O governo Bolsonaro tem um novo aliado na briga contra o STF: os militares

O ministro da Secretaria de Governo, general Luiz Eduardo Ramos, fala em entrevista coletiva no Palácio do Planalto - Ueslei Marcelino/Reuters

O acirramento dos ânimos entre o Executivo e o Supremo Tribunal Federal ganha um complicador importante e imprevisível

Marcela Mattos

“O Gabinete de Segurança Institucional alerta as autoridades constituídas que tal atitude (apreender o celular do presidente) poderá ter consequências imprevisíveis para a estabilidade nacional.”
General Augusto Heleno, ministro-chefe do GSI

Na famosa reunião ministerial de 22 de abril, Jair Bolsonaro classificou de “muito boa” a nota divulgada pelo Ministério da Defesa após a participação dele numa manifestação a favor do fechamento do Congresso e do Supremo Tribunal Federal (STF). O afago era compreensível, já que o texto — ao listar platitudes, como a promessa de respeito à Constituição e à harmonia entre os poderes — não trazia uma reprimenda enfática às pretensões golpistas dos apoiadores do presidente. “Não aceita o golpe. Dez”, disse Bolsonaro na reunião, para em seguida cobrar empenho dos militares na proteção de seu mandato, ameaçado por pedidos de impeachment e por uma investigação em curso no STF. “A Defesa (…) Também não aceita um contragolpe dos caras, p…!”, bradou com um palavrão, bem no seu estilo. A cobrança surtiu efeito, e os generais do governo, que antes devotavam apoio nos bastidores, agora deixam transparecer publicamente que estão fechados com o presidente.

“Não vou aceitar que me usem para atacar minha amada instituição! (…) A guerra continua e não tem data para o armistício, e não posso abandonar minha posição.”
General Luiz Ramos, ministro-chefe da Secretaria de Governo

Essa mudança de postura ficou clara depois que o decano do STF, o ministro Celso de Mello, encaminhou para a manifestação da Procuradoria-Geral da República (PGR) um requerimento de partidos de oposição que pedia a apreensão dos celulares do presidente e de seu filho Carlos Bolsonaro, mentor das milícias bolsonaristas nas redes sociais. A iniciativa do magistrado foi protocolar e, por isso, não indicava uma predisposição dele para aceitar tal pedido. O presidente e sua tropa palaciana, no entanto, consideraram o ato uma declaração de guerra. Reunido com os ministros Fernando Azevedo (Defesa), Augusto Heleno (Gabinete de Segurança Institucional) e Luiz Eduardo Ramos (Secretaria de Governo), todos generais, Bolsonaro afirmou que, mesmo se houvesse uma ordem judicial, não entregaria seu telefone. Heleno, então, divulgou uma nota em que tachou o pedido de apreensão do celular do chefe de “inconcebível” e “inacreditável”. O general ainda soou ameaçador: “Tal atitude é uma evidente tentativa de comprometer a harmonia entre os poderes e poderá ter consequências imprevisíveis para a estabilidade nacional”.

“Esta Corte mantém-se vigilante contra qualquer forma de agressão à instituição, na medida em que ofendê-la representa notório desprezo pela democracia.”
Luiz Fux, presidente em exercício do STF

A interlocutores, Heleno reclamou do que chamou de “dois pesos e duas medidas”. Na mesma decisão em que intimou os ministros-generais a depor, se necessário, “debaixo de vara” no caso em que Sergio Moro acusa o presidente de tentar interferir politicamente na Polícia Federal (PF), Celso de Mello rejeitou um pedido de perícia no celular do ex-ministro da Justiça feito pela PGR, sob o argumento de que, para isso, era necessário antes um pedido de busca e apreensão. Dias depois, diante da solicitação de partidos de oposição sobre a apreensão dos celulares de Bolsonaro, o decano, em vez de negar de imediato, requereu a opinião da PGR. Foi o suficiente para passar a ser tratado como conspirador. A nota de Heleno não teria tanta repercussão não fosse por um detalhe: ao contrário de suas manifestações anteriores, o texto desta vez foi avalizado pelo ministro da Defesa. Em mensagem enviada à CNN Brasil, Fernando Azevedo afirmou que “a simples ilação da apreensão do celular do presidente da República, na visão dele, é absurda”. “Afronta a segurança institucional”, acrescentou.

“O ataque destrutivo às instituições, a pretexto de salvá-las, depurá-las ou expurgá-las, já nos trouxe duas longas ditaduras na República. São feridas profundas da nossa história, que ninguém há de querer reabrir.”
Luís Barroso, ministro do STF

Antes da pandemia, os militares estavam divididos em relação ao comportamento de Bolsonaro. Muitos viam exageros e despautérios em suas reações. Poucos seguiam suas teorias conspiratórias. Desde o início da crise, a turma se uniu. Os generais do governo passaram a se queixar em conversas de bastidores de decisões do Congresso e do Judiciário que, segundo eles, usurpam poderes do presidente, como a liminar que impediu a nomeação de Alexandre Ramagem para o comando da PF. A nota de Heleno, chancelada pela Defesa, aumenta ainda mais a pressão sobre os outros poderes. Na semana passada, ministros do STF reagiram por meio de declarações contundentes. Já o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, adotou um tom entre conciliador e provocador. Em discurso, o deputado pregou a pacificação, mas ressaltou que o Legislativo, mesmo quando discorda, respeita as decisões da Justiça. A tensão está longe de refluir. “Não teremos outro dia como ontem, chega. Chegamos no limite. Estou com as armas da democracia na mão”, disse Bolsonaro na última quinta, 28, referindo-se à operação do Supremo contra as fake news (veja na pág. 50). Está mais do que na hora de ações maduras — de todos os personagens envolvidos — na busca da convergência, da defesa da democracia e do estado democrático de direito.
Publicado em VEJA de 3 de junho de 2020, edição nº 2689
Veja/montedo.com

24 respostas

  1. Isso é uma vergonha para todos os brasileiros , em pleno século XXI no pico de uma pandemia destruidora, os Poderes Constituídos da República que tem o dever e a obrigação de defender deus cidadãos , resolvem promover a desestabilização do Estado em disputas pessoais por seus egos.Todos estão errados. A todo direito corresponde um dever, aquele que não cumpre os seus deveres , não podem exigir os seus direitos.

    1. Caros, vários CONSTITUCIONALISTAS entendem que o Supremo ultrapassou várias vezes as atribuições dele em suas decisões….Leiamos NA MÍDIA, o pior cego é o que não quer ver… .Orando pelo BRASIL.

    2. Ninguem está preocupado com o povo! O povo que se exploda. Ministros que não são semideuses, mas o próprio Deus Vivo, querem apenas serem contemplados, bajulados e embora não tenham memória, esqueceram como chegaram as togas (ou tocas). Políticos esquerdistas desesperados pela perda do poder, acostumados às regalias e mamatas, perderam a boquinha e estão pasmos ao ver o “outro” fazer o que não conseguiram. Conservadores que já haviam e muito esquecidos o gosto do poder. Entretanto vemos um presidente tosco, sem educação, sem papas na linguá, que embora honesto -(e ai acredito muito), não sabe lidar com os ratos, nem com deuses, nem com ateus, nem com seres extraterrestres (Ciro e Marina). Não existe o Brasil, existem os meus “brasis”. Quem ganha? nós é que não. Estou muito cansado. Precisamos ter força e não deixar essa corja de vagabundos dominares. Força meu povo!!!

  2. A questão toda é esse judiciário promiscuído e aparelhado a serviço da esquerda, promovendo investigações inconstitucionais e usurpando as funções de outros poderes constituídos. Só pra lembrar, aqui do lado na Venezuela começou assim.

    1. Vc reclama do judiciário.
      Mas e o PL 1645 quem foi o responsável por ele?
      E a reunião que iria ter para reduzir as desigualdades?
      Se vc não leva em consideração isso é pq deve ser oficial ou do EB.

  3. General Ramos, o senhor não tem instituição nenhuma, o senhor é um servil, estão agindo como o sr presidente deseja, incorporando o caos criado por ele e querendo fazer parecer que este é um problema das Forças Armadas. Este é um problema de militares da reserva que fazem parte deste governo e que também são responsáveis por tudo que acontece nele.

  4. Sobre a usurpação do Poder Executivo … Concordo com a tese da usurpação do Poder Executivo, implementada com a promulgação da CF/88. Desde então, qualquer chefe do Executivo Federal, independentemente de sua matiz ideológica, a fim de promover a sua agenda aprovada democraticamente através de eleições diretas, precisou se valer do presidencialismo de coalizão.

    Tornou-se impossível governar sem o “toma lá dá cá”, infelizmente, e deu no que deu, com essa Constituição de cunho parlamentarista, onde privilegia um Poder Legislativo cuja grande maioria dos seus membros têm intenções pouco republicanas, em detrimento ao Poder Executivo.

    Para piorar, soma-se a recente desenvoltura do nosso Tribunal Constitucional que, com dois pesos e duas medidas, pratica o ativismo judiciário estabelecendo assim um Estado Judicial, igualmente em detrimento ao Poder Executivo. Diante disso, contando com um PR que se indigne com tal situação, é pouco provável que uma crise Institucional não se estabeleça.

    Já publicava Néviton Guedes, em 21 de janeiro de 2013, então desembargador federal do TRF da 1ª Região e doutor em Direito pela Universidade de Coimbra: “A Constituição, contudo, não é um livro sagrado, os tribunais não são templos, nem os juízes sacerdotes infalíveis. Em relação a tudo isso, além de bom senso, também deve prevalecer o princípio da separação de Poderes”.

    Peço licença ao Montedo, caso julgue pertinente, para indicar o link da matéria do Dr. Néviton Guedens que é excepcionalmente esclarecedora, intitulada “Tomemos a sério o princípio da separação dos Poderes”. (https://www.conjur.com.br/2013-jan-21/constituicao-poder-tomemos-serio-principio-separacao-poderes)

    1. Pois é, camarada, concordo contigo. Porém, o atual Presidente foi eleito prometendo que faria diferente. Seria uma nova política. Se ele parlamentar por 28 anos sabia dessa impossibilidade de se governar sem esse presidencialismo de coalizão por que prometeu que faria diferente?

      De duas, uma: ou passou 28 anos na Câmara e não aprendeu nada de política brasileira ou mentiu para seus eleitores.

      Simples assim.

      1. Simplesmente assim. Votamos errado para o congresso. Ele tinha tudo para ter maioria. Contudo o sujeito eleito deputado ou senador ouve as estórias dos desmandos e das máfias e quer tirar o seu também. O modo de elegê-lós está errado a quantidade de partidos está errada. E eles como é óbvio não levantam um dedo para mudar. A culpa é sua. Não reeleja ninguém é tenha muito mais critério na próxima.

  5. O mais interessante é que muitos criticam o fato da fonte da notícia ser da Veja, O Globo, Uol, etc. Mas confiam cegamente nos blogs e youtubers “reaças” que criam, compartilham e disseminam mentiras (fake news).

    Lembrei agora daquele vídeo feito na central de abastecimento de BH compartilhado pelo próprio PR. Antes da imprensa mostrar a farsa do autor, muitos seguidores dos “reaças” compartilharam sem nem pestanejar.

    Conclusão: muitos adoram ser tratados como “inocentes úteis” e acreditam em mitos, lendas e fábulas, menos na vida real. Ontem eram os petistas fanáticos a dizer que Lula é inocente; hoje são os bolsonaristas fanáticos a dizer que o chefe é incorruptível, mesmo abraçando os “patriotas” do Centrão.

  6. Eu acredito que basta!

    Basta de leniência com aqueles que utilizam a democracia para atentar contra suas Instituições.

    Basta de falta de energia para coibir manifestações antidemocráticas.

    Basta de nutrir esperança de moderação em militares que desde o início fazem parte de um projeto de poder autoritário.

    Basta de condescendência com a omissão de forças policiais que deveriam coibir a balbúrdia.

    É imperativo chamar à responsabilidade as autoridades que desviam-se de suas atribuições e dão suporte aos devaneios de um golpe anunciado.

    Uma imagem fala muito. Que diremos do presidente montado em um cavalo da PMDF insuflando uma turba? Qual a diferença se no lugar do cavalo fosse um blindado do Marinha ou do Exército?

    Os militares que prevaricam, que preferem o manto da omissão, devem ser chamados a dar satisfação à nação. Devem ser chamados para em alto e bom som exporem o que pensam, e responderem por suas ações que apoiam atos antidemocráticos.

    Já passou da hora! Hoje foi um cavalo, amanhã será sobre um tanque.

    1. “E conhecerão a verdade, e a verdade os libertará”. João 8:32

      Também acredito que basta, conforme João, mas o João Bíblico.

      “É imperativo chamar à responsabilidade as autoridades que desviam-se de suas atribuições e dão suporte aos devaneios de um golpe anunciado”. Sim prezado João terreno, concordo, entretanto que a linha deste raciocínio valha tanto para eventuais devaneios de autoridades do Poder Executivo, quanto para as do Legislativo e Judiciário.

      Os golpistas estão à solta, golpistas esses de todos os lados. Quanto a tentativa de arrastar as Forças Armadas para fora da via democrática, vejo que não existe esta possibilidade nas mentes e corações dos chefes militares de hoje. O único remédio é o aprimoramento democrático e não o radicalismo ideológico.

      Todos os brasileiros de bem, nesta crise sanitária sendo transformada em crise política infindável, onde predomina uma guerra de narrativas, precisam se unir em busca de soluções para o bem comum.

  7. Aos que fizeram campanha para esses catrevage, hoje se tem uma massa encefálica deve está muito arrependido! mamatas e mamatas para quem repudiava o que a esquerda fez por anos. Espero que meu livre pensar não seja censurada!

  8. Proponho um exercício aqueles que, ainda, apoiam esse governo.

    nas conversas de seus grupos, reais ou virtuais, não necessitam falar mal da família. Basta que demonstrem dúvida ou, mesmo, proponham uma conversa mais suave, apaziguadora, democrática…
    Se não forem acusados de comunistas, continuem firmes em suas opiniões, mas se chamados de comunistas, tratem de refletir que somente o alinhamento total satisfaz esses radicais. Se refletindo, ainda, acharem-se pertencentes a esse grupo, que fazer?

  9. Matou a pau anônimo de 31 Mai 20, da 12:17, mas o Trump, é que faz eles virarem machõeszinhos, só que ele está por uma unha, os EUA está pegando fogo, e as eleições, do tio Sam, estão próximas, e se esse cretino não se reeleger, aí, termina os 57 milhões de super homens e mulheres maravilhas que elegeu esse DESgoverno, a não ser, que ele esteja pensando em dar um GOLPE, que nem o daqui, e, igualzinho ao nosso País vizinho, DESgovernado pelo ditador Maduro.

  10. SOMOS 70% A FAVOR DA DEMOCRACIA, ENTÃO, ELES QUE VENHAM POR AQUI NÃO PASSAM. GUARDADAS as devidas proporções, O ‘OVO DA SERPENTE’, à semelhança do que ocorreu na República de Weimar (1919-1933) , PARECE estar prestes a eclodir NO BRASIL ! É PRECISO RESISTIR À DESTRUIÇÃO DA ORDEM DEMOCRÁTICA, PARA EVITAR O QUE OCORREU NA REPÚBLICA DE WEIMAR QUANDO HITLER, após eleito por voto popular e posteriormente nomeado pelo Presidente Paul von Hindenburg , em 30/01/1933 , COMO CHANCELER (Primeiro Ministro) DA ALEMANHA (‘REICHSKANZLER’), NÃO HESITOU EM ROMPER E EM NULIFICAR A PROGRESSISTA , DEMOCRÁTICA E INOVADORA CONSTITUIÇÃO DE WEIMAR, de 11/08/1919 , impondo ao País um sistema totalitário de poder viabilizado pela edição , em março de 1933 , da LEI (nazista) DE CONCESSÃO DE PLENOS PODERES (ou LEI HABILITANTE) que lhe permitiu legislar SEM a intervenção do Parlamento germânico!!!! ‘INTERVENÇÃO MILITAR’, como pretendida por bolsonaristas e outras lideranças autocráticas que desprezam a liberdade e odeiam a democracia, NADA MAIS SIGNIFICA, na NOVILÍNGUA bolsonarista, SENÃO A INSTAURAÇÃO , no Brasil, DE UMA DESPREZÍVEL E ABJETA DITADURA MILITAR !!!! #SOMOS70%CELSODEMELLO.

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