeiçoá-lo. O que não pode é, antes de fazer isso, já partir para o conflito, o que perturba a sociedade e não leva a nada. A harmonia é obrigação do servidor público. Os Poderes têm obrigação de procurar essa harmonia.

O sr. afirma que o militar da ativa deve guardar distância do varejo da política. Como fazer isso se há cinco oficiais generais da ativa autorizados pelos comandos em cargos do governo?
Os militares, normalmente, têm preferência política e candidato. Mas, quando põem a farda e representam a instituição, têm a cultura de seguir. Isso é disciplina interna. Ninguém discute política partidária no quartel. As coisas são separadas e bem orientadas pelos comandantes. Quanto ao número de militares da ativa, isso pode trazer alguma confusão de imagem. Quem é da ativa e está prestando serviço em altos postos da administração tem a obrigação de estar alinhado com assuntos de governo. E (isso) causa confusão.

Esses oficiais, que dizem ter aceitado uma missão, deviam passar para a reserva?
Em primeiro lugar, as tarefas que estão desempenhando não são missões militares. Não têm nada a ver com as Forças. Não está cumprindo missão coisa nenhuma, está em função na qual empenhou sua responsabilidade individual, não institucional. Isso aí tem normas e os comandantes e o ministro da Defesa são responsáveis pela interpretação. É sempre conveniente a separação para não fazer confusão de imagem.

Colegas do sr. criticam as decisões monocráticas do STF contra o governo. O que o sr. acha?
Há espaço para aperfeiçoar. Alguns desacertos não são só por falta de previsão legal. Precisa haver disposição para o entendimento e para o respeito. Estamos em um processo longo de crítica e de acusação que criou um clima ruim para tratar as diferenças. É preciso aperfeiçoar o sistema.

Quais os papéis do ministro Augusto Heleno e do general Mourão na crise e no governo?
Tudo o que fazem e falam têm reflexos. Nessa conjuntura de muita disputa, os comentários deles têm grande repercussão, mas eles têm cultura e nível para gerenciar isso. Penso que o fim do filme será todo mundo se acertando, como é obrigatório pela Constituição. Vão encontrar uma solução.

Qual o significado da saída de Sérgio Moro do governo?
A saída foi uma perda grande. Ele representava mais do que a capacidade técnica dele, representava ser possível combater a corrupção.

O que o sr. acha de uma candidatura Moro em 2022?
Seria uma opção importante, que carrega a esperança de melhoria em uma área crucial, o combate à corrupção.

O sr. acredita, pelo vídeo da reunião de 22 de abril, que Bolsonaro quis interferir na PF?
Não é possível, para um espectador, chegar a essa conclusão.

O sr. participou de reuniões no Planalto. O presidente sempre se comportava daquela forma?
Até o momento que estive no governo não era daquela forma. Mesmo com as características do presidente, essa reunião me pareceu mais tensa, atípica.

O governo está nomeando indicados do Centrão para cargos. O que acha dessas negociações?
Houve mudança de postura, pois havia várias acusações e disposição de não negociar com o Centrão. Agora, o governo decidiu fazer essas negociações. É questão de momento político. Fica incoerente e sujeito a escrutínio do espectador. Como eleitor, e fui eleitor do presidente Bolsonaro, lembro de comentários de que o objetivo não era fazer esse tipo de negociação e agora está fazendo. Acho que está havendo uma discrepância.

O sr. acredita que o governo chega a 2022, que não corre o risco de sofrer impeachment?
Acho que as coisas vão se acomodar. Tem todas as condições para terminar o governo, mas precisa construir a paz social e o ambiente político. Há previsão legal do impeachment, mas procedimentos previstos, no entanto, não podem ser transgredidos. Não se pode fazer impeachment fora da lei.

O presidente se diz vítimas de uma conspiração. Concorda?
Não há conspiração nenhuma. Tem um ambiente tumultuado que precisa ser pacificado.

Há quem diga que Mourão seria um melhor presidente do que Bolsonaro. O sr. concorda?
Não se deve fazer essa comparação e agravar o ambiente político. Não é construtivo. Críticas ao presidente são válidas, mas não esse tipo de comparação.

Presença de militar na política é fenômeno que veio para ficar?
Sem dúvida. É uma transformação. Há uma quantidade significativa de candidatos militares. É normal. A apresentação como candidato é válida, legal e o eleitor decide. É mais uma opção.
O ESTADO DE SÃO PAULO/montedo.com

22 respostas

  1. Quer permanecer em cena…talvez de olho em um cargo em algum futuro governo. Nada muda neste país! Vivo comentando aqui no site: o roubo maior se dá nos repasses de verbas para estados e, principalmente, municípios! Ninguém fiscaliza para valer! Viaje pelo interior e verá municípios miseráveis onde falta tudo! Mas o prefeito mora na capital, em um apartamento caríssimo, à beira mar! E, ainda, usam empregados domésticos pagos como funcionários da prefeitura…é assim no Brasil! Nos anos noventa houve a farra da criação de municípios…muitos sem a menor condição de proporcionarem o básico às suas populações! Foi um grande esquema para aumentar o sistema político corrupto neste país: mais prefeitos…mais vereadores…mais repasses de verba…mais corrupção! Se o general conhecesse um pouco mais seu país…viajasse e visse as milhares de obras paradas…muitas há décadas…para onde foi o dinheiro público? Nenhuma obra começa sem recursos previstos! Fora os inúmeros aditivos…e não ficam prontas? E ninguém vai preso? O dia que os políticos votarem uma lei condenando políticos, que roubam milhões, à prisão perpétua…passarei a acreditar no sistema…até lá é só um sistema viciado e que beneficia, muito, quem está no poder…e o país continua subdesenvolvido…viva a democracia!

  2. General sensato e equilibrado, tem o meu respeito. Assim como ele sou militar e acredito que as forças armadas não estão em massa a favor do atual governo. O militar que ainda lembra do seu juramento não é a favor de governo, mas sim do Brasil. Antes que algum imbecil diga que sou de esquerda, não, não sou, mas também não faço parte da escória da extrema direita.

  3. General, pare de falar pelo Exército. Vc fala como se estivesse falando pelo Exército.
    Seu tempo no Exército já foi.
    Vc não fala pelo Exército, nem representa ninguém.
    Sempre esteve em alguma “bocada”. Parece q quer sempre estar em evidência.
    Agora é fácil sentar o pau.
    Por que não falava quando estava nos governos?

  4. Quem é esse que fala pela minha instituição? Não o reconheco como porta-voz. Ah sim mais um general reformado que insiste em se manter nos holofotes em busca de um carguinho DAS

  5. Concordo com o Santos Cruz. A instituição não toma decisões, quem faz isso são os indivíduos em função de comando. E deles, hoje, espero qualquer coisa. Essa geração de pequenos.

  6. Achava esse general meio militar em suas ações ,mas depois vi que ele possui firmeza e coerências em suas ações ,somente deixando a desejar não ter intercedido na injustiça com os graduados do antigo PL1645 ,mas creio que naquele momento teve que rezar na cartilha presidencial

  7. Até quando tomaremos ciência desses senhores como o entrevistado ousando falar pela Instituição? É constrangedor ver Generais da reserva pavoneando na imprensa sobre o que supostamente as FFAA pensam ou deixam de pensar. Quero ver a hora em que um praça antigo preferencialmente na ativa der uma enquadrada nesses senhores, porque estão esticando a corda da paciência! Vão levar um esporro e não poderão fazer absolutamente nada, a não ser lamber a dignidade ferida. Noutro dia foi o Senhor Augusto Heleno dando vexame com uma nota divulgada na imprensa, sendo aplaudido por acólitos da reserva oriundos dos bancos escolares da AMAN. Que papelão! Não entendem que as FFAA são instituições de Estado? Esqueceram que o Brasil é signatário, dentre outros, do Pacto de São José da Costa Rica e do Tribunal Penal Internacional? Se esquecem que as FFAA não são formadas apenas por oficiais? Não compreendem o significado do silêncio dos Graduados? Quando é que veremos um basta no uso da designação hierárquica dos Oficiais Generais em manifestações públicas sobre política?

    1. Muito bom ,seu comentário ,mas infelizmente hoje a maioria dos praças estão impnotizados com esse governo , que a cada dia demostra mais sua incompetencia

      1. Não estão hipnotizados. É que a maioria vive o resultado de anos de terrorismo psicológico institucionalizado, e o resultado é uma espiral do silêncio. Quem levanta a voz e diz algo, de forma fundamentada e coerente, é imediatamente transformado em alvo de intimidações e campanhas difamatórias veladas, inclusive dentro do mesmo círculo. Atualmente virou moda a expressão “meritocracia”, alardeada aos quatro ventos como o verdadeiro terceiro pilar da instituição, ombreando com a hierarquia e a disciplina, mas ao fim e ao cabo, nada mais é do que um nome elegante para a famosa “peixada”.

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